Em 2014, durante a Copa FIFA no Brasil, a minha empregadora deu camisas oficiais da seleção canarinho para todos os funcionários. Foi um belo gesto e um belo presente. Mas, se eu já fazia ressalvas à camisa da seleção desde os idos de 2018, o último 8 de janeiro de 2023 veio para sepultar qualquer chance de eu vestir essa camisa no futuro. Ela se tornou um símbolo de tudo o que mais desprezo: estupidez, covardia, golpismo, fascismo… Interrompo a lista, por contenção. Por isso, a camisa foi para a caixa de doações. Não que eu ache que os menos afortunados deveriam ser confundidos com quem veste essa camisa para praticar barbárie. É muita humilhação com gente já marginalizada. Mas entre a doação e o lixo, acho que ela ainda pode servir melhor no primeiro grupo.
No “mundo líquido” de Bauman, as palavras também têm perdido a substância e o sentido original, numa velocidade assustadora. Na política brasileira, então, esse esvaziamento de sentidos é notório e pré-data a era digital, ou seja: não foi ela que forçou o esvaziamento dos sentidos dentro da vida política.
Há muito, eu crítico a Esquerda brasileira pela falta de zelo com as palavras. Foram seus atores que esvaziaram o sentido de “fascismo” e “fascista”. Quando todos são, ninguém é. E os representantes desta Esquerda usaram e abusaram da “licença político-poética” de empregá-la. O resultado, tal qual a fabula de Pedrinho e o Lobo, foi que quando o termo realmente precisou ser empregado para alertar o povo do que estava por vir, ninguém mais se importava com o peso e o alarme nele contidos.
Outra palavra bem surrada é “terrorismo”. Desde 2001, pelo menos, o terrorismo está em todo lugar. Existia antes, mas virou vírgula depois das Torres Gêmeas novaiorquinas. Então, como eu já comentei sobre as 14 características do fascismo, passo a comentar sobre o sentido de “terrorismo”. É bom adiantar que as definições de “terrorismo” são bem diferentes no meio político e no meio jurídico. Começo pelo último.
A Constituição Federal de 1988, Lei maior no ordenamento jurídico brasileiro, e pacto social firmado entre todos os nacionais deste país no que tange à organização do Estado, utiliza “terrorismo” sem, no entanto, explicá-lo. Ele aparece no art. 4º, quando define como o Brasil se comportará nas relações internacionais (e, por lá, repudia o emprego do terrorismo, bem como do racismo) e, mais tarde, no art. 5º, famoso por ser rol maior dos direitos constitucionais fundamentais do cidadão brasileiro, que define o terrorismo como crime inafiançável, conforme inciso XLIII (43), onde se definem inafiançáveis, também, os crimes de tortura e tráfico de drogas. É a conhecida – por quem estudou Direito – trinca “TTT” de crimes. Isso tudo dito, nada explica a Constituição acerca do que é “terrorismo”. E não há crime sem lei anterior que o defina, como comanda a mesma CRFB, neste mesmo art. 5º, inciso XXXIX (39).
Se pesquisarmos o Código Penal, Decreto-Lei 2.848/1940, tampouco encontraremos definição do que vem a ser “terrorismo”. Isso porque a regulamentação do que é terrorismo ocorre em Lei esparsa (fora do Código Penal) e tivemos a edição da Lei Federal n° 13.260/2016.
É essa Lei, conhecida como “Lei antiterrorismo” (embora eu discorde do “anti”, já que ela não se dedica a criar meios de combate ao terrorismo), que define em seu artigo 2º o que é terrorismo para o Estado democrático de direito brasileiro, numa perspectiva legal (jurídica).
Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
§ 1º São atos de terrorismo:
I – usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
II – (VETADO);
III – (VETADO);
IV – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
V – atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.
O primeiro entendimento que alcanço, portanto, é de que a Lei antiterrorismo não se aplica aos golpistas do último dia 8. E aqui cabe alguma contextualização histórica: o diploma legal em comento foi promulgado pela ex-Presidente Dilma Rousseff. Seu passado pessoal em grupos paramilitares pró comunismo, bem como sua posterior filiação ao Partido dos Trabalhadores que é fortemente baseado em movimentos sociais históricos do Brasil (MST, CUT, APEOESP, etc.) levou a todo tipo de pressão no Congresso Nacional para que a Lei antiterrorismo alcançasse tão somente o conceito “internacional” de terrorismo (o terrorismo de grupos religiosos, de grupos supremacistas por etnia, etc.), excluindo qualquer alcance ao “terrorismo doméstico” (grupos de nacionais que decidem executar atos violentos contra o governo em exercício, por qualquer razão). Daí a redação do parágrafo segundo. É este mesmo § 2º que livrará os bolsonaristas envolvidos no 8 de janeiro de se verem acusados de terrorismo nos termos do art. 1º, inc. IV, da Lei supra.
Portanto, “terrorismo”, juridicamente falando, diante do arcabouço (conjunto) do ordenamento pátrio vigente, não é crime pelo qual os vândalos possam ser denunciados. E o Direito Penal é extremamente fóbico a qualquer inovação em entendimento que permita a elasticidade do alcance dos tipos penais. Em outras palavras: o Direito Penal não tolera entendimento que facilite o enquadramento de condutas do indivíduo em crimes legalmente previstos, mas que não citam claramente a conduta perpetrada. E com razão. Fosse o Direito Penal amigável a essa liberdade do Poder Acusatório, todos que incomodassem o Estado (ou o governante) acabariam facilmente atrás das grades. Pelo mesmo motivo, mesmo que o Congresso Nacional editasse nova Lei ainda hoje e o Presidente Lula a promulgasse, ainda assim os bolsonaristas não poderiam ser processados sob a figura da nova Lei. Porque a Lei penal só retroage em favor do réu, nunca contra (art. 5º, XL [40], CRFB).
E se você está esbravejando por concluir que os bandidos de domingo sairão livres, veja isto por outro ângulo: é uma excelente oportunidade para falar para seu parente/amigo bolsonarista sobre a importância dos Direitos Humanos, da legalidade, da obediência à Lei por parte das instituições e do Estado-Juiz, e porquê vale defender um Estado democrático de direito. Fosse uma ditadura, o(s) ditador(es) poderia(m) mudar todo esse entendimento sem maiores melindres e poderia(m) condenar todos os arruaceiros à pena de morte, mesmo que retroativamente.
Mas, e o “terrorismo” no sentido político? Este certamente é termo adequado para os bolsonaristas nas ruas. Embora o mundo nunca tenha chegado a uma definição universal do que é “terrorismo” (porque é um crime de definição “cinzenta” – toda revolução é ilegal, exceto se der certo…), os Comitês das Nações Unidas que se debruçaram nesse tema, nos idos dos anos 2000, chegaram à seguinte definição do que é a conduta terrorista:
“quando o propósito da conduta, por sua natureza ou contexto, é intimidar uma população, ou obrigar um governo ou uma organização internacional a que faça ou se abstenha de fazer qualquer ato. Toda pessoa nessas circunstâncias comete um delito sob o alcance da referida Convenção, se essa pessoa, por qualquer meio, ilícita e intencionalmente, produz: (a) a morte ou lesões corporais graves a uma pessoa ou; (b) danos graves à propriedade pública ou privada, incluindo um lugar de uso público, uma instalação pública ou de governo, uma rede de transporte público, uma instalação de infraestrutura, ou ao meio ambiente ou; (c) danos aos bens, aos locais, às instalações ou às redes mencionadas no parágrafo 1 (b) desse artigo, quando resultarem ou possam resultar em perdas econômicas relevantes”.
Portanto, sim, não há dúvidas de que os movimentos bolsonaristas nas ruas são terroristas, dentro de uma definição política, bastante aceita e atual (ONU, anos 2000). Mas para que se possa falar em crime de terrorismo, este precisa existir na legislação nacional, anteriormente ao(s) ato(s), para que se possa processar, julgar e prender o(s) individuo(s) que praticou(am) tal ação. É óbvio: há diversos outros crimes para acusar a horda de tresloucados. Dano, lesão corporal (contra os agentes que foram espancados), ameaça, crimes contra o patrimônio cultural (Lei 9.605/1998), a própria figura do Golpe de Estado (art. 359-M do Código Penal) que foi criada em 2021, enfim… Muitas possibilidades, mas não a figura do crime de terrorismo. E, com ela, se vai a característica do crime inafiançável. Ainda terão ao favor de suas defesas, atenuantes do art. 65 do Código Penal, como aquela concedida ao crime cometido sob influência de multidão.
Neste breve resumo, quero alertar para fato que me parece claro: o Brasil, o Estado brasileiro, as instituições, a Lei, nenhum deles está pronto para lidar com o terrorismo bolsonarista. A Lei, como está, não os alcança em magnitude e não protege o Estado brasileiro e os cidadãos que o respeitam em suficiente. Fora da Lei, não há diferença entre bandidos e um Estado de exceção. Como não havia diferença entre os terroristas de Esquerda, planejando sequestros para forçar sua ideologia, ou os terroristas fardados, usando a máquina do Estado para perseguir e aniquilar quem os incomodava. Fora da legalidade e do prévio conhecimento das regras do jogo, vale tudo. E o vale-tudo não pode ter lugar na civilização e na cidadania.
Espectros
Os espectros, os fantasmas, o passado da história brasileira voltaram a aparecer com força inédita, desde a redemocratização. O que se assistiu no domingo passado e o que se ensaia para hoje, no início da noite, foi (e será) nada aquém do que uma tentativa de golpe de Estado. O que queriam os criminosos era que, diante da desordem instalada por eles, as tropas das forças armadas fossem às ruas, e sendo elas recheadas de simpatizantes pelos desordeiros, virassem-se contra Constituição de 1988, tomando o poder político das mãos dos que foram eleitos. Se ainda somos uma democracia é somente porque o cenário internacional não favorece um golpe e as famílias dos militares não querem perder o direito de ir pra Disney. Se não houvesse uma pressão internacional (especialmente dos EUA – ah, a ironia) em sentido contrário ao golpismo, já teríamos a voz do Brasil passando até no Twitter, à essa altura.
O problema é que a história sociopolítica do Brasil é feita de golpes de Estado. O caminho “natural” nunca existiu para a sociedade brasileira. Não. Aqui, política nova se faz com ruptura e solavanco. É verdade que em quase todo país do Ocidente, a história se repetiu do mesmo modo no início, mas o caso brasileiro é especialmente alarmante porque essa lógica jamais foi superada:
A queda da monarquia e o início da República se dá com um golpe dos militares contra o Imperador, em 1889.
O fim da primeira República (iniciada em 1889) e o início do Estado Novo se dá com um golpe de Getúlio, apoiado pelos militares que lhe eram simpáticos, em 1937. Acabou em 1945, também sob ameaça de um novo golpe de Estado e novamente por ação dos militares, agora, opostos a Getúlio.
Chega 1964 e a Democracia cessa outra vez, com os militares dando um golpe de Estado para impedir que o vice de Jânio Quadros, João Goulart, erigido a presidente pela renúncia do primeiro, pudesse levar a cabo seus planos político-econômicos, sob a alegação de que Goulart instalaria um regime comunista no Brasil. Detalhe: Goulart era tão comunista quanto eu ou você. Seu nacional desenvolvimentismo era de matriz Getulista (aliás, ambos eram do PTB, fundado por Getúlio justamente para “roubar” votos da classe trabalhadora, contra partidos abertamente comunistas).
Chegam os anos 1980, os donos da ditadura brasileira, general Geisel (penúltimo presidente do regime militar) e general Couto e Silva (o melhor “político fardado” que dispunham), percebem que vão sofrer uma revolução popular e, antes disso, desarmam a bomba-relógio “se adiantando” e devolvendo a República ao controle popular pelo voto (numa análise reducionista: democracia). Esse adiantamento foi letal para o equilíbrio porque, iniciado no meio dos anos 1970, permitiu que os militares programassem como “perderiam o poder”. E ainda ocupando o poder, obrigaram o outro lado (o nosso) a aceitar os termos postos à mesa. Perderam e não perderam. Influenciaram toda a redação da Constituição e garantiram para si uma Lei de anistia extremamente bondosa e protetora de seus interesses. Não foram julgados, não tiveram sua vasta corrupção investigada. Saíram vitoriosos e ainda poderosos. Vide os moldes atuais da previdência militar.
Chegamos à redemocratização em 1988 e nos dias de hoje. E como já foi dito muitas vezes, nos últimos dias, porque um deputado pôde homenagear um torturador (ele não homenageou um presidente do regime, mas o torturador dos porões; é bom que se entenda a diferença) durante seu voto no impeachment de Dilma e não sair de lá algemado, aqui estamos: discutindo se a democracia brasileira aguenta muito mais tempo sob esse tipo de ataque. Imagine se o parlamento alemão aceitasse que alguém homenageasse Hitler nos dias de hoje. Seria escandaloso.
O Brasil
“Nos deram espelhos e vimos um mundo doente.”
ou
“Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação.”…
Talvez, haja obras mais atuais a sumarizar os tempos vividos. Mas eu já estou velho e essas são as músicas da minha geração. Citar Vandré seria pretensioso, já que ele veio bem antes. Buscar o presente seria engodo, já que eu não tenho escutado muito os novos artistas brasileiros.
A pesquisa Atlas-Intel, publicada no último dia 10, entrevistou a população e concluiu que 75.8% não concorda com os atos de vandalismo, enquanto 18.4% concordam. 18% é muita gente de acordo com a barbárie, mesmo que pareça pouco. Quando movemos o recorte para eleitores do Messias, vemos que 38.1% apoiam, enquanto 48.6% repudiam, o que é surpreendente e até positivo. Mas, quando mudamos para religião e olhamos para os que se declaram evangélicos, o problema dispara de novo: 31.2% concordam, contra 14.3% de católicos e 6.4% de outras religiões. Clique no link acima para conferir o tamanho do estrago na sociedade, após ao menos 4 anos de barbárie verbal e prática.
Seja como for, temos que olhar para o material humano disponível no Brasil. Não é possível atribuir tudo à figura do grande mito messiânico que essa horda decidiu seguir. É impossível lhe eximir da responsabilidade, igualmente. Palavras têm força, e na boca ou nos textos de pessoas pelas quais temos apreço, devagar ou rápido, passam a ecoar no nosso imaginário e formar – em parte ou no todo – a nossa opinião.
Não, um presidente que grita “vamu metralhar a petralhada” (sic) não está apenas fazendo um discurso. Não é mero simbolismo, figura de linguagem… Ele está, no médio ou longo prazo, autorizando a violência contra quem não concorda com ele(s). Ademais, praticamente tudo na vida humana é simbólico. O seu contrato de trabalho é simbólico, o casamento dos seus pais é simbólico, a escritura pública da sua casa própria é simbólica, e o contrato de aluguel também é.
A Lei. Especialmente a Lei. Essa é muito simbólica. É um símbolo de que nós todos, unidos pela língua, cultura, território e época, decidimos renunciar a boa parte da (senão a toda) capacidade física e coercitiva de obrigar o outro a fazer o que queremos, e depositamos esse poder em um terceiro ente, idealmente capaz de usar a força na hora certa e mediar a nossa coexistência de forma menos brutal, bestial, animalesca.
Quando um bolsonarista quebra os vidros do STF, ele não está ofendendo o ministro Alexandre de Moraes.
Quando um camisa-amarela fura o painel de Di Cavalcanti, ele não está machucando o Presidente Lula, muito menos a Di Cavalcanti que já está morto há 46 anos. Tampouco machucam os ex-Presidentes cujos quadros foram estilhaçados e jogados ao chão.
Quando um milico da reserva ou policial de folga, raivoso, irrompe contra o mobiliário do Congresso Nacional, em parte trazido da antiga capital nacional (o Rio), quebrando mesas e móveis centenários, ele não está fazendo Pacheco ou Lira chorarem.
Não é aos Presidentes dos Três Poderes que o Governador do DF, agora afastado, Ibaneis Rocha, deve desculpas. As desculpas são devidas aos 215.5 milhões de brasileiros e brasileiras que tiveram seu patrimônio depredado por capricho e loucura, de forma bestial e animalesca.
Ou defecar sobre a fotocopiadora virou sinal de patriotismo? Que as palavras andavam sem sentido, vá lá, mas isso já é demais.
Quando um bolsonarista joga o escudo da República para tomar chuva, não é o ministro do STF que ele está agredindo. É a mim. É a você. O ministro agora é um. Amanhã será outro. Aquele espaço onde o STF existe (e onde existem os demais Poderes), é sagrado no sentido de abrigar o nosso pacto, a nossa esperança de que possamos coexistir enquanto sociedade, no mesmo espaço e no mesmo tempo, dividindo alguns (jamais todos) valores comuns e tornando nosso país em um lugar melhor de se viver do que já foi ontem.
O ato foi, até aqui, em vão. Serviu, isto sim, para acelerar o desmonte dos acampamentos golpistas e reaglutinar instituições da República que andavam, há muito, separadas. Mas parar nesse entendimento é uma visão demasiadamente otimista, até pueril, eu diria. O bolsonarismo finalmente mostrou a que veio. Se não podem vencer nas ideias e no voto, vencerão de outro modo. Vale-tudo. Barbárie. Terrorismo. Esse é o bolsonarismo.
Espero que o espelho não lhe mostre de camisa da CBF. Se mostrar, fica o recado de quem espera que você saia dessa: você está doente e imerso num mundo igualmente doente. Não dá para respeitar a Constituição, o nosso acordo de coexistência, ou acreditar no futuro da nação e ser bolsonarista. Simplesmente não dá. É uma questão de lógica. E de civilização.
Meia-noite. Primeiro minuto do dia 30 de outubro de 2022. O último domingo de outubro, conforme comanda a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, em seu artigo 77. Hoje, se faz História em meu país. Para o bem ou para o mal.
Falando em tempo, existia um mundo antes das 9h46 a.m. (horário de Brasília) do dia 11 de setembro de 2001 (uma terça-feira), e um outro mundo eclodiu, depois. Talvez, a depender do ano em que você nasceu, você sequer seja capaz de entender como aquele minuto mudou a história do Ocidente (poderíamos ficar apenas no aspecto político-econômico) e, por consequência, a história do mundo.
Eu já falei “bem” sobre entropia. Quer dizer, eu já expliquei por aqui o conceito da termodinâmica, porcamente. Para quem não tem tanta disposição, segue a versão de uma frase: entropia é a medida pela qual se avalia a desorganização de um sistema. Qualquer sistema. O exemplo do jarro com bolinhas coloridas; vermelhas, do fundo até a metade; azuis, da metade até perto da tampa: você chacoalha o jarro, as bolinhas se movimentam e passam a se misturar. Quanto mais você chacoalha, mais elas se misturam. O tamanho dessa “desorganização” em face do sistema originário é a entropia. Um ponto central da entropia em sistemas reais é que, não importa o quanto você “balance a jarra” (interfira no sistema), o sistema não voltará ao estado original em que todas as bolinhas estavam separadas “organizadamente”.
Porém, a entropia não deve ser confundida com “bagunça”, sob o risco de se supor que tudo é melhor “na origem”. Ora, não fosse a “entropia” do óvulo fecundado no ventre da senhora sua mãe, tudo ficaria exatamente como estava no início daquele novo sistema (você, o “pra sempre girino” [zigoto]).
Seja como for, o Brasil – como quase tudo que existe – pode ser lido como um sistema. Na realidade, um sistema de sistemas; quase infinitos sistemas. Sistemas geológicos, sistemas biológicos, ecossistemas, sistemas de povos, de cultura, de economia, de política… Enfim… Sistemas… E todos eles passam por entropia.
É difícil fazer previsões, mas soa razoável supor que hoje, às 21h (também de Brasília), já saberemos o resultado das eleições gerais de 2022. Isso porque são menos votos (na maior parte, só para Presidente; apenas doze estados terão segundo turno para governador), e também porque é razoável esperar que a Justiça Eleitoral tenha aprendido com as lições e motivos que tornaram o primeiro turno mais lento (biometria, transferência de dados, processos…). Quer dizer que, em mais ou menos vinte e uma horas, nós poderemos medir a nova entropia do Brasil, enquanto sistema sociopolítico.
As decisões que os eleitores consagrarão nas urnas, hoje, percutirão efeitos importantes no jarro de bolinhas que é o Brasil. Por outro lado, como sistema real que é, o jarro do Brasil não está com a tampa fechada. Algumas bolinhas caem, outras entram. O sistema funciona, ora sob regime hermético, ora sob forte influência dos ecos de outros sistemas. Isso bagunça um bocado com as leis da termodinâmica e, consequentemente, com o conceito de entropia. Então, vamos mudar. Vamos pros comunistas 😈!
Foi Marx (calma, respira… não é sobre o seu temido comunismo, hoje, eu prometo) quem concluiu, após analisar a frase original de Hegel, que a história se repete duas vezes: uma como tragédia, outra como farsa. “Tragédia e Farsa”, no contexto em que Marx escreve, estão ligadas aos gêneros de teatro grego.
A tragédia grega é, bem, … trágica. A característica desse teatro é, basicamente, que o protagonista já inicia sua jornada em meio a tensões e incertezas e acaba infeliz e cercado por tragédias. A peça de “Édipo Rei”, que (spoiler alert) atravessa o mundo para não acabar casado com a própria mãe, graças a uma maldição por ter cometido parricídio, e ainda assim com ela se casa, é um exemplo clássico (em todos os sentidos) desse gênero teatral. Já a farsa, no teatro grego, é o humor em sua forma mais escarnecida. A farsa não tem real compromisso com filosofias, discussões e críticas sociais (bem mais caras ao humor “moderno”), de valores morais ou (a)temporais. O objetivo real de uma peça de farsa é a gargalhada. Aristófanes é um autor famoso do estilo, e sua peça Lisístrata (ou “A greve do sexo”) é igualmente conhecida no gênero.
Portanto, quando Marx diz que a história se repete (como afirmou Hegel), adicionando que uma vez como tragédia e outra como farsa, o que ele queria explicar é que da primeira vez, os fatos históricos “inéditos” de uma nação são intensos, reais, vividos à flor da pele. Na segunda vez em que esses fatos ocorrem, são caricaturas, arremedos, uma cópia, uma emulação do que se deu no passado. O Brasil está diante de uma farsa. Ou melhor, estamos diante da farsa da farsa da […], pelo menos se recortarmos o arco histórico desde a Proclamação da República, em 1891.
Getúlio Vargas foi o primeiro, desde o fim do império, a realizar um golpe de Estado, concluso em 10 de novembro de 1937. Numa sociedade brasileira que via, com a mesma ojeriza típica que vemos hoje, o comunismo crescendo na Europa pós primeira-guerra e sendo Getúlio um admirador do Fascismo italiano que eclodia com força, desde 1919 naquele lugar, foi fácil falar em “nacionalismo, anticomunismo, valores nacionais”. Sim, você já viu esse filme, recentemente.
Depois (bem depois), em 2 de dezembro de 1959 (uma quarta-feira), um avião da Panair (vixe… faz tempo…), com políticos a bordo foi sequestrado por brasileiros militares e terroristas que, admiradores cegos do populista Jânio Quadros (o “Vassourinha”), planejavam um golpe de Estado usando armas, explosivos, reféns de renome, aviões furtados da FAB […] para pavimentar o caminho para o grande líder. Em seu manifesto, os terroristas alertavam o povo brasileiro de que “o comunismo estava infiltrado em diversos segmentos da sociedade, incluindo o setor público. Havia corrupção das lideranças políticas, em especial no Executivo, além da omissão do Judiciário e do Legislativo” … Já viu essa ladainha? Pois é…
Jânio, eleito em 1960, renunciaria em 1961, com seu famoso discurso sobre as “forças ocultas”, e não esperava nada menos do que a recondução ao Poder (como confessou ao parente), após a renúncia, nos braços do Povo e dos Militares para encontrar-se com um novo Poder, agora ilimitado. Tanto que renunciou, não sem querer, no Dia do Soldado, 25 de agosto… Deu errado. E deu TÃO errado, que a crise iniciada por Jânio, na renúncia, fundou as bases para o Golpe de 1964.
Aliás, lembra aqueles militares que sequestraram o avião da Panair com os políticos brasileiros dentro? Sim, eles foram anistiados por Juscelino Kubitscheck no mesmo ano do terrorismo perpetrado. E quer saber se eles ajudaram no Golpe de 1964? COM CERTEZA… Hehe… Ah, História… Você ainda me mata (literalmente)…
Tem ouvido falar em anistia para Bolsonaro e sua quadrilha trupe, especialmente da boca de um vampirão que aprontou altas confusões com uma turminha do barulho em 2017 e 2018? Pois é…
Teve, ainda, o nosso eterno caçador de marajás. Ah sim… O bonitão, herói-antissistema. Que confiscou a conta-poupança de toda a gente e fez uma porção de brasileiros cometerem suicídio (sem brincadeira). Sim, o nosso primeiro presidente impedido, que andava demais pela casa da Dinda… “Pois é” outra vez…
Hoje, o Brasil, LAMENTAVELMENTE, não discutirá projetos, nem visões de política, governo ou sociedade. Hoje é sobre Civilização vs. Barbárie. Sim, não há qualquer exagero na afirmação. Viu Zambelli apontando uma quadrada na cara de um opositor político que não pediu perdão “por existir”? Como ele ousa afirmar que ela está errada? Viu o boletim de ocorrência onde ela narrou que “usaram um negro para agredi-la”? Isso é só uma pequena amostra de como se comportam os Camisas Negras tupiniquins de Bolsonaro. “ANAUÊ!” … Já ouviu ou leu essa palhaçada de “anauê” por aí? Pois é³…
Já se disse muito sobre o paradoxo da tolerância de Popper, e não vou esganiçar esse velho tecido que, a bem da verdade, nem foi muito desenvolvido por Karl. Ele propôs, mas não aprofundou.
O que você precisa saber para poder tomar a única decisão certa que restou é que diante da barbárie, suspendem-se pontos de vista mais ou menos alinhados, e preferências por modelos e pensamentos econômicos vão para segundo plano. É exatamente por isso que gente que não tem nada a perder ou a ganhar com Bolsonaro, gente como FHC (um senhor, rico, branco, velho, realizado), Pérsio Arida (economista responsável pelo plano Real e fortemente criticado pelo PT à época), Joaquim Barbosa (ex-Ministro do STF, ferrenho [mas justo] “juiz” da Ação Penal n°470 [o “Mensalão”]) estão todos apoiando o mesmo candidato. Eles e, claro, MUITOS outros… Pessoas como João Amoedo, como Simone Tebet, como Marina Silva… São tantas visões conflitantes no mundo da política, economia, sociedade… E, ainda assim, fechados em torno do nome de Luís Inácio Lula da Silva.
A razão desse apoio deles respeita a sabedoria da Navalha de Occam: Entre duas teorias que explicam igualmente os mesmos fatos, a mais simples tende a ser a correta. E quais são as teorias? Uma teoria é de que essa gente toda, com todo o currículo, vida pública, e história que tem, está do lado do “Ladrão de 9 dedos, comunista, da mamadeira de piroca e banheiro unissex, porque são satanistas, fechados com o islã [acrescente aqui a sua paranoia] e odiosos da família brasileira”. A outra teoria é “porque reconhecem que, com todos os defeitos, Lula é um ser humano e é um político bom, enquanto Bolsonaro não é nem um, nem outro”.
E esse é o ponto central: Eu divirjo de Lula no campo político-democrático. Falei sobre isso, ainda na quinta passada. Mas eu divirjo de Bolsonaro no campo do que é ser um ser humano. Eu divirjo com o “mito” (que apelido apropriado para alguém que mente o tempo todo) no andar de baixo da vida política, divirjo com ele no campo da civilização vs. barbárie. Não há doutrina política, no campo da democracia, que tolere “exterminar os adversários”, rir de gente sufocando na UTI, sentir um clima com menores que acabaram de entrar na puberdade… Eu vou parar por aqui, não porque faltam horrores para seguir, mas porque ele e seus fiéis seguidores têm pouca ou nenhuma vergonha de tais ocorridos.
No fim eu sempre soube, entristecido, de que “prego para convertidos”. Quer dizer, qual a chance de um bolsonarista alucinado ler este blog? Na real, eu atinjo um público tão, tão pequeno, que é difícil justificar racionalmente o porquê eu escrevo. A razão – que não é razão – acaba por ser sentimental. Esperança. Esperança de um cético. Esperança de que, sei lá… Aquele cara ou aquela mina, indecisos, morrendo de medo de Lula, seja por motivos fundados (corrupção, conchavos, ideologias), seja por motivos infundados (comunismo, mamadeira de piroca, banheiro unissex […]), acreditam que Bolsonaro é o mal menor… E podem cair aqui…
Eu estou aqui para garantir a você, como uma pessoa que nunca votou no PT antes de 2018, quando foi preciso ir contra Bolsonaro: Lula ainda é gente. Ainda é um político minimamente alinhado com o pensamento democrático (aquele sistema lá que garante que o seu vizinho mais forte não tenha paz, caso decida tirar sua vida pra ficar com sua propriedade e comer sua mulher, e zas e zas…). Lula ainda opera sob lógicas previsíveis de como um político atuará. Bolsonaro é o cachorro-louco. Comandou o Brasil como o moleque comanda a vendinha de limonada. Pode estar aberta, pode estar fechada, pode passar a vender cataventos com a mesma velocidade que pode sair do mercado. Isso NÃO É BOM para seu país. Essa governança desastrada, errática, imprevisível, personalista… Isso é PÉSSIMO para o Brasil. E eu nem falei do “efeito Bolsonaro” na sociedade. Estou falando só de razões e lógicas para não dar outros quatro anos para que ele termine de quebrar a banca. E ele vai. Prometo a você que ele vai.
No lado humano, existencial, Bolsonaro é o oposto do Cristianismo que a raça humana conheceu no século XX (e XXI). Talvez, no século XII, durante as Cruzadas, Bolsonaro fosse tratado apenas como “um homem de uma fé cristã um pouco aguerrida” … Estupra em nome de Deus, enfia a espada no bucho em nome de Deus, taca fogo na aldeia em nome de Deus… Mas, não chegaria a assombrar seus contemporâneos de idade média. Na releitura de um Deus de amor, que é feita na modernidade, no entanto, Bolsonaro não se encaixa como Cristão. Se ele é Cristão, o Satanismo é a salvação de todos nós (por ser o oposto da religião do grande líder, eu deduzo).
Repito: talvez você esteja fora de órbita tempo o bastante para não saber que sua adida, Carla Zambelli, reeleita para deputada federal por SP (por que, SP? 😢), sacou uma arma na região central de São Paulo, capital, e perseguiu um homem de visão política oposta à dela. Alegou, em boletim de ocorrência, mais tarde, que teriam “usado um negro” para agredi-la. Está vendo? Não é sobre política com essa gente. É sobre humanidade. E é sobre barbárie. E eles querem dar continuidade ao governo onde está tudo bem que pessoas saiam por aí apontando pistolas na cara de quem os irrita ou incomoda.
Ao votar 22, por medo de Lula, você, querendo ou não querendo, diz para eles, com o poder de anistia que seu voto carrega, que o terrorismo deles é bem-vindo na sociedade brasileira. Concordando comigo ou não, ao votar 22, você acredita que para chegar aonde você quer chegar, tudo bem empilhar alguns corpos no caminho, inclusive literalmente. “Se não tem outro jeito”, não é mesmo? Acontece que tem outro jeito. Eu estou afirmando que tem.
O mais triste é constatar, abestalhado, que eu conheço uma grande parte desses votos no 22 que não vêm do esgoto em forma de gente que Carla Zambelli é e ratificou ser, na tarde de hoje. Muitos, como eu disse, só tem medo e paúra do que Lula representa no imaginário de cada um deles. E estão achando que Bolsonaro é o mal menor. Análise equivocada, repito.
Quer dizer: como votar e reeleger “um ladrão condenado por corrupção”? Eu não vou contestar a tibieza desse ponto. Vou jogar com sua premissa. Lula é um ladrão. Ok. Do outro lado, temos um terrorista que (supostamente) planejou explodir batalhões do Exército, por não aceitar o salário. Também, um sádico (sem suposições) que riu de gente morrendo asfixiada. Também, um (suposto) “normalizador” de relações entre velhos de 70 anos e garotas de 14 (olha o tamanho da acrobacia que faço para não o chamar daquilo que ele [não eu] deu a entender que é). Também, um xenófobo que quer mandar em todos os brasileiros, mas tolera – eu não consigo imaginar que Bolsonaro goste de ninguém a não ser dele – só uma pequena parte deles. Ah, e também é o chefe de uma família muito unida e muito ouriçada que só comprou [ao longo do tempo] cinquenta e uma propriedades usando dinheiro vivo, no todo ou em parte… Ainda bem que ele não é corrupto, para além do monstro que é… Preciso continuar?
Vocês estão com medo de votar “no ladrão” e estão em paz de votar no proto-ditador fascista. Fascista, sim… Umberto Eco, pensador italiano contemporâneo, falecido em 2016 [portanto, não: ele não é um comunista contra Bolsonaro – mas seria contra, se vivo estivesse], listou catorze características comuns no fascismo em seu rápido e prático livro “Fascismo Eterno”. Compre aí, leitura curta e rápida. Bolsonaro atende à TODAS elas. Vamos ver se estou mentindo? Algumas dispensam explicação, mas vou dar, assim mesmo:
1 – Culto à tradição (Deus, pátria, família – ANAUÊ!).
2 – Rejeição ao modernismo (é um perigo DANADO que dois homens se casem [pra quem?]).
3 – Culto à ação pela ação (pensar antes de fazer é para os fracos).
5 – Medo das diferenças (“as minorias têm que ser curvar às maiorias! Taóquei?”).
6 – Apelo à frustração social (“eu vim pra mudar tudo isso aí” – mesmo fazendo parte “disso aí” há 26 anos…).
7 – Obsessão por um enredo (“estão querendo acabar com a sua família, táóquei?”).
8 – O inimigo é perigoso, mas, ao mesmo tempo, é fraco e desprezível (não temos medo do lixo do PT, mas se perdermos, foi roubado…).
9 – Pacifismo é o mesmo que abraçar o inimigo (“Vamos fuzilar a ptralhada!”).
10 – Desprezo pelos considerados fracos (“Eu tenho 5 filhos. Foram 4 homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”).
11 – Todos têm que ser criados para serem heróis (e, se você é um herói e o seu líder supremo pede seu sacrifício… Tá esperando o que?)
12 – Machismo e armas. (Preciso explicar?)
13 – Populismo seletivo (um recorte do estrato social representa “o nacional de verdade” [o branco, macho top, que curte sertanejo, evangélico]; o resto é inimigo).
14 – O Fascista não tem vocabulário (uma coisa é se comunicar de forma simples e clara. O que Bolsonaro faz é um culto à pobreza intelectual. Já notou que ele não consegue não falar em relacionamentos ou órgãos genitais ao dar exemplos?).
Olha aí… Um homem italiano, com o currículo de Umberto Eco, morto em 2016, quando nós não sabíamos que éramos felizes no Brasil, escreve sobre o Fascismo que viu em primeira mão na Itália, lista catorze comportamentos dos grupos fascistas… E Bolsonaro “gabarita a prova” (deve ser o primeiro 10 da vida dele).
Então é isso, meu caro leitor e minha cara leitora: Hoje, votamos contra a barbárie. Não tem nada a ver com concordar com Lula, para um enorme número de eleitores a votar 13, hoje. Eu me incluo nessa lista. Se Lula vencer, estou na oposição democrática a ele, já em 1 de janeiro (também num domingo). Mas, hoje é contra a repetição da História brasileira como farsa. Hoje é contra o fascismo que, didaticamente explanado em catorze elementos por Eco, é gabaritado pelo candidato à reeleição presidencial.
Mas, como não poderia deixar de ser, eu tenho uma mensagem que pode ser triste de aceitar, mas precisa ser aceita: É impossível reverter a entropia do Brasil. Não há jeito de nossa sociedade voltar a ser o que era. Não há jeito de não sabermos mais que há, no meio de nós, muitos que riem e se comprazem na ideologia fascista de um homem que acredita que há fracos e inimigos dentro do povo que ele quis governar. E a esses fracos e inimigos ele reserva atitudes como as de Carla Zambelli ou Bob Jeff (que ganhou esse ar de nome gringo como apelido da tropa porque… Porque o fascismo brazuca é assim: se tiver que prestar continência para a bandeira americana, sendo presidente do Brasil, que mal tem? Eles são o exemplo de força, tá tudo certo…).
Não, não há como reverter a entropia. Nunca mais seremos os mesmos. A nação nunca mais será a mesma. Se o pesadelo acabar e Bolsonaro perder, serão mais dois meses até a passagem da faixa. Dois meses de guerra intensa do sequestrador do avião que chamamos de Brasil, e que vai forçar tudo que pode para conseguir anistia para si, seus comparsas e sua família. Fora os alucinados reconduzidos ao Poder por mais quatro ou oito anos, graças a um povo que se choca, mas não reage, como disse o Vassourinha.
Em nome do Paradoxo de Popper, espero que o governo brasileiro seja como os EUA – olha que paradoxo – e cace os terroristas que sequestraram o nosso avião, até o fim (deles). Porque se o Brasil for o mesmo Brasil que sempre teima em perdoar (para ajudar o presidente atual: como a mulher espancada e traída, que sempre acha que o marido vagabundo e violento vai melhorar), que sempre teima em se chocar sem reagir, nós vamos – sem sombra de dúvidas – repetir a história, de novo, como farsa; senão já, daqui a quatro anos.
Muitas foram as fontes que me inspiraram a escrever este artigo. Deixo duas das mais importantes:
AVISO: Este é um artigo de opinião. Portanto, não há extensa pesquisa ou fontes a serem citadas, como eu geralmente faço. Tudo o que digo a seguir é minha, e só minha, opinião e nada além.
E a vida já não é mais vida
No caos ninguém é cidadão
As promessas foram esquecidas
Não há Estado, não há mais nação
– Hebert Vianna
Hoje, 7 de setembro de 2022, os brasileiros deveriam comemorar os 200 anos do “7 de Setembro”; a data histórica que marca a independência da então colônia para com a Coroa Portuguesa, colônia que viria a se tornar a nação brasileira.
“Deveriam”, sim, porque os brasileiros não puderam comemorar a data. O presidente atual lhes negou o direito. Pelo menos, negou para os ~68% que não estão apoiando a reeleição dele (a porcentagem obviamente reflete apenas o universo de eleitores habilitados, mas, projetemos que ~100 milhões podem representar a opinião 210 milhões [e, de fato, representarão, já que eles decidirão o que está por vir na política, para todos que moram aqui]).
Bolsonaro, como fez e faz a todo momento, sequestrou uma data nacional instituída há 200 anos. Já havia sequestrado a bandeira nacional, a camisa da seleção brasileira de futebol (que não mais pode ser a “canarinho”, se quiser ser de todos nós), bem como sequestrou as Forças Armadas, instituição que deveria ser do Estado democrático de direito brasileiro, e não do Jair. Agora, sequestra um feriado nacional, uma data histórica da maior importância (já viu filmes estado-unidenses sobre o 4 de julho? Imagina se alguém sequestrasse a data em prol apenas de uma parcela da população daquele país), e o direito dos brasileiros de reconhecer o valor cívico e histórico da Soberania nacional.
O que Bolsonaro (e seu comitê de campanha) fez hoje, claro, são apenas novos episódios de possíveis crimes (no plural) para a longa lista de suspeitas que recaem sobre o candidato à reeleição. Se não há tipificação para “sequestro de data nacional”, há tipificação para o abuso de poder econômico e desvio das funções (ou uso indevido) da máquina pública. Tipificações presentes tanto na Lei das Eleições (Lei 9.504/97) em seu art. 73 e incisos, combinado com o art. 74 do mesmo diploma, quanto na Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990) em seu art. 22 e incisos.
Bolsonaro não foi Presidente do Brasil, nem Chefe de Estado, no 7 de Setembro. Foi, isso sim, candidato em comícios em Brasília e Rio de Janeiro (em São Paulo ele não participou dos atos, e o ato na Paulista não tinha o envolvimento direto de militares, até onde me consta). Comícios bancados pelo Estado brasileiro, pelo erário, pelo imposto de todos nós. Ainda usou as Forças Armadas para realizar o mais caro comício que se tem notícia (tem ideia de quanto custa ativar a Esquadrilha da Fumaça em prol de um candidato? E mobilizar navios de guerra? E lançar paraquedistas? E montar palanques? E patrulhar milhares de pessoas com forças policiais e de inteligência?).
No palanque do Distrito Federal, recebendo o Chefe de Estado de Portugal, nação (hoje) amiga e historicamente relevante para nós, o escanteou enquanto ficava lado a lado com Luciano Hang, o autointitulado “véio da Havan”, recentemente mais conhecido pelo grupo de WhatsApp “Poderosos pelo fim da Democracia” (não… Esse não era o nome do grupo. Sou eu lhe fazendo o favor da tecla SAP).
No mesmo palanque, Bolsonaro lembrou seus sectários de que é preciso convencer os outros (que não querem votar nele) de que ele é o futuro mais brilhante para o Brasil. Para dar mostras das vantagens que tem a oferecer, sugeriu comparar quem tinha a melhor primeira-dama, rebaixando Michelle a item de exposição para seus eleitores-avalistas. Ele, que trata tão bem as mulheres, beijou Michelle de forma inesperada e – urgh – de língua, por vários segundos, em cerimônia solene… Depois, usando o microfone, puxou o corinho: “imbrochável! Imbrochável!” (sic). O Presidente Marcelo Rebelo assistia a tudo, calado… o véio da Havan ria… A primeira-dama fazia a habitual cara de “eu não estou aqui” enquanto sorria protocolarmente… Naquela manhã, câmeras captaram desentendimento próximo ao carro oficial, entre aquele projeto de ditador e a mulher que ele trata como mercadoria em exposição.
De tudo que foi dito, NADA remeteu ao 7 de Setembro. Nenhuma frase sobre a História, sobre os valores de um Estado livre e autodeterminado. Não houve sequer uma menção às tropas que desfilavam (talvez porque ele acredite que isso possa protegê-lo das denúncias de crimes eleitorais? Se foi só por isso, perdeu a chance de bajular parte relevante de sua base política e de força, já que afastar a incidência dos crimes mencionados não é possível diante do bom-senso e de honestidade mínimos. Só um(a) degenerado(a) poderá achar lisura e justificativa nos atos de hoje.
No Rio de Janeiro, os discursos e a confusão entre Chefe de Estado e candidato seguiram iguais ao Distrito Federal. Mais militares bancando o comício com shows, estruturas, segurança, armas, e tudo custeado pelo Estado brasileiro (nós).
Os outros candidatos à Presidência demoraram a reagir. Ciro Gomes, do PDT, foi um dos primeiros a denunciar a possibilidade de crimes de Bolsonaro, em vídeo transmitido pela sua “Ciro TV”. Lula emitiu nota de repúdio em redes sociais, mas sem imagens. Simone Tebet, idem.
O que ocorreria em um país sério seria a inelegibilidade de Bolsonaro para o pleito de 2022, diante das diversas agressões, televisionadas ao vivo, às leis que antecedem (em algumas décadas) os atos de hoje.
Não há legalidade, não há relativização, não há forma de que as leis brasileiras sobrevivam e a candidatura de Jair, também.
Uma delas sairá destroçada pela outra. Conhecendo o Brasil de Bolsonaro, alvo – atualmente – de 147 pedidos de impeachment, não tenho muitas dúvidas – com imenso pesar – de qual será o lado perdedor. Porque o Estado brasileiro está cooptado pelo bolsonarismo. Ele invadiu os Poderes, seja em Pacheco que não se impõe, seja em Lira que o blinda e o protege do alcance da legislação. O Judiciário, em sua esfera máxima, o STF, ainda resiste, muito embora a infiltração já tenha começado por lá também, na figura do Ministro Kássio Nunes Marques que, abertamente, atua no sentido de garantir a proteção das metas do presidente no Judiciário.
Por tudo isso, não creio que haja espaço para que a lei seja cumprida. Bolsonaro não pagará por seus crimes, pelo menos, não antes de sua derrota nas urnas. E não obstante eu entenda claramente que é melhor que sua punição ocorra após a derrota nas eleições de outubro (para que não se crie um falso mártir), a dolorosa verdade é que Bolsonaro criou sua Escola nesses 4 anos. Se o presidente da República, com todos os holofotes que o seguem, pode sapatear na Lei brasileira, o que fará o prefeito da cidadezinha que ninguém sequer conhece? O que farão os deputados dos rincões do Brasil? É o problema do guarda da esquina, outra vez. O dano já está aqui. Com ou sem Bolsonaro. Revertê-lo será muito difícil e levará muito tempo, ainda que tudo dê certo.
O voto útil
DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
– Mario Quintana
É forte, como nunca, a discussão na Esquerda brasileira sobre a defesa e a “evangelização” do voto útil em prol de Lula.
Para resumir, caso você desconheça, “voto útil” é o conceito prático de que diante de uma ameaça tão grande à democracia, como Bolsonaro, os brasileiros sensatos não podem se dar ao luxo de não construir uma resposta firme e terminativa ao reinado tresloucado do falso Messias, já no primeiro turno, em 2 de outubro.
Ou seja: diante do que se tem em todas as pesquisas de intenções de voto para o cargo de Presidente da República, fica cada vez mais cristalina a impressão de que um segundo turno será, mesmo, entre Lula e Bolsonaro. E se Bolsonaro é o mal maior, o que os eleitores não-bolsonaristas têm de fazer nesse momento é adiantar o voto que será feito no segundo turno, já para o primeiro. Se isso ocorrer, Lula vence em primeiro turno, e a soberania popular se fará ouvir alto e claro, logo na primeira oportunidade.
À luz da razão, realmente é difícil contra-argumentar: se nós sabemos o que vai acontecer (Lula vs. Bolsonaro no segundo turno), porquê nós – que não votaremos em Bolsonaro nem que a opção a ele seja o próprio Satan em toda sua malignidade – deixaremos que Jair ganhe sobrevida ao combate de 2 de outubro? Certamente este é um forte argumento. Mas, eu ouso dizer que é cedo para decidir isso.
Eu já sofro com a realidade à frente. Se tudo der certo e Bolsonaro cair, tudo indica que 2023 começa com Lula presidente. E, sendo isso verdade, o dia seguinte à vitória de Lula me colocará na oposição a ele. Não concordo, em nada, com as visões de política em Lula. Concordo, sim, com Ciro no sentido de que o populismo de Lula gerou algumas Escolas por onde o populismo de Bolsonaro aprendeu e cresceu. Não vou tão longe quanto meu candidato preferido, em dizer que Lula e Bolsonaro se equivalem. Esse é um erro interpretativo grave de Ciro, a meu ver.
Não, Lula, com todos seus defeitos e biografia política criticável, ainda acredita na democracia brasileira. Foi ele que iniciou a observação à lista tríplice para indicação de um(a) PGR, fortalecendo e muito a função dessa instituição. Ele aumentou muito a autonomia da Polícia Federal. Idem para o MPF. Não há exagero em dizer que o governo Lula é diretamente responsável pelas condições para que a Lava-Jato acontecesse, em primeiro lugar. Não necessariamente sabendo como tudo acabaria, mas ele e seu governo certamente poderiam ter interferido para solapar as investigações. Mas não o fizeram.
Bolsonaro é oposto de tudo isso. Usou, sempre que pôde, de seu cargo e de seu poder para interferir e paralisar investigações contra seus parentes, seus aliados e contra si. Sabotou, tanto quanto possível, os mecanismos “de polícia” do Estado brasileiro (COAF, IBAMA, FUNAI, PF, ABIN, PGR… a lista poderia ser maior se eu quisesse). Bolsonaro é o presidente que riu de quem morria sufocado pela COVID, sem leito em hospital. Bolsonaro é dono do “e daí? Não sou coveiro” e da volta de JetSki usurpado da Marinha de Guerra do Brasil, enquanto o povo morria nas enchentes. É amigo e defensor do ministro do MEC que foi negociar favores com outros amigos do presidente e pastores evangélicos. Bolsonaro é pai daqueles que compram mansões de R$ 6 milhões, com salário de algumas poucas dezenas de milhares de reais. Bolsonaro é o patriarca de uma família que comprou mais de 5 dezenas de imóveis em dinheiro vivo (no todo ou em parte). Isso é um pequeno abstract do que é Bolsonaro que, em revista, é extensamente mais perverso e mais canalha do que tal resumo. Mas para que me estender? Sei que, lamentavelmente, falo para convertidos.
Bolsonaro não é fã dos presidentes militares. Ele é fã do torturador, Ustra. Ele acha que o regime militar matou foi é pouco. Ele não é exatamente fã da disciplina e respeito às leis, teses aventadas por quem proclama a superioridade daqueles tempos. Ele só é fã da perversidade dos porões da ditadura. Até porque, se gostasse de lei e ordem, não teria sido expulso do Exército por planejar um atentado terrorista contra a instituição, como “forma de barganhar salário”. Ocorre que a punição para oficial militar é a mesma punição para magistrados: promoção e aposentadoria. Brasil, 200 anos de independência.
Não, Lula não é *meu* candidato à Presidência. Como eu disse, sendo ele eleito em outubro, no dia seguinte, eu estarei na oposição a ele. Porque, para mim, ele não tem o projeto político a altura do Brasil. Não importa o que ele fez pelos pobres (e seu governo fez MUITO), em 8 anos. A bússola política que o norteia não levará pelo caminho que eu entendo ser o melhor para meu povo. É possível cuidar das mazelas sociais e buscar outros caminhos mais longevos para o Brasil em outros candidatos e propostas. É o que creio, sincera e honestamente.
Mas, nada disso importará se a democracia acabar. E eu vejo os “céticos”, quanto a um golpe de Jair, sustentando raciocínios como “ah, até parece que o Jair vai acabar com a democracia”. Não é preciso acabar com ela, nos moldes de 1964. Aquilo é escandaloso demais para nossos tempos. Os safados que o apoiam ainda querem viajar para Miami e um golpe tradicional seria um belo dum impeditivo. É mais fácil emular uma democracia, como Polônia ou Hungria vêm fazendo. É possível ter a “casca” da democracia sem que ela exista, de fato. E este, senhoras e senhores, é o projeto de Jair Messias Bolsonaro. Não tenho qualquer dúvida quanto a isso.
Entristece-me imaginar que terei que ajudar a reeleger Lula. Os ~100 milhões de eleitores do Brasil não me deixarão outra opção, ao que tudo indica. Se fosse verdadeira a declaração “nem Bolsonaro, nem Lula”, é claro que Ciro, Tebet, D’Avila, Soraya[…] ou qualquer outro, estariam bem colocados nas pesquisas. Não estão. Quer dizer que os que dizem isso provavelmente seguirão votando no Mito. Só não têm a coragem de defender a posição indefensável para gente verdadeiramente de bem e que não se compraz com a morte e o sofrimento alheio.
Contra o voto útil, ressoa forte a mensagem de que o seu candidato ideal só não vai para o segundo turno porque todos os que acreditam nas ideias dele estão pensando como você. Eleições, afinal, não podem ser como uma corrida de cavalos: nunca deveríamos ir às urnas para tentar adivinhar e votar “em quem vai ganhar”. O voto de primeiro turno deveria, sempre, ser movido pela afinidade entre eleitor(a) e candidato(a). Em eventual segundo turno, sim: vale praticar o pragmatismo de escolher aquele(a) que menos lhe desagrada, caso seu(a) candidato(a) de primeiro turno não esteja por lá.
Mas, é impossível dizer que 2022 é só mais um ano eleitoral no Brasil. Não é. A democracia está, de verdade, em risco. Como eu afirmei, é possível criar uma mentira com cara de democracia e destruir a verdadeira por completo, e não tenho qualquer dúvida de que Bolsonaro a destruirá se a chance lhe for dada.
Eu, pessoalmente, não considero equivocada a pregação em prol do voto útil, ainda mais diante da ameaça de que Bolsonaro representa e da falta de respostas da Justiça aos seus ataques permanentes e seguidos. Uma derrota na urna, em primeiro turno, seria uma dolorosa punição – ainda muito aquém da punição que ele e seus aliados fazem jus.
Igualmente, considero totalmente justificada a ideia de defender projetos e candidatos no primeiro turno, porque o preço de não fazê-lo é muito alto: 4 anos em nossas vidas não são pouco tempo. Se seu(a) candidato(a) é muito melhor do que as opções, ninguém pode – justificadamente – reclamar de sua opção por apoiá-lo(a) no primeiro turno de 2022, mesmo que isso prolongue a agonia brasileira de ver Bolsonaro em campanha e no vale-tudo por mais 4 semanas. A agonia, afinal, foi contratada pelo nosso povo, em 2018. De algum modo, o gosto amargo é merecido. O triste é que nós, que não votamos nessa aberração, também estamos mascando o fel.
O voto é secreto, por força de mandamento constitucional. Todos têm o direito de divulgar, pré ou pós eleição, em quem votarão/am. Mas ninguém tem a obrigação de informar em quem vai votar ou em quem votou. E isso é fundamental para a liberdade de escolha dos nossos representantes nos ramos dos poderes Executivo e Legislativo. Municipal, estadual e federal. Voto útil, ou não, só você precisa saber da sua decisão.
Se você pretende votar no menos pior, logo no primeiro turno, ou firmar sua filiação a aquele(a) que você considera o melhor para o futuro do seu país, ninguém tem o direito de lhe dizer que você não está exercendo a consciência política e cidadã.
A ameaça de um segundo mandato bolsonarista não pode ser arma apontada contra a cabeça de ninguém. A ameaça de um segundo mandato bolsonarista não pode ser ignorada, igualmente.
Cabe a você, cidadão/ã (portanto, eleitor(a)), escolher qual o custo de lutar pelo futuro do Brasil: amargar 4 anos com a responsabilidade de ter escolhido o menos pior, de cara, ou o sofrimento do calvário prolongado de um segundo turno com, provavelmente, o mesmo resultado.
Seja como for, o pesadelo não acaba ao fim de outubro. Pelo contrário: se absolutamente tudo der certo e a Bolsonaro for negado o acesso a mais 4 anos para a destruição do Estado brasileiro, ele ainda terá 3 meses como presidente para despejar sua raiva e ódio contra tudo e contra todos. Os abusos ficarão ainda piores, não porque seu segundo mandato não viesse a ser um evento terrível. Mas, porque ele vai concentrar seus atos em 3 meses e tentará de tudo para sobreviver ileso aos 4 anos de crimes cometidos. A chance de um golpe de Estado certamente crescerá.
Não tenho criatividade para imaginar o que ele fará ao saber que perdeu a Presidência do Brasil. Mas, ele me ensinou que o ataque às instituições é seu modusoperandi. E me ensinou que ele não tem qualquer pudor em transgredir as leis que ele jurou cumprir, não importa o tamanho (do risco) da punição.
Duzentos anos de independência e o povo brasileiro segue dependente e carente de salvadores. Melhor seria se valorizássemos instituições, políticas de Estado, e mecanismos que não dependem de partidos ou candidatos, ou ainda, do capricho dos tempos.
Não sendo possível pensar nisso tudo, diante do caos instalado, é dever, e pesará sobre o pescoço de cada um, a escolha entre os caminhos atualmente disponíveis para nossa jovem e frágil democracia sobreviver.
Não está fácil… Faculdade chegando ao fim, projeto do Trabalho de Conclusão (TC) em andamento, várias bibliografias para consultar, preocupações e ocupações com as matérias que, neste semestre, são em sete (isso mesmo: sete) …
E, por incrível que pareça, ainda trabalho pra viver. Significa que “tempo” é o commodity mais caro e mais escasso na minha vida. Já era, antes. Está pior, agora.
Todavia… Todavia… Há certos temas que não podem passar sem um comentário e este, então, não pode ficar sem comentário por tripla obrigação:
Primeiro, porque Direito Constitucional e Eleitoral são temas caros a mim, ao motivo de eu ter feito faculdade em primeiro lugar, e totalmente correlatos ao meu tema de TC.
Segundo, porque “urna eletrônica” tem forte ligação com minha formação superior original (qual seja: informática).
Terceiro, porque estão forçando a amizade para demonizar e minar essa ferramenta, de modo a desacreditar todo o processo eleitoral e (por consequência) democrático, num golpismo típico e do jeito que o atual presidente gosta. Os ataques não são gratuitos, tampouco espontâneos. Visam pôr dúvida se o resultado de 2022 será legitimo para que o aloprado fascista possa causar pânico e caos ao fim de outubro do ano que vem.
Permitir que absurdos e descalabros sigam sendo manifestados, porcamente, seja por ignorância ou má intenção de quem fala é incorrer no “Silêncio dos bons” do Doutor Martin Luther King…
Portanto, mesmo sem tempo (mais do que sempre), por uma questão moral, cidadã, de consciência… Aqui estou (mais um dia, sobre o olhar[…]) …
Espero que este texto esclareça algo pra você. Mesmo que seja do tipo “ainda não confio, mas, agora, pelas razões técnicas e certas”.
As benditas urnas
As urnas eletrônicas debutaram no Brasil em 1996 (eleições municipais). Tornaram-se o meio oficial de votação para todo o território em 2000 e, desde então, são o meio mais frequente de registro do voto, embora ainda haja a urna de papel quando uma urna eletrônica falha e não há correção viável. As definições sobre como a urna eletrônica será utilizada podem, em parte, ser encontradas na Lei 9.504/1997 (Lei das eleições), especialmente, do artigo 59 em diante.
Por mais que algumas pessoas ainda considerem “apressado” utilizarmos um sistema de contabilização de votos diferente daquele baseado em papel (seja porque o país tal não usa, seja porque o Brasil não é seguro para aplicar tal tecnologia e daí por diante), o Código Eleitoral (Lei 4.737 de 1965) já previa, em seu artigo 152, o uso de “máquinas de votar”. Obviamente, é razoável supor que se pensava em máquinas de perfuração de cartões, preenchimento da cédula automatizado e por aí vai, e não exatamente em um computador eletrônico destinado a isso – até porque não era uma realidade. Mas, o que me faz comentar isso é que nossa sociedade não pareceu particularmente incomodada com a ideia de máquinas mecânicas preenchendo a cédula. Ao que parece, o problema maior é o fato de não “vermos a cédula” no modelo atual… Mas, vamos devagar…
Sendo mais técnico (eu sei que você contava com isso), “urna eletrônica” é um termo popularizado, mas impreciso.
No mundo “urnesco”, a maquininha utilizada no Brasil é chamada de “máquina de votos DRE” (Ou “CVE” – coletor de votos eletrônico – em português). DRE significando “Direct Recording Eletronic”. Ou seja, o nome técnico da urna eletrônica é “máquina de voto com gravação eletrônica direta” (em tradução livre).
As “máquinas DRE puras”, dentro dos sistemas eletrônicos de voto (porque há máquinas de votação mecânicas, por exemplo), são classificadas como máquinas de votação de primeira geração.
Depois, há máquinas que usam o VVPAT (“Voter Verifiable Paper Audit Trail”) ou “Papel verificável do eleitor com trilha auditável” (em tradução livre). Essas são classificadas como máquinas de segunda geração. Outra sigla que pode surgir é a IVVR (que significa “independent voter-verifiable record”, ou “registro independente verificável pelo eleitor” [tradução livre]).
Quando falamos nessa segunda geração, na prática, ou a máquina VVPAT computa o voto eletronicamente (igualzinho ao nosso sistema atual), mas antes de computar, imprime as escolhas do voto por um sistema independente do principal para que o eleitor possa confirmar o que a urna eletrônica irá computar (o eleitor não toca na cédula, só vê) e então, o eleitor confirma o voto, o sistema deposita em uma urna tradicional (que servirá como forma adicional de auditoria) e o eleitor vai ser feliz. No segundo modelo, o IVVR – o eleitor registra seu voto na urna eletrônica, esta computa (na hora) e já imprime uma via física (sem prévia conferência) para depósito em urna tradicional, e que será usada em auditoria aos resultados encontrados no sistema eletrônico IVVR. A diferença entre VVPAT e IVVR, então, reside em se o sistema imprime, confirma e computa, ou computa e imprime (não é tão simples assim, se você ler as referências, mas vamos em frente porque a ideia é ser claro e não complicar o que já é turvo para muita gente).
Há outra penca de tecnologias (scanners ópticos [como os da Mega Sena], joysticks para a seleção do candidato e a confirmação da foto [como num videogame], perfuração de cartão, cédula eletrônica [você “escreve” nela, como numa tela de tablet], e híbridos de tudo isso), variando de sistemas totalmente mecânicos a protocolos online (transmissão em tempo real). Não poderia passar por todos eles. Mas DRE, com e sem IVVR ou VVPAT são os típicos sistemas na discussão mundial.
Talvez, a primeira bobagem a se combater e que os celulares (smartphones), carros e outras tecnologias devem ter incutido em nós é automaticamente significar que “de primeira geração” é necessariamente pior que “de segunda” ou “terceira geração”.
Deixe-me compartilhar um exemplo de como isso não é sempre uma verdade incontestável: Os roteadores Wi-Fi banda AC (frequência de 5GHz – até 1.2Gbps de velocidade) têm performance superior aos modelos N (2.4GHz – 150~450Mbps) e são mais novos, mais caros e mais complexos. Ocorre, porém, que em estruturas prediais com muito concreto, muitos vidros com blindagem para raios UV etc., roteadores AC não alcançam o que roteadores N alcançam em termos de cobertura e estabilidade. Agora, você pode ficar tentado a dizer “eu sempre prefiro velocidade ao alcance”, mas, para consumir sua internet fibra de 50Mbps, você prefere uma sólida conexão N de, no mínimo, 150Mbps, ou uma conexão capenga de 1.2Gbps que falha o tempo todo? Eu sei a resposta que me agrada mais.
É claro que antibióticos de 5ª geração são mais eficientes e causam menos colaterais que antibióticos de 1ª geração. Também é claro que processadores de 7ª geração fazem mais e são mais rápidos do que aqueles de 3ª geração. Não quero maquilar a realidade. O que quero é que você, como “arquiteto(a) de sistemas” entenda o sentido de “adequação da tecnologia ao propósito”. No mundo da tecnologia, as coisas sempre podem ser mais caras e mais complexas. Sempre. Cabe ao sujeito (ou sujeita – hehehe…) informado(a) escolher aquilo que, dentro de seu orçamento e requisito, melhor atende ao propósito de aplicação a que se destina.
Falamos disso, aqui… Se perguntarem ao cidadão com medo da violência sobre o que ele quer, ele dirá que quer um tanque de guerra na rua da casa dele, 24h por dia. A pergunta que pessoas racionais devem fazer é “vale o investimento?”. Por que pagar R$15.000,00 (quinze mil reais) em um notebook gamer, de presente, se sua mãe só quer mesmo acessar o Facebook (e ler fake news)?
Enfim, não quero me estender demais. O que quero deixar claro é: máquinas de votação (as populares urnas eletrônicas) DRE são uma realidade antiga (portanto, razoavelmente consolidada), com uso inicial na Índia, em 1990, e na Holanda, em 1991, chegando ao Brasil em 1996, e sendo o padrão a partir dos anos 2000 por aqui. Há outras tecnologias, mais complexas, mais caras, mais isso e mais aquilo. Resta saber se precisamos disso e qual é o objetivo. Não vale dizer “porque é mais seguro”. É preciso apontar onde está a insegurança no caso concreto, sem recorrer a hipóteses sem fundamento, mas com provas reais, hoje.
Como fontes desta seção, eu poderia lhe apontar o (bem-intencionado, mas cheio de links quebrados [me ajuda aí, TSE!]) site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre as nossas urnas, ou o artigo em português da Wikipedia, mas eu sei que se você é um(a) paranoico(a), você só vai confiar em fontes externas ao Brasil. De preferência, em inglês, não é mesmo? Claro… Então, aqui (Verified Voting – Equipment database) está uma fonte de consulta para tudo o que eu disse nesta seção, feita toda em inglês para você levar a sério. Se uma fonte em inglês não basta, tome este glossário (Carnegie Mellon University), também em inglês. Boa leitura.
Portanto, nossas máquinas de votação DRE (as “urnas eletrônicas” ou “CVE”) não são uma realidade inventada pelos maliciosos brasileiros, sempre cheios de artimanhas e ardis, sendo tais máquinas odiadas e inaceitáveis no resto do mundo civilizado. O que nos leva à próxima seção.
Só o Brasil usa urnas eletrônicas. Se os Estados Unidos não usam é porque não é seguro…
Quando as pessoas decidem falar bobagens, raramente elas conseguem parar na primeira… É uma compulsão. Você tem que falar algo completamente desprovido de sustentação e, aí, num ímpeto de não controlar a própria língua, é preciso – por razões que jamais compreenderei – que você dobre a aposta. É assim com 99.9% dos “especialistas” comentando na Internet. Não é diferente com os detratores da urna eletrônica.
Não há bobagem MAIOR do que dizer que só o Brasil “caiu na mentira de urnas eletrônicas”. Por aí, andam dizendo que só o Brasil, Cuba e Venezuela confiam no sistema. Mais bobagem. Mais cota no “tempo de palanque para lunático” consumida.
Atualmente, pelo menos 40 (quarenta) países utilizam algum tipo de tecnologia eletrônica em votações para cargos eletivos (às vezes nacionais, às vezes regionais).
“Mas e o DRE?! Quem usa?”… Bem, 17 (dezessete) países utilizam sistemas eletrônicos de votação, com ou sem IVVR/VVPAT (com ou sem leitura óptica). Entram na lista: Canadá, Japão, França e Suíça…. Sim… Que coisa né… Devem ser países de democracia muito frágil, dado o uso dessa tecnologia…
A outra parte dessa questão é “se as máquinas produzidas no Brasil são tão seguras, por que ninguém compra de nós?”. Aqui, o problema é diverso em possibilidades. Via de regra, qualquer país capaz de produzir tecnologia preferirá produzir “em casa” um sistema que decide quem será o presidente do país por 4 ou 5 anos, do que comprar esse sistema de outra nação. Esse conceito se chama “não fique na mão de outra nação”. As possibilidades vão além: Pode ser que com a carga de tributos, as máquinas brasileiras sejam muito caras, pode ser que não tenhamos sido muito bons em vender nosso produto lá fora (tivemos dificuldade de emplacar a máquina no Mercosul, em um punhado de oportunidades), e pode ser que a população de lá seja tão teimosa quanto a daqui; ao ler que os brasileiros não confiam na máquina DRE feita no Brasil, por que eles confiariam?
Aí, vem a bobagem suprema: “Os EUA não usam! Logo, é inseguro!”. Amiguinho(a)… Os EUA podem ter muitos motivos pra se orgulhar na recente história da tecnologia e da democracia. Mas se tem uma coisa que os EUA precisam colocar o rabo entre as pernas e voltar pra casinha fazendo “caim! caim!”, essa coisa se chama “sistema eleitoral estado-unidense”. É uma vergonha, do início ao fim. Para uma democracia sólida e madura, fonte de inspiração para o mundo, poucos países democráticos apresentam os graves defeitos do modelo estado-unidense que, de largada, não é federal, mas estadual (e eles têm 50 legislações eleitorais, cada uma com suas extravagâncias [Porto Rico não vota para o Congresso Nacional, nem para presidente dos EUA]). Aliás, a recente luta de Republicanos, nos EUA, é para que menos eleitores votem (uma eleição que já ocorre em dias úteis, em vez de um feriado nacional, o que maximizaria a participação popular); país onde certos grupos têm mais dificuldade de se habilitar como eleitores do que outros.
Então, da próxima vez que alguém te disser “os EUA não usam urna eletrônica”, manda a pessoa ir carpir um lote. Podem ser exemplo para outros pontos, mas em matéria de legislação eleitoral e eleição democrática (o que, nesse contexto, significa “direito de todo mundo votar”), o tio Sam deve sentar de face com a parede e vestir o chapéu de burro (SE… supormos que isso não é mal-feito de propósito, claro…).
E de onde vem essa informação sobre os países que usam sistemas eletrônicos? Vem do IDEA – (International) Institute for democracy and electoral assistance. Um observador oficial da ONU. Instituição de baixa reputação, sabe? Só que não.
E sobre os EUA e seu terrível sistema eleitoral, qual a fonte? Aqui, aqui e aqui. Só para aguçar seus sentidos vou deixar a primeira manchete estática: “American elections ranked worst among Western democracies. Here’s why.”. Em bom português: “Eleições estado-unidenses ranqueadas como as piores entre as democracias do ocidente”. E, não obstante o meu horror a quem confia cegamente em manchetes, acho que essa é segura (nunca pare em manchetes. Leia as fontes. Não confie em jornalistas, nem em mim, nem no YouTube ou Google. Leia e procure o mesmo assunto em outros locais, com reputação verificável). O sistema norte-americano de eleições é o pior do mundo democrático ocidental. Quem entende alguma coisa de “democracia & voto” não cai nessa conversa sobre a eterna superioridade do tio Sam em qualquer tema.
Portanto, não: de todas as jabuticabas que o Brasil já criou, a urna eletrônica não é uma delas, tampouco restrita a países antidemocráticos como Cuba e/ou Venezuela. Não se vende urnas made in Brazil por várias razões; compartilhei algumas hipóteses. E quando alguém argumentar que “os EUA não usam”, manda pastar, por mim.
You Always fear what you don’t understand…
Se você não fala inglês, o título não poderia ser mais adequado.
Ele foi tirado do magnifico filme “Batman Begins”, de 2005, dirigido pelo grande Cristopher Nolan, com Christian Bale como o Cavaleiro das Trevas e Tom Wilkison como Carmine Falcone, um chefe da máfia que assola Gotham City. A frase, em inglês, é dita pelo último.
Em português, ela fica mais ou menos assim: “Você sempre teme o que você não entende”.
Falcone tem total razão. O principal motivo pelo qual as pessoas deste país, em boa medida, desconfiam da urna eletrônica é porque elas não entendem patavina sobre Tecnologia da Informação. E você sempre teme o que você não entende. Essa é a história da raça humana, infelizmente. “Infelizmente”, porque pessoas assustadas podem apenas chorar. Mas, elas também podem cometer loucuras em função do medo que as domina. Grandes atrocidades foram cometidas em nossa breve História, basicamente, em função do medo do desconhecido.
E, por que as pessoas temem a urna eletrônica? Porque elas não entendem como aquilo funciona. Estão (na larga maioria dos argumentos) equivocadas em cada afirmação que visa atacar o equipamento e o sistema de um modo geral.
Por exemplo:
A afirmação de que um hacker, na Rússia, pode invadir a urna (ela não fica ligada à internet);
De que um eleitor pode votar em duas sessões (o código do eleitor é gravado no cartão eletrônico da urna que ficará na seção do eleitor, e em mais nenhum outro cartão. Não há como ele votar em mais de uma seção ou colégio eleitoral);
De que as urnas já saem do TSE/TRE com os votos preenchidos (ilógico, já que ao começar a votação a zerésima é gerada e distribuída aos fiscais dos partidos políticos, e outro relatório [o BU] é emitido ao final… Se o número de pessoas que frequentou a seção for adicionado “ao número que vem de fábrica”, a conta será maior do que o número de assinaturas nos livros de controle).
E por aí vai.
Mas, vamos ainda mais devagar: se você quer mesmo entender, em detalhes, como o sistema de urna eletrônica no Brasil funciona, recomendo a leitura do relatório que a Unicamp (Universidade estadual de Campinas) produziu, lá em 2002, com cinquenta e uma páginas ao todo. Nele, especialistas em ciências da computação e áreas correlatas (engenharia elétrica e eletrônica) se juntaram e se debruçaram, não só sobre o hardware (parte física) da urna, mas sobre seu software (o programa que ela executa), seu firmware (um “pré-programa” que não está lá para fazer a função principal, mas intermedia a conversa do software com o hardware), as instruções passadas para o mesário, as normativas emitidas pelo TSE para organizar a seção eleitoral, o sistema de transmissão e contabilização dos votos em cada seção(…), tudo… São nada menos do que trinta e sete itens vistoriados pelo corpo de análise montado pela Unicamp (e vale dizer: não há universidade brasileira mais respeitada em Ciências da Computação do que esta. Cinco dos mais respeitados cientistas da área, no Brasil, dão aula no IC/Unicamp). Vale destacar que o foco do trabalho não era de auditoria, mas, de avaliação e sugestão de melhorias (sugestões que foram, em parte, incorporadas aos modelos subsequentes) para o sistema de eleição eletrônico.
AVISO: Daqui em diante, eu vou tentar explicar a arquitetura do SIE (que é o Sistema Informatizado de Eleições, no Brasil) … É EVIDENTE que algumas simplificações serão feitas. Eu quero que o texto fique num tamanho aceitável (lembrando que esse blog já é conhecido pelos textos ultralongos); também quero que pessoas alheias à área da computação consigam sobreviver ao texto e chegar ao fim dele com algum entendimento do que foi dito.
Se você quer discutir detalhes, minúcias, aspectos muito técnicos, manda um comentário, chama no privado, ou simplesmente leia a p%@^! do documento da Unicamp, integralmente. Obrigado. 😊
Entendendo o SIE (Sistema Informatizado de Eleições)
Aqui vamos nós. O SIE é o sistema nacional de eleições apoiado em máquinas DRE (nossas urnas eletrônicas).
Ele compreende a urna eletrônica em si, mas também os sistemas de preparo do software para instalação na urna, de impressão de relatórios, de transmissão dos resultados para computação centralizada no TSE; toda a arquitetura (criptografia [que é o embaralhamento dos dados a partir de um “arquivo-segredo” {certificado}], validações, auditorias) e infraestrutura (firewalls, rede, processos) desse sistema.
Sobre a urna
A urna eletrônica, tal qual um processador ARM (que seu celular utiliza), é uma receita de bolo. Ou seja: não existe uma empresa ou um produto chamado “ARM”. Existe uma especificação e quem quiser licencia o uso e fabrica um chip de acordo com essa especificação. Com a urna brasileira é quase a mesma coisa. O TSE específica o que espera do equipamento em edital público e empresas concorrem para montar os equipamentos, conforme a especificação do TSE. A urna não é um produto de prateleira, portanto.
Tivemos a Unisys em dois editais, mas a parceria Diebold-Procomp é disparada a campeã na fabricação das urnas brasileiras.
Anatomia de uma urna eletrônica
Ela tem, basicamente, dois componentes: o terminal do eleitor (a telinha que todos nós conhecemos) e o terminal dos mesários (onde eles colocam os dados do eleitor para validar que ele pode mesmo votar naquela seção, e a urna é monitorada [se está pronta para o voto, se tem alguém votando, se está na bateria, se o software é oficial ou de treinamento…]) – Não… O terminal do mesário não consegue violar o sigilo do voto. Recentemente, com a biometria (leitura da digital em nossos dedos), o terminal do mesário passou a fazer o escaneamento do dedo do eleitor, também.
A frente da máquina, todos os eleitores conhecem = Tela, teclado numérico e três botões (Confirma, Corrige e Branco). Então, vamos falar da parte traseira.
Créditos da imagem: TSE.jus.br
Atrás da urna, há uma impressora de bobina (2), estilo “caixa-registrador” (usada para emitir os relatórios em papel, no início [zerézima] e fim [o BU = Boletim de urna] do período de votação). Ela tem uma porta USB com um pendrive já instalado (1), onde os resultados para envio ao TRE/TSE são gravados. Dois slots de memória flash(9) (sendo um de acesso interno [é preciso abrir a carcaça] e outro externo) por onde o sistema da urna é carregado e os dados da votação vão sendo armazenados ao longo do dia (antes de serem criptografados[embaralhados] e gravados no pendrive (1), ao fim da sessão eleitoral). O fato de se utilizar 2 flashcards já é uma das medidas de segurança, pois o software da urna compara os votos que estão sendo gravados entre os databases (bancos de dados) nos diferentes cartões. Ela tem 2 USBs (10 e 12) usadas em caso de manutenção, sendo lacradas e parafusadas durante a operação normal. Uma saída de fone de ouvido para deficientes visuais (11), sendo a única interface na traseira que não é lacrada em dia de operação. Uma saída de energia CC (14) para alimentar eletricamente algum módulo externo, se preciso. Uma chave liga/desliga (6) sendo que nas mais novas é um botão verde/vermelho. Há uma bateria interna (8). Os demais números são bobagens como “parafuso”, “cabo AC” (energia elétrica) e por aí vai.
Se você ler a documentação da Unicamp, notará que ela fala em drive de disquete 3,5”. Esqueça isso. Desde a década de 2010 já é utilizado um pendrive como receptor dos resultados em todas as máquinas. Esse pendrive também tem seu conteúdo criptografado e assinado digitalmente, sendo preenchido só ao fim do dia/operação.
Portanto, para que um hacker possa inserir um programa malicioso na urna instalada na cabine de votação, ele terá que, de algum modo, acessar a parte traseira da urna (que fica exposta para os mesários), desparafusar e romper lacres, inserir o programa, talvez reiniciar a urna (para que ela leia o pendrive ou flashcard) e, nos dois ou três minutos que tem para votar, sair dali sem algemas.
Mas, vamos supor que ele queira hackear via sinal wifi, partindo do celular dele. Bem, a urna não tem qualquer placa de rede, nem por cabo, nem wifi (802.11xyz ou bluetooth). Logo, não há comunicação via sinal de rádio com ela. Talvez, ele tenha descoberto como apertar uma sequência de dígitos e botões no teclado da urna? Até a presente data, ninguém conseguiu hackear nosso sistema por essa interface (o teclado dela). Pode ser que alguém consiga, claro. Mas, ainda não há notícias de técnicas assim ao longo das ~duas décadas de uso delas.
O TSE é o dono do esquema eletrônico da urna (há disputas por patente na Justiça, mas, isso não vem ao caso). Os fabricantes precisam produzir a urna exatamente como manda o edital (como seria com alguém que quer fazer um processador ARM, mas aqui, com mais rigor quanto ao resultado). Depois de feita a placa, ela tem de ser homologada pelos técnicos do TSE… Então, qualquer microchip introduzido “a mais” no desenho da placa deve ser detectado na fase de inspeção do hw (hardware).
E se o hacker tentar acessar o cabo serial que liga o terminal do mesário à urna (para alguma técnica de hackeamento)? Bem, os cabos são ligados diretamente nas placas internas (não há conector; é solda) então, possivelmente, ele vai quebrar a bagaça toda no processo de tentar acessar o filamento.
Resta, assim, hackear seu software ou firmware antes destes serem distribuídos pelo TSE. Ou na fase de inseminação… O que nos leva ao próximo ponto.
Anatomia do código executado nas urnas (software/firmware [sw/fw])
A urna tem seu firmware (aquilo que se chamava de BIOS e agora, U/EFI) desenhado com memórias EEPROM (que não se apagam com a falta de energia) que validam, com chaves criptográficas públicas, que elas não vão executar um software que não foi assinado com a chave privada do TSE, além de controles para proibir que a urna carregue um sistema pelas outras portas que não a dos flashcards; claro, como todo fw, ele também controla as operações básicas do teclado e monitor da urna. Esta é uma parte das camadas de segurança para garantir que a urna inicialize o software aprovado pelo TSE, ou não inicialize nada.
Todo o código-fonte (que representa o programa em seu formato de texto) é assinado digitalmente por um certificado público guardado no TSE.
E você pode perguntar “como funciona assinatura digital de um documento (seja um e-mail, seja o código-fonte de um sistema)?”…
A assinatura digital é um processo em que um sistema faz algum tipo de contagem de todos os caracteres e seus valores, e essa “soma” (há mais de um jeito de fazer isso) resulta no que chamamos de hash. O hash é, então, assinado digitalmente com um segredo gerado via um certificado (é uma espécie de arquivo) que contém a chave privada (no caso do SIE, esta chave só existe num sistema de computadores dentro do TSE). A chave pública é outro certificado (arquivo) e, como o nome sugere, é conhecida por quem precisa dela (sistemas dos TREs, sistemas que preparam as urnas, as próprias urnas etc.). Com a chave pública pode-se acessar o segredo feito com a chave privada, mas, não é possível gerar um novo segredo; apenas ler o que foi criado com a chave privada.
Uma rápida explicação técnica: assinar digitalmente e criptografar um arquivo (ou todo um sistema) são operações distintas, embora ambas sejam feitas com uso de um certificado (90% das vezes) que contém chave pública e privada (esta última só costuma existir na origem do arquivo). Assinar digitalmente só garante que o conteúdo é autêntico, mas não protege o conteúdo de quem o obtiver. Criptografar é embaralhar os dados, de modo que só quem tem a chave pública pode ler o que foi criptografado com a chave privada. Porém, a criptografia atinge, indiretamente, a capacidade de provar a autenticidade de um documento: se você conseguiu desembaralhar o documento usando a chave pública que eu te dei, quer dizer que ele foi embaralhado com a chave privada que só eu possuo.
Logo, o que se consegue é a garantia de que o código-fonte que foi aprovado pelo TSE é exatamente o mesmo que está sendo instalado nas urnas. Se o hash bate e este hash é assinado digitalmente, a única forma do código ter sido maliciosamente produzido é com alguém de dentro do TSE usando a chave privada para assiná-lo, ou com um hacker extraviando essa chave do seu sistema original (há várias medidas para que isso não ocorra; a primeira é que essa chave não fica em um computador ligado à rede de computadores do TSE). Claro que essas duas últimas hipóteses são possíveis (quase tudo é possível). Não quer dizer que isso seja fácil de ser feito, muito menos que essa chave privada fica no computador da mocinha da portaria do TSE, enquanto ela baixa filme pirata e acessa o WhatsApp web.
De outro lado, o sistema de instalação da urna (chamado pela documentação de SIS – Subsistema de Instalação e Segurança) não permitirá a carga de um sistema operacional (“OS” em inglês, ou “SO” em português) que não esteja em conformidade com a chave pública fornecida ao SIS. Tampouco a urna aceitará executar um código que não coincida com as chaves gravadas em seu firmware.
Todas as urnas do Brasil (são aproximadamente quinhentas mil seções, cada uma com pelo menos uma urna [há seções com duas ou três]) executam o mesmo SO. Não há diferença nesse código.
Ao saírem da fábrica, elas não têm nem o SO, nem os dados da seção que irão atender. Então, numa fase denominada “inseminação da urna”, o SIS (software instalado em uma máquina oficial no TRE, ou numa cedida ao polo de preparo das urnas) instala tanto o SO da urna, quanto a tabela de candidatos e eleitores disponíveis para aquela seção (por exemplo: Na minha seção não há candidatos pelo estado do Amapá, e também não há eleitores com deficiência, ou com a letra inicial “A” [apenas exemplos]). Assim que o SIS termina a instalação, a urna é lacrada (todas as portas, exceto a de áudio, como já dito), empacotada e vai para a caixa de papelão, onde ficará sob vigia até o transporte para o dia e local de votação. Seu número serial (gravado naquelas memórias EEPROM) é cruzado com o número da seção para a qual ela se destina e gravado no sistema do TSE. Logo, a urna 1234ABC não pode enviar votos para o sistema centralizado (ao final do dia), em nome de uma seção eleitoral para a qual não estava previamente cadastrada.
O SIS foi projetado para dar uniformidade na instalação, consistência dos dados, segurança do código instalado e várias outras medidas. Este seria um ótimo ponto de ataque, contudo, vale lembrar que o EEPROM, dentro da urna, tem sua própria cópia do certificado público e este não é manipulado pelo SIS. Se um hacker consegue acessar o EEPROM da máquina para reprogramá-lo, significa que ele está com acesso físico à urna… Neste caso, por que você tem medo da urna eletrônica e não tem medo da urna de papel? Se um hacker conseguiu acessar a parte interna da urna eletrônica, reprogramar um chip, instalar um SO hackeado com código malicioso e relacrar o equipamento para que ninguém perceba a fraude, ele não conseguirá abrir a urna de papel e trocar todas as cédulas de papel por outras que ele fez (ou deram pra ele)? Esse é o seu medo? Sério?
O SIS gera um flashcard que instala o SO na urna (copiando seus dados para o flashcard interno). Depois que esta valida a assinatura do código apresentado, o primeiro flashcard é removido, a urna é desligada e fica pronta para receber outro flashcard com os dados de eleitores e candidatos, mas este segundo flaschard com os dados de candidatos e eleitores é destinado só ao dia da votação. Se uma urna quebra, a reserva pode ser inseminada com este flashcard, mediante registro do novo serial de urna atrelado à seção de votação.
Quando o SIS termina de gerar o flashcard externo “de votação”, este é inseminado (daí o nome da fase) na urna pela porta número 9 da imagem anterior, e a urna fará toda uma rotina de validação do conteúdo, vai verificar se a assinatura do conteúdo bate com a chave que ela tem na EEPROM (e que saiu preenchida de fábrica), e vai inicializar o flashcard interno. Esse flashcard interno, como já dito é usado em várias operações de segurança onde a urna compara resultados e faz um “double-check” de tudo que está acontecendo durante a execução. Há logs de segurança, e parte desses logs é registrado em outro chip, dentro da máquina, por redundância.
A cerimônia de assinatura
O código-fonte distribuído pelo TSE não é simplesmente assinado numa quarta-feira depois do almoço, e fim de papo… Há uma cerimônia com data e hora previamente conhecidas, e aberta aos interessados, especialmente, aos representantes de cada partido político nacional. Esses partidos podem mandar técnicos para acompanhar o processo, bem como os partidos podem, inclusive, ter acesso ao código-fonte da urna (que é baseado em open-source/código aberto) para revisá-lo e apontar eventuais falhas, antes dessa cerimônia.
Quando todos os representantes estão satisfeitos, o código é compilado (= deixa de ser texto e passar a ser um executável) em um computador isolado e sem acesso externo. Nesse momento, as chaves criptográficas são inseridas definitivamente (a empresa que ganhou o edital e desenvolveu o código do SO não tem a chave privada que o TSE usará e não terá em momento algum. Esta empresa utiliza uma chave privada própria, só para fins de testes, mas essa chave é substituída no código do SO com a chave oficial nessa fase), e são essas chaves que determinarão se o código compilado foi alterado desde esta cerimônia até o dia da eleição. A urna, como já dito, sai com a chave pública que deve “bater” com a chave privada para que o sistema possa ler o hash e concluir que o código pode ser executado (ou não).
Todo o código gerado pelo SIS passa por 2 mecanismos de criptografia (em 2002 eram o MD5 e o Assina [Microbase]), gerando uma criptografia de 256 bits. É bem seguro, se você não entendeu nada. Se um arquivo for modificado pelo hacker, mesmo que em apenas uma letra, sem que um arquivo CRC e outro SIG sejam criados a partir de uma chave criptográfica válida (e só o TSE tem a chave privada), os sistemas, tanto do SIS, quanto da urna, detectarão a mudança.
A distribuição dos softwares para preparo da urna
Como dito, o SIS é responsável por gerar a mídia que vai formatar a urna com o SO aprovado, bem como gerar o flashcard com os dados de eleitores e candidatos habilitados numa dada seção eleitoral.
E se esse software for corrompido? Já em 2002 (data do documento da Unicamp), a transmissão se dava sob criptografia do instalador do SIS (usando o algoritmo IDEA-128, bastante adequado àquela altura). A transmissão se dava por protocolo SFTP ou mídia física (CD). Logo, havia um bom controle de distribuição, em 2002. Não tenho razões para crer que essa segurança piorou, ou mesmo continuou como naquele tempo. Atualmente, é provável que eles utilizem transmissão por HTTPs ou outro meio privado (como um link MPLS, que não passa pela Internet). Mas, não tenho os detalhes porque não achei documentação técnica sobre a atual arquitetura. Isso não necessariamente significa que há obscuridade maliciosa. É natural que as empresas e órgãos governamentais não fiquem divulgando detalhes de sua arquitetura interna, o que ajudaria um hacker a se preparar melhor. Possivelmente, há melhores informações para os partidos políticos e outros legitimamente interessados.
Resta saber se eles têm competência para avaliar o que receberam. Na minha experiência com auditorias de terceiros sobre software de um dado fabricante, a maioria dos terceiros não tem qualificação técnica para entender o que recebeu em mãos. O sujeito começa a olhar o código-fonte e não sabe nem se é de comer ou de passar no cabelo. Aí, pra disfarçar a ignorância, inventa teses furadas sem, contudo, ser capaz de demonstrar onde o problema está… Digressão de minha parte… Voltando…
O software SIS precisa ser enviado aos TREs e polos para preparar as urnas para a eleição. Ele modifica o sistema operacional Windows, transformando a máquina instalada com ele em um “novo computador” com funções e acesso restritos… Não é possível baixar o MicroTorrent no computador SIS, nem assistir aquele pornozão básico (ou só acessar um site de notícias) nessa maquina alterada pelo SIS. A finalidade da máquina com o SIS é restrita a somente preparar as urnas (SO) e gerar os flashcard com eleitores e candidatos por seção.
A transferência do BU (boletim de urna) para o TSE
Bem, esta é a parte mais crucial, pois, é a única vez em que o resultado da urna poderá passar por um meio de transmissão público. Até aqui, este resultado só existia dentro do hardware da urna. Sem que o BU seja encaminhado ao TSE, não há cômputo dos votos registrados naquela seção.
O BU só é emitido ao final da votação de todos os eleitores daquela seção, ou ao final do horário limite para a votação (o que vier primeiro). Por este motivo, vemos que mesmo antes das 17h, algumas estatísticas de votação já começam a aparecer no noticiário. Imagine que a seção é nova e tem apenas 100 eleitores e que todos vão votar na primeira hora da manhã (um milagre que mesário nenhum jamais viu, coitado…). Neste caso, a urna emite o BU em papel (pela impressora de bobina), este é afixado na porta da seção e fotocópias são distribuídas aos fiscais dos partidos interessados (que já podem iniciar contabilizações paralelas e auditorias próprias).
Então, o BU é criptografado (não porque seja sigiloso, mas somente para garantir que o BU que a urna emitiu não foi trocado por um BU falso), gravado no pendrive (na porta número 1), o pendrive é removido da urna (com fiscalização dos profissionais do TRE) e então é encaminhado, seja para uma sala do colégio eleitoral com o software carregador (basicamente, ele se conecta ao TSE usando uma VPN (túnel criptografado, utilizando a internet), lê o arquivo, valida a integridade do BU, e envia este arquivo ao sistema totalizador no TSE); seja fisicamente transportado para um polo onde haja conexão com a internet (cenário comum no interior do Brasil). Ouvi dizer que havia um link via satélite entre TRE e TSE, mas sinceramente, não achei fonte confiável para isso. Além do mais, um túnel VPN já é muito seguro (pode ser bem mais seguro que sua conexão com seu banco, por exemplo).
Se o BU é enviado mais de uma vez, o sistema totalizador detecta e abre ticket de auditoria para garantir que todos os votos foram contabilizados. Isso pode ocorrer, por exemplo, por uma falha de rede em que o envio não foi completo (esta informação é de 2002. Não ficaria surpreso de saber que os sistemas atuais sequer permitem a duplicação de envio; mas, para mim, basta saber que há auditoria em caso de envio em duplicidade). Todavia, o BU de outra urna, ou o BU falsificado não serão carregados em nome de uma seção oficial. A criptografia que a urna gera e os dados anotados no BU oficial estão lá para impedir isso.
No ano de 2020, o TSE alterou a forma como os dados são totalizados, após recomendação da Polícia Federal. Anteriormente, os colégios e os polos concentradores mandavam os BUs para os TREs, e os TREs mandavam por uma rede privada (seria a rede via satélites?) para o TSE. Em 2020, todas as seções passaram a enviar os dados diretamente para o TSE via sistema desenhado para isso. Na ocasião, houve demora para divulgação do resultado, o que causou certa controvérsia sobre a possibilidade de um “ataque hacker” às eleições. O então Presidente do TSE, Ministro Luís Roberto Barroso, desmentiu o boato explicando que apenas houve um congestionamento inesperado nos canais de comunicação entre TSE e todas as mais de 500 mil seções (que deixaram de concentrar as BUs nos TREs) e sobrecarga no sistema de totalização.
Neste mesmo ano de 2020, houve um ataque ao site público do TSE, gerando a indisponibilidade do mesmo. Eu não creio – porque não faz nenhum sentido crer – que a rede de computadores que mantém o site público do TSE seja a mesma rede utilizada pelo sistema totalizador de votos, mas esta é uma arquitetura sobre a qual eu não tenho visibilidade e fica difícil dar garantias.
Conclusão do relatório da Unicamp e outros relatórios
O relatório da Unicamp termina do seguinte modo:
“O sistema eletrônico de votação implantado no Brasil a partir de 1996 é um sistema robusto, seguro e confiável atendendo todos os requisitos do sistema eleitoral brasileiro”
E
“Assim, acredita-se que, a partir da experiência acumulada pelo TSE e partidos políticos na implantação do voto eletrônico e a partir da contribuição da comunidade científica e dos setores organizados da sociedade, é possível o aprimoramento do atual sistema e a consolidação dos processos de votação e totalização eletrônicos que se configuram como um enorme avanço no processo eleitoral brasileiro, principalmente quando confrontado com o uso de cédulas de papel e urnas convencionais.” (grifo meu).
O relatório de 2002 fez sugestões de melhorias em vários pontos, inclusive com críticas construtivas sobre auditoria independente, ou mesmo sobre uma mudança no design de validação dos dados enviados pelo teclado ao FW/SO. Mas, como o próprio relatório explica, é difícil imaginar que alguém possa explorar possíveis vulnerabilidades diretamente em contato com a urna, já que teria que abrir o equipamento para adulterar o funcionamento do componente.
O verdadeiro risco de adulteração é realmente na fase de criação do software e da assinatura deste com a chave privada, ou no envio dos BUs ao TSE. No primeiro caso, como demonstrado, contudo, isso não é algo trivial e não se pode fazer com uma única urna. O ataque teria que ocorrer na data em que o TSE “empacota” o software da próxima eleição, e teria que ser feito no computador onde isso acontece – computador que não está ligado à internet. Impossível? Não. Nada é impossível. Ainda mais no Brasil… Mas, altamente improvável. Há formas mais baratas de se manipular uma eleição e nós já vimos isso ocorrer no passado recente das Américas (volto a esse ponto, mais à frente).
Tal relatório foi pivô de polêmicas entre os detratores da urna e o TSE, porque destaca aspectos negativos sobre a independência de auditoria por agentes externos ao TSE, ponto que os críticos afirmam jamais ter sido sanado.
Esse não foi o único relatório produzido com o intuito de validar ou auditar o sistema de eleição eletrônico brasileiro:
No mesmo ano (2002) em que a Unicamp fez o relatório sob encomenda do TSE, o PT encomendou relatório público à UFRJ; embora não consiga apontar falhas, os autores reclamam da “imaturidade do modelo de desenvolvimento de software”, mas não apresentaram nenhuma falha que pudesse ser explorada.
Em 2003, o TSE pediu novo relatório público à UFMG e UFSC. O relatório apontou a possibilidade de que o segredo do voto fosse quebrado com a arquitetura proposta, e apoiou a impressão do voto como forma de aumentar a confiabilidade no sistema. Não relatou como fraudar o resultado da urna.
Em 2004, a associação BRISA forneceu relatório secreto ao TSE. Obviamente, não tenho como apurar os achados.
Em 2006, o PTB-AL encomendou relatório público de um professor (e apenas um) do ITA. Este professor afirmou que poderia haver “contaminação” nos resultados de Alagoas, mas dada a característica do estudo, focado em urnas do estado de Alagoas, com apenas um pesquisador escolhido a dedo, opto por descartar esse relatório. Não se faz ciência com base na opinião de apenas uma pessoa, não importa o quão competente ela seja. Já discutimos isso antes.
Em 2008, o TSE encomendou relatório secreto ao CTI-MCT. Conclusão: idem ao outro relatório secreto.
Em 2009, o próprio comitê multidisciplinar do TSE emitiu relatório público. Na conclusão, disseram: “A proposta de impressão do voto conquista corações e mentes pela simplicidade, tangibilidade do papel e pela aparente facilidade de combater fraudes. O fato de que o uso de criptografia e mecanismos sofisticados tecnologicamente não serem entendidos pela maioria dos eleitores, candidatos e público em geral, não diminui os benefícios que essas ferramentas modernas trazem para a segurança das eleições”.
Evidentemente, eu não esperava que o comitê do próprio TSE fosse contrário ao sistema defendido pelo Tribunal; pelo menos, não de maneira veemente. Contudo, acompanho a opinião geral de porquê há tanta crítica ao vigente sistema: desconhecimento.
Em 2010, o relatório público CMind, formado por 10 profissionais de várias áreas (direito, computação, engenharia, jornalismo) que criaram um comitê para avaliação da segurança do voto digital, foi bastante crítico ao relatório do ano anterior, emitido pelo TSE. Para eles, o sistema é repleto de falhas e imperfeições que o TSE se omite em endereçar. Contudo, o relatório não apresentou uma forma de hackear a urna, dentro da seção eleitoral. Também, não explicou como o sistema de transmissão do BU poderia ser manipulado para apresentar um resultado falso no lugar de um legítimo. Não quer dizer que suas críticas não sejam cabíveis. Mas elas estão, em grande volume, debruçadas nos procedimentos, na transparência, nas formalidades, e não são críticas que demonstram “como é fácil burlar a urna apertando as teclas x, y e z na ordem 2, 3, 1”…
Em 2012, um relatório público foi liberado pela Universidade de Brasilia (UNB), feito espontaneamente por esta. Esse relatório demonstrou uma técnica para ordenar os votos gravados na BU o que permitiria, em tese, quebrar o sigilo dos votos. Também, levantou a possibilidade de outras manipulações, mas não conseguiu demonstrar as técnicas, alegando que as regras do TSE impediram tal demonstração. Talvez, seja o relatório mais importante para o que discuto aqui (a segurança da urna eletrônica). Se não demonstrou como hackear a urna, colocou em xeque o segredo das votações, requisito indeclinável por força de mandamento constitucional (art. 14 da CF/88), e que nos protege de manipulações como a compra de votos ou a coação dos eleitores. Não tenho respostas de como o TSE endereçou esses achados.
O último relatório do tipo foi encomendado pelo PSDB em 2014, sendo realizado e publicado pelo mesmo CMind que fez o relatório de 2010. Nos achados, temos duas conclusões para destaque:
“pode-se concluir que a auditabilidade do sistema eletrônico de votação do TSE em seus moldes atuais é prejudicada por diversos fatores. O sistema não está projetado e implementado para permitir uma auditoria externa independente e efetiva dos resultados que produz[…]”
E
“Já com relação ao processo de transmissão e totalização dos votos, não foram encontrados indícios de fraudes ou de erros sistemáticos que pudessem alterar os resultados depois que estes saem das urnas eletrônicas.”.
Essa segunda conclusão é importante porque trás mais embasamento para o que eu disse sobre não temer riscos quanto ao sistema de transmissão dos BUs (a segunda parte onde poderia haver uma fraude, na minha opinião).
O que eu acho de todos os relatórios
O que eu acho não é importante. Na verdade, o que alguém acha não é nada importante neste mérito. O que realmente importa é a qualidade do material de análise, a validade técnico-científica dos testes, e seus achados (provas). As visões políticas, o uso de palavras mais ou menos arrojadas, retóricas mais ou menos fortes, nada disso é importante em relatórios dessa natureza (que deve ser técnica).
O que importa é se alguém conseguiu provar como hackear a urna, ou o sistema que contabiliza os votos. Esses são os jeitos óbvios de se fraudar uma eleição com urna eletrônica. E não vi nenhum relatório que demonstrou como fazer isso.
O que li foram críticas a um modelo que pode ser aperfeiçoado (como quase tudo em termos de instituições no Brasil), que pode ser melhor do que é, mas não li nenhum relatório que demonstrou, inequivocamente, como manipular os resultados das eleições brasileiras através da operação nas cabines de votação, dentro da seção eleitoral, ou interceptando o envio dos BUs ao TSE e modificando esses BUs. Nenhum teste foi capaz de corromper a máquina DRE brasileira em condições normais de uso (idênticas ao que o cidadão José [versão hacker] encontrará numa seção eleitoral).
E se, para hackear e manipular os resultados, os agentes maliciosos precisam abrir a urna, instalar outros softwares, acessar a sala de instalação das urnas, modificar programas de instalação, hackear servidores com canais de comunicação criptografados (em que a transmissão se dá em momento desconhecido e não em tempo real)… Meu amigo e minha amiga… Eu não sei porquê pensar que uma urna de papel poderia impedir a manipulação do resultado das eleições, diante de tamanha vontade, capacidade e disponibilidade de recursos.
São fontes para estas seções que escrevi, acima:
O relatório da Unicamp (possivelmente, o melhor documento para entender de onde partimos e para onde podemos rumar).
O artigo da Wikipedia sobre CVEs (coletor de votos eletrônico). Contém links (alguns quebrados) para os demais relatórios.
As auditorias das últimas eleições contendo o sistema de votação paralela (um teste em que urnas são sorteadas, removidas da seção, e auditadas por empresa contratada em uma sala com representantes dos TREs e partidos) para todos os estados do país.
A notícia sobre o motivo da lentidão na apuração de 2020 E a notícia que explica que a Polícia Federal recomendou a centralização, após perícia em 2018.
A apresentação geral da Urna eletrônica brasileira, feita pelo TSE.
Sabe onde teve fraude usando informática? Nas eleições dos EUA…
Estranho, né? Pois é…
O país que tem o sistema mais atrasado das democracias, onde tudo é feito do jeito mais arcaico possível… Foi atacado, ciberneticamente, nas eleições de 2016 e, possivelmente (pois, ainda se investiga), em 2020.
Sim, porque para manipular uma eleição em um dado país você não precisa fraudar as urnas em si. Basta você fraudar a verdade. Manipular as mentes das pessoas, tão dependentes de redes sociais para se (des)informarem.
Não é preciso invadir a urna, de papel ou eletrônica. Basta que eu bombardeie você com mentiras por todos os lados para acabar com a reputação de alguém que eu quero que perca, ou criar uma imagem de salvador de alguém que sempre mereceu a sarjeta.
As notícias sobre o ataque cibernético da Rússia contra os EUA nas eleições de 2016 e 2020 são de conhecimento público e consolidadas em mais de uma fonte. Não preciso me alongar no tema.
O que precisa ficar claro é que quando a manipulação de um sistema eleitoral se dá por uma força exterior muito poderosa (em especial, o que se chama de ataques patrocinados por “State actors” ou, simplesmente, outros países) e muito organizada (com divisões militares de cyber-guerra, muito dinheiro à disposição, muitos recursos), sistema eleitoral nenhum está preparado para lidar com isso, no nível tecnológico.
O único remédio que consigo propor para isso é EDUCAÇÃO… Nesse caso, educação cívico-democrática e política. Educação para desconfiar de fake news, educação para saber pesquisar sem receber de mão beijada, educação para não acreditar em boatos e crendices, para detectar resultados espúrios e análises enganosas.
Educação para não cair no canto da sereia de candidatos safados, sem um plano de governo realista e factível.
Afinal, urnas eletrônicas são seguras?
Você leu tudo que escrevi. Teve acesso às fontes que eu consultei. Percebeu a complexidade para hackear o SIE brasileiro (tenho total convicção de que as tecnologias empregadas são melhores do que os padrões que se utilizava em 2002, pois o TSE teve duas décadas de interação com a indústria para aperfeiçoar o modelo [tanto urna, quanto software são fabricados pela iniciativa privada, sob edital, e não pelo TSE]).
Se você me perguntar “você confia na urna eletrônica brasileira?” a resposta é, claramente, “SIM!”.
Se você me perguntar “então, você confia que ela é 100% segura?” a resposta é “HELLS, NO!” (nem fod@$%^…)
Eu já disse isso antes: O único sistema eletrônico 100% seguro é aquele fora da tomada. Não existe nada, absolutamente nada “ihackeável”, nem mesmo sistemas que não usam computadores. Tendo tempo, recursos, conhecimento e acesso… Qualquer sistema cai. Qualquer um; o nosso, o da NASA, o da China….
O motivo para isso é que, como seu criador (o ser humano), os sistemas herdam falhas de conceito que são muito complexas em sua interação com outras “partes móveis” do sistema e muito difíceis de serem testadas em todas as combinações possíveis, sendo que se a brecha é detectada somente em situações extremas, é matematicamente improvável se prevenir contra tudo o que pode dar errado.
Novamente, o sistema eletrônico 100% seguro é o sistema desenergizado. E ele serve como um lindo peso de papel e nada mais.
Mas quem te disse que elas precisam ser 100% invioláveis? Por que essa tara? 😁
Vou te dizer como eu vejo a situação das urnas eletrônicas: para que eu prefira as urnas eletrônicas ao sistema anterior (em papel), elas só precisam ser mais seguras que a urna tradicional. E, como profissional de TI, com base em tudo o que foi lido e exposto, eu te garanto: elas são estupidamente mais seguras que o outro método (o papel).
Perfectíveis, sim. Sempre. Tudo é perfectível. Mas não são o calcanhar de Aquiles desta democracia.
Esforço para hackear a urna eletrônica: Profissionais competentes, desvio de uma urna para análise e técnicas de invasão, conhecimento da arquitetura de consolidação dos votos nos servidores do TSE, desvio/furto da chave criptográfica utilizada na transmissão dos votos ao final da sessão de votação, quebra de todas as medidas de segurança realizadas no código original (sua assinatura, o chip EEPROM)… Depois disso, o sujeito tem que, ou interceptar a urna entre o momento que ela deixa a “inseminação” e é escoltada (talvez, ele pague a equipe de escolta para permitir a adulteração), ou, de algum modo insanamente complexo, hackeá-la já dentro da seção eleitoral, na frente de todos os fiscais e voluntários, nos pouquíssimos minutos em que fica na cabine. Se tiver que carregar o software para hacker a urna, então… Rapaz, vai ser complicado disfarçar que a “urna caiu” para você acessar o painel traseiro dela, desparafusar, colocar seu pendrive/flashcard… Bem difícil… Outra hipótese é hackear a transmissão dos BUs, mas, novamente, o hacker tem que ter meios de assinar o BU com o certificado digital da urna, “batendo” o número de série que está ligado à seção para qual ele quer falsificar o BU. Possível? Matematicamente, sim… Fácil? Hehehe…
Esforço para hackear a urna de papel: Jogar duas cédulas (uma dada pelo fiscal, outra que você trouxe no bolso) ao invés de uma, ou pagar a escolta para, no translado da urna para a contabilização, trocar o conteúdo oficial pelo adulterado. Abrir o lacre adesivo/plástico, trocar tudo, e colocar novo lacre adesivo/plástico.
Pensando nisso, qual sistema lhe parece mais frágil?
Novamente, não estou discutindo se existe ou não existe tecnologia de máquina de votos mais complexa, mais recente, mais servida de mecanismos antifraude. Estou discutindo se a urna eletrônica atual consegue ser mais fraudável do que a urna de papel (e porque queremos a segunda – mais fraudável – como método antifraude da primeira – menos fraudável).
E a resposta para o último parágrafo é: nada é mais fraudável do que o papel.
Também por isso, paramos de usar cheques e fazemos todas as transações importantes (quanto ao valor) virtualmente, usando criptografia e nada mais. E não pedimos que o banco imprima a transação em papel para confiar no sistema bancário.
Por que a tara com a urna eletrônica?
Porque interessa ao discurso de quem quer justificar a futura recusa em reconhecer a derrota que – se Allah quiser – está por vir.
Sou contra o sistema VVPAT ou IVVR para as nossas máquinas DRE?
Absolutamente não… Nunca sou contra a melhora de nada. Se o sistema é considerado universalmente “x% mais seguro” só com a impressão do voto de origem digital, e seu depósito numa urna de papel, ótimo, vamos em frente.
O problema é que não é tão simples assim. O TSE já declarou que atualizar o sistema para imprimir custaria por volta de dois bilhões de reais a mais. São 500 mil seções eleitorais. Cada uma com pelo menos uma urna. Fora as reservas. Fora as seções no exterior. Se você pensou em utilizar a impressora de bobina que gera a zerézima e o BU, distribuídos aos partidos, errou!!! (leia com a voz do Faustão)… A impressão precisa ser automatizada, confiável, com redundância (para o caso de falhas) e, nos sistemas atuais, não é manipulada pelo eleitor (a cédula é impressa, aparece num “túnel” de acrílico, você confirma e a cédula cai na urna, sem [a sua] interferência humana). Quanto custaria projetar isso? E auditar isso? E manter isso?
Isso tornará o sistema mais seguro? Ninguém pode dizer que sim. Exceto se implementarmos e começar a haver diferença entre cédulas e BUs – aí sim, o sistema DRE está viciado e é caso de polícia. Caso contrário, gastamos alguns bilhões de reais apenas pela “sensação de segurança”. Como o tanque de guerra, parado na rua do cidadão assustado com a violência; não resolveu o problema com o batedor de carteira, mas todos se sentem mais seguros… Porquê não pagar por isso, não é? Não é.
Tornará a urna mais aditável? Sim, sem dúvidas. Mas será um processo eleitoral bem mais caro (além de toda a tecnologia adicional já descrita, temos que guardar e processar as cédulas em algum lugar seguro e monitorado) e mais lento (temos que ter auditores e eles são humanos, não máquinas – se colocarmos máquinas para ler o comprovante impresso, o que diabos estamos querendo? Só cortar árvores?)…
Disse, um certo cavalheiro:
O preço da liberdade é a eterna vigilância.
Thomas Jefferson
A liberdade de um povo em escolher quem o representa no Estado é o ápice do que o processo eleitoral democrático significa. Não podemos, jamais, confiar cegamente no discurso de um órgão oficial. As urnas devem ser auditadas, os processos devem ser melhorados, o que é obscuro tem que ficar claro como o meio-dia na areia branca da praia. Nada mata mais a corrupção e a falcatrua do que a claridade. Quem gosta de sigilo por 100 anos é a Justiça Militar (sim… os caras envolvidos com o governo e que mais gritam sobre “transparência nas eleições” são os mesmos escondendo a sujeira deles com sigilo secular).
MAS… Mas… Não é por isso que vamos gastar “os tubos” com impressão do voto digital, só para que nos sintamos “seguros” de que não há fraude, sem que esse sistema realmente signifique palpável diminuição do risco de fraude, apenas custando mais caro para o nosso bolso. A decisão precisa ser lógica, não emocional. É um sistema computadorizado. Emoção não tem nada a ver com essa área das ciências.
Por que estamos ouvindo a sandices de gente eleita pelo voto eletrônico, contra o voto eletrônico?
Pois é… Também não sei…
O anencéfalo que lamentavelmente chegou à idade adulta, foi eleito pelo voto popular na mais triste eleição da história democrática deste país (até agora), e seu opositor reconheceu a vitória, sem escândalo. Teve outros VINTE E SETE ANOS para VAGABUNDAR no Congresso Nacional, sendo dezesseis desses vagabundos anos conquistados via urna eletrônica.
E aí… Aí, esse animal irracional que grasna, rosna e relincha diuturnamente, começa a falar “é… não vai ter eleições limpas ano que vem, tá ok?… Se eu perder é porque foi roubado e não vou reconhecer! (faz arminha com as mãos…)”…
Que tipo de imbecil sustenta essa argumentação? “Se eu venci, deu tudo certo com a urna. Se eu perdi, não foi justa a disputa”…
Como alguém ainda considera as opiniões advindas desse projeto de ditador de meia tigela? Eu não sei. Teria que sofrer uns cinco ou seis AVCs para concordar com algo que tem autoria do mais esdruxulo e repugnante cidadão a frequentar a Presidência da República do meu país. Sujeito que, com sorte, será “só” uma virgula triste na nossa história e não o causador de mais um retrocesso às trevas ditatoriais, nesse amaldiçoado país quando o assunto é política.
E não se esqueçam, meninos e meninas, outros e outras… Não há vida política desonesta com povo 100% honesto. Essa conta não fecha. Não é Brasilia que enoja o Brasil. É o Brasil que entulha Brasília (com lixo, majoritariamente – não obstante eu reconheça a existência de algumas poucas boas almas na vida política nacional). Se não gostamos dos representantes, temos que pensar em:
a) o material humano que forma nossos candidatos.
b) nosso processo de escolha destes.
E então, como um físico tendo que explicar que, não, a Terra não pode ser plana, cá estou a explicar que não tem como a urna eletrônica ser mais fraudável do que a urna de papel. E que imprimir o voto, por si só, não é resposta adequada à transparência (mas, à priori, o afago a medos e receios que não se lastreiam em verdade, até aqui). Até aqui, imprimir o voto é o tanque de guerra em cada rua da cidade. Em boa medida, daí minha irritação e meu sarcasmo ao longo desse texto inteiro.
Porque é SEMPRE cansativo ter que explicar que o queimar da Amazônia lasca o planeta, que a Terra é redonda, que vacina faz (MUITO) mais bem do que mal, que democracia é melhor que ditadura… E agora… Que o sistema eletrônico que elegeu adversários como FHC (2º mandato) e Lula, também elegeu todo o Congresso Nacional que, agora, fica – em boa parte de seus componentes hipócritas – de conversinha furada para confundir um povo já carente de razão e lucidez, falando sobre o voto impresso como “única forma de eleições limpas” …
Com qual objetivo real, senão permitir a desestabilização da frágil democracia brasileira? A mando de quem? Quem são os senhores dessa gente que nunca me representará (seja por sua desonestidade intelectual, seja por suas posições antidemocráticas)?
Então é isso… Espero que a informação deixe você, que se sentia um pouco desinformado(a) e, por isso mesmo, com medo da segurança da urna eletrônica, um cadinho mais confiante nessa discussão. Não cego, nem com a guarda baixa (vigiar as instituições é responsabilidade constante de todo cidadão). Mas menos alarmado(a) e menos vulnerável ao pânico e histeria.
O resumo é: nenhum sistema é 100% seguro. Isso não existe. Nem o eletrônico, nem o em papel (nem o em nada), é absolutamente inviolável. Quando comparados os sistemas, contudo, a urna de papel é uma vergonha em termos de segurança.
E a nossa urna eletrônica é suficientemente segura. Poderia ser mais, claro; sempre pode.
Não quer dizer – enquanto as auditorias técnicas (que também podem ser melhores [maiores, mais frequentes…] e podemos cobrar isso) não demonstrarem o oposto – que precisa ser mais segura, já e a qualquer preço.
Um post para todos que andam dizendo “já passou” …
Ao escolher uma faculdade ligada à Tecnologia da Informação, uma das coisas que acontece com você é que, automaticamente, você passa a entender sobre redes, programação, formatação de sistemas, vírus de computador, micro-ondas, recarga de cartucho de impressoras, e como arrumar o celular dos seus familiares (“nossa, tá muito lento e apareceu esse aplicativo aí que eu não instalei”)…
Ah! Acontece outra coisa também: Para qualquer pessoa de fora da área, se você abre um prompt de comando e digita “ipconfig /all”, pronto… “Cara, você é hacker?”. Claro! Quem não é?
Sim meus caros amigos, somos todos hackers na informática. A primeira aula na faculdade é “invadindo perfis de Facebook da ex-namorada”. E é “da ex”, e não “do ex”, porque uma coisa mais rara do que aluno de informática em forma, é mulher na sala de aula (o que considero um assunto triste, mas fica para outro dia).
Bem, como somos todos hackers, todos nós sabemos o que é um PenTest. Mas, eu vou dar uma colher de chá e falar com propriedade sobre algo que faço todo dia. Ou seja, vou falar sobre “coisas de hacker”. Em termos mais técnicos, falarei em “Segurança da Informação”.
Na disciplina de Segurança da Informação, na qual sou extremamente versado (eu espero que vocês já tenham notado o sarcasmo), “PenTest” é um conceito que, para além da abreviação, significa “Penetration Test”. Em resumo, com um sistema da informação exposto, mesmo que somente a um público interno, é importante saber se pessoas não autorizadas são capazes de extrair dele, informações e dados aos quais tais pessoas jamais deveriam ter acesso.
E (eu sigo supondo que minha audiência não é da área), talvez, sua primeira pergunta seja “mas, se o sistema foi bem feito, só acessa que tem usuário e senha (credenciais), não é?”.
Méh…. Mais ou menos… Mais ou menos…
O problema com o desenvolvimento de sistemas (o que nós, que sabemos sobre impressoras e micro-ondas, dominamos muito bem) é que, de maneira geral, os programadores (aqueles que fazem o programa, ou “app”) fazem o código “para dar certo”.
E aqui, você dirá “what-the-p$rra?! E não deveria ser sempre assim?”.
Você ainda não visualizou o problema…
O problema é que se eu sou “teu chefe” (o analista de negócios, o PjM [Project Manager], o P.O. [Product Owner], ou só o cara te pagando, mesmo) e te digo “quero que você me faça uma calculadora que some, subtraia, divida e multiplique”, você, como programador, mas, mais ainda, como ser humano, se prepara para construir algo que “some, subtraia, divida e multiplique”…
Se você for mais espertinho, você fará outras perguntas como “de que modo o usuário entrará com os números a serem operados nessa calculadora?”, e outras perguntas que te ajudarão a fechar o escopo do programa a ser desenvolvido.
Ocorre que… Em uma sala de programadores júnior, e para todos vocês que não sabem como recarregar um cartucho enquanto invadem o sistema de mísseis da OTAN (como eu sei), a maioria das pessoas não fará perguntas cruciais como “quem deve ter acesso à calculadora e que tipo de autenticação usaremos para garantir?”, ou “os dados devem ser criptografados durante os cálculos e no armazenamento de longo prazo? ”, ou “que tipo de tolerância à falha essa arquitetura deve possuir?”… Essas são perguntas que só quem já passou das primeiras “300 horas de voo” deve imaginar…
E aí, sua calculadora fofinha que soma “result = varA + varB;” e faz um “printf (result);”, recebe do usuário a ordem para soma de varA = 3 e varB = o (ó de “óleo”, não “zero”).
Kabum! … Lá se vai o seu programa tentando somar um número com uma letra. Algo tão bobo quebrou seu programa… Imagina quando a questão é fazer um programa seguro do tipo “só vai entrar quem deve”… São tantas possibilidades… Tantas coisas feitas de maneira legitima e sincera e que podem se tornar exploráveis por alguém mal-intencionado…
Em resumo, você já viu que dizer “ué, só entra quem tem credenciais” não resolve o problema real de Segurança da Informação. Torne as coisas muito mais complicadas do que somar duas variáveis e exibir o resultado na tela, e os problemas e preocupações acompanham a mesma regra exponencial de possibilidades.
Esqueça o petróleo. A riqueza do mundo está nos dados
E até o mais bobo dos hackers sabe disso…
E porque a riqueza do mundo não é mais material, mas, sim, de informação (quem detém e manipula mais disso é mais rico que os outros), a maioria das gigantes empresas já entendeu que não dá para tratar sistemas da informação de forma muito diferente da sala-cofre do banco onde fica a bufunfa.
Assim nasce, nas áreas de TI, a disciplina de Segurança da Informação (SI), originalmente preocupada com ataques externos, até que percebemos que a franca maioria dos ataques começa de dentro para fora (fonte). Seja com ajuda intencional ou não dos colaboradores (empregados) da empresa atacada.
Surge, nas empresas de grande porte, a ideia de ter times de hackers contratados para combater hackers hostis à empresa.
Depois de um tempo, já não é suficiente “sentar e esperar”, e a Segurança da Informação passa a ter que se antecipar aos ataques. A SI da empresa tem que pensar como o agressor agiria… O que ele faria, o que ele exploraria… É claro que existem os truques básicos, e é claro que tem empresa pecando no que chamaríamos de “nível 0” de maturidade de SI (como não colar sua senha em um PostIt no teclado). Mas, o mesmo mal que afeta o programador (que programa “pra dar certo”) acontece com o time de SI da empresa… Gente acostumada a defender, com o tempo, esquece como atacar.
Constrói-se, então, o conceito de “blue & red teams”. São dois times de profissionais contratados pela empresa. Um de atacantes e outros de defensores. E são ambos ligados à SI, mas, a parte divertida da coisa é que um não conhece o dia-a-dia do outro, e o time azul nunca sabe quando o time vermelho está invadindo, ou quando a invasão é real. Isso cria uma mentalidade de “não-relaxamento” o que é, modo geral, positivo para a eficiência das medidas de segurança.
Na esteira disso, surgem consultorias especializadas em vender “PenTests” ou “Penetration Tests”… São consultorias formadas (pelo menos, no princípio) por hackers e pessoas com bom conhecimento de SI, e que vão tentar invadir um designado sistema da empresa para apresentar um relatório depois, indicando o quão seguro é o sistema explorado.
Não existe sistema totalmente Seguro
O único sistema eletrônico 100% à prova de invasão é aquele fora da tomada…
Lembra da nossa calculadora? Ela falhou porque não projetamos ela para impedir qualquer entrada que não fosse um número. Também, dando um passo adiante, deveríamos proibir que divisões por zero ocorressem (já que a divisão por zero é uma indeterminação)… Enfim, há sempre espaço para melhora.
Agora, uma calculadora como essa, feita em linguagem de programação C (“C” é o nome da linguagem), deve chegar a 15 ou 20 linhas de código (como esse texto, podemos contar o tamanho de um programa em linhas, em funções e de várias outras formas). De maneira agressivamente simplista, essas linhas explicam para os circuitos do computador como lidar com os valores que você digita no seu teclado e que espera operar matematicamente (já que é isso que uma calculadora faz).
O tamanho do programa varia com o tamanho das necessidades (aqui, 4 operações elementares), e com a habilidade do programador (programadores mais experientes e talentosos saberão fazer um mesmo programa, quanto às funções esperadas pelo usuário, com menos linhas do que um programador iniciante) …
Agora, vamos para um exemplo real:
Um navegador de internet como o Mozilla FireFox, tem mais de 28 MILHÕES de linhas de código (LOC: Lines of Code), e é composto por mais de 40 linguagens de programação diferentes (fonte).
E, por mais que eu saiba que qualquer navegador moderno é a nova área de trabalho dos dias de hoje (pense bem: o que você faz no seu PC/notebook que não é feito via seu navegador? [Chrome, Edge, Firefox…]), a realidade é que o navegador é “só um programa” que precisa de um sistema operacional inteiro por baixo dele para poder ser executado…
Para se ter mais uma ideia de dimensão das coisas, o coração de um sistema Linux moderno tem, por padrão, 15 milhões de LOCs (fonte)… E o Kernel é “só” a parte que faz o sistema ficar pronto para mandar no hardware da sua máquina (processador, memória RAM, disco, rede[…]), sem falar de interface com usuário (mouse, teclado, monitor, impressora), interface gráfica (seu desktop), programas-padrão de um sistema operacional, acessórios e periféricos…Ou seja: O tamanho total de um sistema operacional moderno atinge, sem um esforço enorme, a marca da centena de milhões de linhas de código. E como eu já disse… Não é apenas uma linguagem de programação… São dezenas. Cada qual com seus trejeitos, vantagens e desvantagens. Cada qual com suas habilidades e vulnerabilidades… Como as línguas faladas pelos homens…
E, se uma calculadora de 15 ou 20 LOCs já teve problemas… Você, agora, entende o porquê não existe um sistema 100% à prova de falhas. Algum dia, alguém vai esbarrar em uma linha “escrita para dar certo”, mas, que permite que MUITA COISA ERRADA aconteça através dela… E não é como se faltasse linha; concordamos, certo?
A evolução da SI, e os problemas éticos decorrentes
Porque onde tem gente…
Bem, eu já te disse que petróleo é fichinha, comparado ao valor financeiro em forma de dados que uma empresa pode acumular, certo?
Eu também já disse que a SI se tornou uma disciplina necessária para guardar o tesouro da empresa, tal qual o banco (Itaú, Bradesco etc.) guarda a sala-cofre com a grana…
Se eu te dissesse que sei como invadir sua sala-cofre (virtual ou real), mas, que estou disposto a te ensinar como se proteger dessa invasão e se, inclusive, eu te desse uma amostra da gravidade dessa situação (por exemplo, te mostrando que sei o que e quanto você guarda lá dentro), quanto você pagaria para eu te ensinar a se proteger do que fiz?
Infelizmente, esse foi o caminho “de negócios” de parte das “consultorias” (que, nesse caso, mais se assemelham ao modelo dos mafiosos sicilianos da Cosa Nostra, ao vender proteção contra eles mesmos para os comerciantes) … E, assim, essas “consultorias” passaram a fazer invasões “preemptivas”, sem qualquer pedido ou contrato com a empresa-alvo. Quando conseguiam invadir algo, enviavam um contato comercial para a empresa, mostrando que invadiram, mas, invadiram pela nobre causa de despertar a empresa atacada para os riscos que ela correria se o ataque fosse feito por gente “mal intencionada” (porque, claro, eles estavam ali para dar de graça o “como corrigir o problema”… [not!]).
E assim, o mundo é cada vez mais conectado e mais inclusivo quando o assunto é “Internet” e, por causa disso mesmo, cada vez mais perigoso e hostil para todos. Dados e informações são riquezas maiores do que petróleo (fonte), existem e circulam de maneira abundante pela Internet, e pela natureza conectada do mundo atual, precisam interconectar diversos sistemas, em várias partes do mundo. E tudo isso significa oportunidade. Para o bem e para o mal.
Proteger esses dados tão bem quanto se possa é o novo meio de “se criar um banco” (e ficar rico como quem criou os originais). Quem protege melhor, ganha mais. Mas, para proteger melhor, você precisa de um time altamente treinado e constantemente desafiado. Daí, os “red & blue teams”.
O problema surge quando, bem… Seu blue team não é lá “aqueles coco” (saudações, Aloisio!), dorme no ponto, baixa a guarda por achar que o ataque é falso (vindo do red team), mas o ataque é real… Ou quando o seu red team é mais do que bom… É feito de pessoas realmente perigosas. Acontece nas melhores empresas, e nos processos seletivos menos criteriosos…
Se você pensar bem, é o tipo de gestão de pessoas mais maluco do mundo… Você precisa contratar gente competente, acima da média, realmente capaz de causar dano ao patrimônio, e convencê-los a trabalhar pra você, te ajudando a prevenir invasões à sala-cofre… E quando eles invadem, você precisa ter confiança de que eles não farão nada de mal com o que encontraram lá dentro… Melhor recrutar bem… E pagar ainda melhor…
Eu preciso dizer que é um pouco fantasiosa a forma como descrevo as coisas… É óbvio que o bom gerente do time de SI não sai por aí contratando hacker em sala de bate-papo do UOL. Mas, a intenção sempre é manter o texto acessível e destacar os perigos de quando você toma as coisas por garantidas… Porque como disse Richard McKenna:
“The way you get killed around machinery is to take things for granted”.
Em bom português (adaptado): “O jeito para morrer lidando com uma máquina (ou sistema), é tomar por certo o incerto”.
E não é sempre assim que se morre, Sr. McKenna? 😉
É sempre fácil acabar morto quando você dá as coisas por certas… Especialmente ao lidar com os perigos da vida… Ou dos sistemas…
Tudo pode ser abordado por uma mentalidade de sistemas
Até porque você(nós) toma(mos) tudo por certo e não dá(mos) o devido valor…
Computadores (desde as dezenas deles embarcados em um avião, passando pelo controle a bordo de um míssil, até o notebook ou o smartphone no seu bolso) são máquinas.
Máquinas são sistemas.
Falamos de parte das características dos sistemas no post passado. Outra parte vai por aqui…
Um programa é uma rotina lógica que é compilada e vira o tal “exe” que você utiliza (como nossa calculadora inicial) – estou sendo grosseiro, claro. A junção de vários programas que interagem entre si, dá origem a um sistema.
E sistemas são, de maneira genérica, partes que interagem entre si e resultam em um propósito comum à existência de todas elas. Para que um sistema funcione, ele precisa trocar informação. A informação precisa ser protegida, não só de acesso indevido, mas de corrupções, interrupções, e outras formas que possam impedir que um dado programa do sistema tome as atitudes que deve tomar, diante da informação que ele deveria ter recebido.
Todo vírus de computador moderno é concebido com medidas para tentar impedir que o programa antivírus receba informação (indícios) de que há uma infecção em andamento. E só para te garantir: Um vírus de computador não é nada mais, nada menos, que um programa. Como a nossa calculadora… Só que ao invés de somar, o programador o fez para danificar ou invadir o sistema onde ele for executado.
A guerra é travada no campo de quem consegue interceptar mais informações: O vírus ou o antivírus. Quem souber mais, vence. O antivírus joga com a vantagem de ser “do time da casa” e ter acesso privilegiado a todo tipo de informação de várias partes do sistema. Os demais programas, se possível, o ajudarão com informação.
Mas, acontece que o programador do vírus fará de tudo para que o vírus também se pareça com algo originário do sistema e, portanto, “também de casa”.
É um jogo de “gato e rato”. Nós corrigimos algo. Eles inventam algo novo. Nós fechamos uma porta. Eles acham um cadeado mal fechado.
Não é porque é divertido brincar disso. É porque é impossível se proteger absolutamente enquanto se mantém conectado. E os sistemas são colossais. Dezenas (e até uma centena) de milhões de linhas de código tentando trabalhar em conjunto, como já te mostrei.
Conectar-se é, também, se vulnerabilizar. Você precisa abrir portas. Vale pra Internet e vale pra vida.
Conhecimento não é, necessariamente, Poder
Mas é o caminho mais óbvio para ele…
Em “Game of Thrones” (HBO), há uma discussão entre duas personagens relevantes no jogo político, em que a primeira diz “conhecimento é poder”, e a outra personagem diz “Não. Poder é poder” e põe meia dúzia de gorilas, cada qual com a espada no pescoço do pobre coitado que trucou a outra, anteriormente.
Acontece que a segunda estava errada (a série mostra isso). Conhecimento é mesmo o que gera poder.
Para seguir nos exemplos Pop, umas das publicidades mais geniais que vi, veio da série “House of cards” (Netflix), enquanto eu estava em viagem de trabalho em Brasília (DF). Ao chegar no aeroporto de BSB, um cartaz usava uma frase célebre do personagem central: “Nessa cidade, um erro que quase todo mundo comete é escolher dinheiro antes do poder”, com a foto de Francis (Kevin Spacey) ao lado.
A frase já é forte o bastante, sozinha, mas colocá-la no hall de chegada de BSB foi o que mais marcou para mim. Eu vi. E os políticos também. Assim como os jornalistas. Afinal, “todo mundo” chega e “todo mundo” sai do Distrito Federal, semanalmente, por ali.
Para fechar no ramo Pop, em “Chernobyl” (HBO), em uma das reuniões tensas entre o então Secretário Geral do Partido Comunista (Mikhail Gorbachev) e seu gabinete de crise, o Secretário se queixa de ter que pedir desculpas para aliados, mas, também para os inimigos da então União Soviética. E uma das frases que ele diz é “nosso poder vem da percepção do nosso poder”. Ou seja… Poder, ao menos na política, não é algo totalmente real. Ele depende um bocado de quanto os demais percebem (ou acreditam) que você detém dele.
O que acho interessante de todas essas três citações é que, no fundo, fica provado que seja lá o que é o “poder”, ele descende do conhecimento. Quem sabe mais, pode mais. Se você conhece as pessoas certas, se você conhece os processos, os mecanismos, os meandros… Se você conhece gente que já tem poder, que já tem influência. Se você sabe como manipular isso tudo ao favor do que você almeja (sendo o que você almeja legitimo ou não)…
No fundo, conhecimento sempre foi sinônimo de poder. Não quer dizer que todos que detém conhecimento têm poder. Porque eles podem não saber como usar o conhecimento que têm. Ou podem não querer usá-lo, por autoimposição de limites e de valores éticos e de controles morais ou mesmo coercitivos por parte da Lei e do Estado. Ainda assim, não muda nada: Saber é o caminho para o Poder.
Democracias são sistemas
E, para mim, o governo Bolsonaro é “a consultoria siciliana” fazendo um PenTest na nossa Democrácia…
Sociedades e Ditaduras também são sistemas…
E todos os sistemas podem ser atacados por quem souber mais a respeito deles.
Para muitos apoiadores de Bolsonaro, episódios como o do ex-secretário Roberto Alvim são meras “falhas de trajetória”. “Descuido”. “Deslize”. “Bola fora”. “Acontece”.
“Ele escolheu alguém e esse alguém passou dos limites. Já foi demitido. Fim.”…
Se fosse tão simples, eu estaria dormindo bem nos últimos dias…
Na seção anterior, eu disse que o governo Bolsonaro é a “consultoria siciliana”. Aquela que “testa” o sistema da empresa, sem a empresa pedir.
Originalmente, eu ia dizer que o governo Bolsonaro era o “Red Team that went rogue”, terminologia conhecida na área de SI… Ou seja, “o Red Team que foi pro lado negro”. Eu voltei atrás de usar isso. Porque o Red Team, originalmente, trabalha para sua empresa…
Se a empresa do Bolsonaro é o Brasil, e se o Brasil pediu para ele testar a Democracia, ele testaria, acharia as falhas e brechas, e reportaria o que o Blue Team não fez, mas poderia ter feito, para melhoramos o sistema testado.
Se fosse um Red team que se corrompeu, teria começado certo, com as intenções certas, mas teria se perdido no caminho; por dinheiro, por más influências, ou qualquer coisa do gênero.
Ocorre que, para mim, a cada dia que passa, é mais evidente que o propósito de Bolsonaro (mas, mais do que o propósito dele, o propósito de quem o pôs lá [e você é bem inocente se pensa que estou falando do eleitor dele]) sempre foi esse: De testar o que ninguém pediu para testar.
De tentar invadir o que ninguém queria que fosse invadido.
Fica só a dúvida se quem o pôs lá, entende o risco de que ele – Bolsonaro – não obedeça ao combinado, e não se limite a nada, a não ser ao próprio senso obscuro…
Para entender porquê suspeito disso, você tem que saber como o Brasil surgiu
Mas, claro: Ninguém tem tempo para estudar história básica do lugar onde vive, então, vamos ao crash course:
Acho que um problema na compreensão de todos nós sobre a realidade histórica de como o Brasil virou República e de como chegamos à Democracia, é que fantasiamos muito a ideia de que essas conquistas ocorreram através de luta e sangue, numa disputa até o último homem pela “alma do que é o Brasil atual”…
Ocorre que não foi nada disso.
Historicamente, o Brasil só mudou através de acordos. Nós deixamos de ser colônia com um acordo entre as elites que mandavam no Brasil e nas Capitanias Hereditárias – sabe o Coronelismo típico do norte do Brasil? Então você conhece parte dos herdeiros das Capitanias – e a Coroa portuguesa (em 1822) e, depois, viramos República (acabando com o Império e a sucessão por sangue) com uma tapetada da nova elite agrária brasileira (fincada no eixo São Paulo x Minas) contra o Imperador (o que se sumarizou em 1889) e, só depois, viramos uma Democracia quando a elite brasileira permitiu que parte de sua população votasse diretamente para presidente, em 1894, contando com apenas ~350 mil eleitores e voto censitário – disponível para quem tem posses (e, portanto, não universal, como hoje) (fonte).
Quer saber como voltamos a ser democráticos depois do Golpe de 1964? Com apoio das elites, especialmente, as que controlavam empreiteiras e a mídia, ambas originalmente apoiadoras do Golpe e, mais tarde, descontentes com o governo militar que ajudaram a instalar (fonte).
Então, se por algum momento você já pensou que algo “disruptivo” (neologismo, para o texto ficar mais chique) ocorreu em solo brasileiro simplesmente por “sangue, ideais e glória”, sinto muito ter de estragar sua visão.
O Brasil é fundado como um grande latifúndio. Uma terra para a exploração. E quem mandava no latifúndio era quem ocupava o posto de senhor da produção (a despeito do tipo dela). E isso nunca mudou na constituição do que é o Poder, no Brasil.
Acho que a ilusão de que “o povo está no controle” que vemos por aqui, vem muito da nossa alta exposição (quase sempre, Hollywoodianizada [tente pronunciar isso rápido, 3 vezes]) ao que foi a história dos EUA. Ocorre que lá, diferente daqui, a colonização tinha o central objetivo de fundar uma nação nova, longe do que seus fundadores consideravam a tirania do império britânico (não que, em larga medida, não fossem eles mesmos tiranos terríveis, como comprovaram – ao preço da existência – os nativos de lá).
Brasileiros ao invés de “brasilianos”
E isso explica parte da nossa relação com este lugar…
Já, o Brasil sempre foi um lugar de onde tirar riquezas e mandar para o império português que, antes que você ouse menosprezar, foi nada menos do que o império ultramarino (ou “global”) mais poderoso do período alto da Grandes Navegações, controlando nada menos do que 14 colônias ao mesmo tempo (fonte).
O Brasil carrega de forma tão forte no DNA, a coisa de “terra para se extrair”, e aonde nada se deve investir ou edificar que, diferente de outros povos como, colombianos, mexicanos ou mesmo americanos, nós nos chamamos “brasileiros”.
Ocorre que em linguística portuguesa, o sufixo “ano” destina-se usualmente à nacionalidade de um indivíduo. Já, o sufixo “eiro” é normalmente usado para profissões e ocupações como, carroceiro, barqueiro, cabeleireiro, padeiro, marceneiro…
Assim, “brasileiros” eram os homens que, ao longo da primeira fase da ocupação pelo império português em Pindorama (o primeiro nome da terra que vocês conhecem como “Brasil”), retiravam pau-Brasil daqui para mandar para a Coroa e sua corte.
Ou seja: O que conhecemos como nosso gentílico é, na verdade, o nome original da profissão de quem entrou para extrair e devastar, e quase fez sumir com o recurso natural que, mais tarde, deu nome a uma “nação por acidente”; nação sempre brincando com o risco de se extinguir, pela fúria da própria sanha extrativista (o extrativismo pode até não ser mais tão palpável, mas segue na mentalidade “retire tudo que possa daqui, tão rápido quanto puder”) de cada filho deste solo que és mãe gentil…
“Nação por acidente” porque nunca foi a intenção dos colonizadores que isto aqui se tornasse um país. Não fosse a necessidade estratégica de proteger a Coroa, ante o avanço Napoleônico, – estratégia que, antes que você despreze, foi formalmente elogiada pelo próprio Bonaparte – a família real jamais teria pisado aqui e o boom civilizatório que se instalou no Rio de Janeiro e, mais tarde, contagiou o resto do país, jamais teria se iniciado – pelo menos, não com a força e forma como se deu.
Nosso passado não determina nosso futuro
Mas ignorá-lo é de uma burrice descomunal…
Eu tenho a certeza, por posicionamento moral e ideológico, de que todos podem mudar. Se sua história começou de forma ruim, torta ou mesmo acidental, nada disso significa que sua existência precisa ser ruim, torta ou mero acidente. Em resumo, não creio em “destino” e não creio em “caminho sem volta”. Meu entendimento de mundo simplesmente não me permite ver as coisas por este prisma.
Se o Brasil é “uma nação por acidente” e uma República Democrática porque os poderosos assim permitiram, isso não significa que esse lugar não pode ser uma Democracia verdadeira, plena, e em que o povo em sua totalidade, e não oligarquicamente, decide os passos seguintes do país, e com a qual ninguém brinca ou manipula isoladamente. Mas, isso não é mágico. Não vai acontecer porque “tudo que eu quiser, um cara lá de cima vai me dar”… Aliás, se eu esperar “o cara lá de cima” resolver o Brasil, ferrou! Porque, na fila, tem o continente africano inteiro, que está esperando a ajuda há mais tempo, e é bem mais necessitado.
Brincadeiras maldosas à parte, estou tentando dizer o mais óbvio dos óbvios: O Brasil é o que suas elites poderosas permitem que ele seja e, assim que essas elites cansam do que está em curso, elas fazem o que sempre fizeram: Mudam as regras do jogo, com ou sem uso de força bruta. Tanto faz. Elas não se importam de usar a força. Mas se der para parecer que foi “do povo, pelo povo, para o povo”, tanto melhor. Não por ética, mas pela encheção de saco internacional que a força bruta gera.
E é por não reconhecermos o passado que tomamos por garantido e damos pouco valor ao risco de que nada é em prol de você, que não pertence a nenhuma das elites fundadoras desse lugar…
Esqueça a bobagem de classe média vs. classe pobre. Esqueça “burguês”, e esqueça “esquerdista”… Para essas elites que estou citando, somos todos a mesma coisa: Engrenagens e peças de reposição. Se algumas estragarem o andamento da máquina e do sistema que essas elites idealizaram e sempre mantiveram no curso, elas arrancam as peças “defeituosas”, removem as ameaças, e recomeçam a máquina, tudo de novo.
Bolsonaro é parte desse reset. Ele foi escolhido por elites agrárias e por elites financeiras, e suportado por parte da elite descontente com a hegemonia atual de certa família na imprensa nacional (de vez em quando, as famílias que pertencem à uma dada elite ficam bravas com a hegemonia de outra família naquele segmento; é o que acontece no cenário da imprensa brasileira, hoje).
A elite industrial e financeira fez Bolsonaro adotar Paulo Guedes porque a agenda dele vai ao encontro das necessidades atuais dessas elites de competir com o resto do mundo.
“Rodrigo, pelo amor de Deus, que viagem é essa? Parece papo de conspiração, conversa de sindicalista… Esquerdista…”
Garanto: Não tenho nenhuma simpatia pela proposta de Marx para os problemas do mundo, não concordo com o aparelhamento político dentro de sindicatos que deixam de defender seus associados da real agressão nas Empresas, pra eleger deputado, prefeito(…), e nunca vou chamar ninguém de “companheiro/a”, para ganhar votos ou aplausos…
Isso dito, nada na minha discordância faz com que eu me cegue para a solidez do diagnóstico que alguns desses agentes criticados fizeram e fazem. Eu posso não concordar com “o tratamento prescrito” (e, de fato, não concordo), mas o diagnóstico está certo sim:
O Brasil é um país em que a História prova, por via factual, que sua idealização foi sempre a de terra a ser explorada, e que aqueles que receberam ordens do império para explorá-lo, continuam comandando o jogo através dos tempos e das gerações. Desde a independência, poucas novas famílias surgiram nos seios dessas oligarquias que comandam “o show”. Vou citar algumas áreas onde essas elites residem:
Temos elites que comandam a extração de minérios.
Temos elites que comandam a produção agropecuária.
Temos elites que comandam os bancos.
Temos elites que comandam as indústrias.
Temos elites que comandam a imprensa.
Temos elites que comandam a justiça e o braço punitivo do Estado (Forças armadas, polícias).
E todas essas elites são amigas entre si e se conhecem muito bem. E todas elas comandam como o show chamado “Brasil” é conduzido. E quando elas cansam de brincar de alguma coisa com o resto de nós, que não temos sobrenomes de sangue azul, elas usam todo seu poder e influência para “resetar o jogo”.
“Rodrigo, então, você está sugerindo que não existem elites nos EUA, por exemplo? É um problema só nosso?”
Mas, que tipo de idiota você acha que eu sou???
É claro que existem famílias no comando de várias áreas fundamentais à vitalidade e poderio em cada país do globo (é um globo. Aceitem).
Fica para outro dia e para outro post, mas é exatamente por saber que elites comandando o jogo existem em todos os lugares, que jamais concordarei com a visão liberal da Economia, especialmente pautada na ideia de que a regulação estatal é inimiga do “fair play” de oportunidades, e de que a desigualdade do mundo pode ser resolvida via “meritocracia” (spoiler de post futuro: Se você tem esse tipo de acúmulo de poder, passado de geração em geração, “meritocracia” não pode existir de forma plena e plural, senão em condições muito específicas de avaliação; e aí, deixa de ser meritocracia, de fato)…
Mas, como Bolsonaro entra nisso tudo?
Ele é útil, mas, ele também é instável…
Quem “soltou o cão da coleira”, esperava que ele mordesse uns traseiros que andavam muito ousados e, em seguida, esperavam retorná-lo à coleira. Ele poderia brincar com o sistema, mas sem quebrar…
Acontece que Bolsonaro tem suas próprias ideias de ”certo e errado” e não é muito afeito à hierarquia e obediência não…
“Oi? Você está falando que um capitão reformado do Exército Brasileiro, não é afeito a hierarquia e obediência?”…
Bem, você já respondeu, se pensou assim: Atenhamo-nos, ao “reformado”.
O Brasil é um país em que todos são iguais perante a Lei (CF/88, Art. 5º, Caput). E é por isso que quando Juízes roubam e corrompem (Nicolau dos Santos Neto, já ouviu falar?) eles são punidos com aposentadoria integral (cassada década depois, sem devolução do que foi pago, só pra dar o “cala boca” em quem reclamava desse absurdo que continua acontecendo aos montes), e é por isso que Oficiais das Forças Armadas acabam reformados (aposentados) quando atentam contra a própria instituição… Porque esse é um país em que todos são iguais perante a Lei…
Bolsonaro foi “reformado” porque, não tendo seus desejos salariais atendidos pelos superiores, publicou plano de como atentar contra o próprio Exército Brasileiro (fonte). Ele dirá que foi inocentado do processo, e é claro que foi: Porque, como todos são iguais perante a Lei, no Brasil, Oficiais do Exército não “botam pra quebrar” contra outros Oficiais do Exército. Se Bolsonaro fosse Praça (Soldado, Cabo, Sargento), teria morrido em algum porão pelo que fez, da mesma forma que ele sempre deseja para “os comunistas” (seja lá quem são esses “comunistas”; talvez, eu mesmo seja um, sem saber).
Por não ser alguém que respeita hierarquia e não se sente obrigado a obedecer a lei (nem mesmo a lei marcial, mais rígida e que se aplica ao militar), ao soltar Bolsonaro da coleira de onde ele jamais deveria ter sido solto, seus novos donos (que bancaram sua candidatura com todas as armas disponíveis, incluindo o financiamento milionário de Fake News [fonte]) esqueceram de verificar o óbvio: Ele é um “cachorro louco”, com suas próprias ideias do que é certo e errado, e de quem é bom e de quem é mau.
E Bolsonaro (e seus escolhidos) vem fazendo um PenTest na Democracia
E você não deveria achar que é “sem querer”…
Finalmente, no clímax desta opinião (e é “opinião” porque não posso provar materialmente que Bolsonaro pensa como eu aponto que ele pensa; e eu não acho que minha opinião transforma hipóteses em fatos…), eu proponho que Bolsonaro, seus ministros, seus filhos, secretários, assessores, e todos aqueles que já participaram de algum ataque à nossa Constituição, à outras Instituições democráticas, à parte da Imprensa que não se alinhou (e que também é uma elite, mas é paradoxalmente necessária à Democracia) e etc.; estão todos participando em um PenTest do quanto a Democracia aguenta.
Quer dizer… Se a Democracia é um sistema, ela é só o Front-End (o sistema exposto). Por trás dela, há o Back-end (o sistema de suporte) que é a Sociedade…
Então, na verdade, quando Bolsonaro e seus partidários testam a Democracia brasileira, o que eles realmente estão testando são os limites do povo brasileiro…
O que eu realmente acho que Bolsonaro tenta descobrir é o quão difícil seria tomar o poder do Brasil para si, e quanta resistência popular, social, institucional, e sistemática, ele realmente teria se tentasse fazer isso…
Então ele tenta calar a mídia que não “fecha com ele” (não porque a mídia é boazinha, mas porque ela não confia mais que ele “vai jogar o jogo dentro das regras”). E se batemos palma para o cala-boca dele (ou se a maioria bate palma), ele sabe que calar a mídia não será difícil.
Depois, alguém a serviço dele diz que fechar STF e Congresso é fácil de fazer. Só precisa de um soldado e um cabo… E as pessoas aplaudem de novo. E eles medem se os aplausos são mais altos do que as vaias. Se são, mais um ponto pró-invasão…
Depois, alguém brinca com direitos e garantias, aqui e ali, e, na verdade, tudo parece muito ao acaso, muito desconectado…
E se as vaias superam os aplausos, aí, surge alguém do governo para pôr panos quentes e calar as bocas críticas… E eles dizem “não… Já passou, foi um tropeço, foi um descuido, um exagero…. Acabou gente! Circulando… Não tem mais nada para ver aqui” …
Mas, se você ousar ser um pouco menos crente… Um pouco menos “cordeirinho”… Se você ousar pensar que esses ataques são sistemáticos, coordenados, e não ocasionais ou acidentais, e miram as várias áreas que compõem um sistema que representa uma sociedade em regime democrático…
Então você vai ser capaz de supor o que eu suponho:
Que Bolsonaro está fazendo um PenTest que ninguém o contratou para fazer. Queriam que ele brincasse com o sistema, mas que parasse antes de quebrar. Mas, ninguém sabe ao certo se ele vai parar.
E, como eu, você também vai começar a suspeitar de que quando Bolsonaro estiver convencido de que é possível “invadir o sistema”, só Deus sabe o que ele vai fazer com o poder adquirido sobre ele.
Teoria da Conspiração, sim. Em algum grau, pensar como penso aqui, exige uma dose de imaginação, já que PROVAS não são tão fáceis de conseguir, e jornalismo investigativo não é minha profissão. Mas, só estou ousando pensar além da mensagem oficial de que tudo não passa de “mal-entendido”. De “fala fora do contexto”. De “excesso”.
Ou “coincidência”… Imagino o tamanho do esforço do Cosmos para fazer um Secretário de Cultura tocar Wagner, enquanto repete quase que textualmente o ideólogo-mor do Nazismo… O Cosmos precisou alinhar uns 100 planetas para essa coincidência ser viável.
E ainda que eu esteja errado (e, não duvide caro[a] leitor[a]: Torço a cada segundo pra errar feio nisso aqui), e que seja, mesmo, tudo apenas uma grande pataquada de incompetentes e inaptos, escolhidos a dedo pelo sujeito eleito pelo voto popular de gente que pensa só com o fígado… O estrago desses discursos não poder ser menosprezado, ainda assim.
Se Bolsonaro não é mesmo a favor de discursos Nazistas (e não apenas “porque os judeus ficam de mimimi” [termo que ele adora utilizar], mas porque é filosoficamente contra), o fato é que seu discurso virulento, raivoso e segregacionista, dá o reforço moral para gente lunática sair dos porões onde estava trancada com toda sua loucura e perversidade.
Se Bolsonaro não apoia realmente o espancamento de gays e lésbicas, seu discurso de que estes são “menos que gente” reforça, no coração de gente bestial, “o direito divino” de resolver o que Deus não parece se importar. Porque se Deus é tão poderoso, e gays o enojam tanto, ele poderia matá-los com o simples comando da palavra, ou até proibi-los de existir, fazendo com que todos nascessem sempre héteros, não? (E sim, isso é uma provocação para quem se irrita mais do que Deus parece se irritar com os problemas privados da vida sexual alheia).
Enfim: Se Bolsonaro não é o Demônio que suas falas e atos demonstram, no mínimo, ele avaliza, com direito à chancela presidencial da República Federativa do Brasil, todo tipo de mal e danação que todo ser humano, realmente de bem, repudia como: Por exemplo, matar alguém que pensa diferente de mim, ou que ama alguém que eu não amaria.
E esse penúltimo parágrafo é o melhor cenário. Eu garanto
O pior, eu expus ao longo do texto inteiro…
Mas, sumarizo: Bolsonaro está testando o quão vulnerável é o sistema democrático brasileiro. E nem seus donos (que o tiraram da coleira), nem seus eleitores; mas só Deus sabe o que ele fará quando descobrir as vulnerabilidades desse sistema.
Como qualquer livro de Ciências demonstrará nos capítulos iniciais, durante a fundação do saber científico para o leitor, o Conhecimento (científico) é a informação e o saber que parte do princípio das análises dos fatos cientificamente demonstrados.
Para ser conhecimento científico, este ainda precisa ser fruto de uma sistematização, tipicamente proposta pela área do conhecimento científico em questão; É essa sistematização que, por exemplo, nos faz saber que a soma de dois termos cujo o segundo está elevado a uma potência N, requer, primeiro, a resolução da exponenciação deste termo para, só depois, realizar a soma. E é por essa sistematização que em qualquer lugar do mundo 2 + 2² é sempre 6 e nunca 16.
O conhecimento precisa ser verificável, de tal modo que outros possam, partindo dos mesmos pressupostos seus, chegar às mesmas conclusões que seu experimento apontou; assim, não há “pesquisa científica” ou “estudo de renomados pesquisadores”, cujos os papéis não estejam devidamente publicados nas revistas e sites internacionais, relevantes para aquela área do saber científico. Os “papers”, como são genericamente chamados, citam em detalhes como a pesquisa foi conduzida, as premissas, as condições do estudo, os métodos e equipamentos utilizados, de que maneira, e detalham cada passo até o achado que se quer provar verdadeiro. Não existe “caixa preta” na Ciência, e ninguém acredita em nada que não possa ser reproduzido e que não tenha a devida transparência. Aliás, é exatamente esse ceticismo que protege quem acredita no Conhecimento científico contra as fake news: Se só “aquele site”, “aquele grupo do whats”, “aquele pesquisador” afirma, grandes chances de não ser verdade. Simples assim.
Por fim, o conhecimento científico é sempre falível, ou seja, não-definitivo; e é esperado que ele possa estar incompleto e venha a ser complementado ou até mesmo desmentido por teorias melhores ou mais completas, no futuro. Não há dogma ( = uma afirmação que não se pode discutir) no Conhecimento científico.
Curiosamente, no pior plano de governo já apresentado por um candidato à Presidência – neste caso, do então candidato pelo PSL, Jair Messias Bolsonaro – nada se podia aprender ou deduzir, porque o plano não dizia… bem… Não dizia nada. Nenhum sistema, nenhuma informação verificável, nenhuma presunção de que os dados podem ser falíveis; só frases soltas. Chavões como “devolver a pátria ao seus verdadeiros donos: os brasileiros”. Não dizia o que estava errado, como foi medido, quais as fontes, quais as medições, o método, a ferramenta. Nada. Frases, frases de para-choque. Muito efeito, pouca utilidade.
Mas, uma frase era repetida à exaustão nos palanques do Presidente eleito, nos (poucos) programas de TV em que apareceu e cujo o mais pobre plano de governo, ao qual eu já tive o desprazer de ler, estampava em sua capa (e, sim, leio todos os planos, inclusive daqueles candidatos que eu certamente não votarei, porque boa política nacional não se faz com cegueira, e é preciso ouvir até aqueles com quem não concordamos em nada, para se tomar decisões informadas): A frase dizia “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, em referência ao livro bíblico de João, capítulo 8, versículo 32.
Bem; seja lá o que se entende por “verdade” como lido na passagem bíblica, certamente, Bolsonaro e eu discordamos em cada aspecto do que “verdade” significa.
(Não só para mim) Verdade é algo que decorre de um conhecimento sistematizado, verificável e falível. Descargas elétricas atmosféricas (DEA) são descargas elétricas de grande intensidade na atmosfera, entre regiões eletricamente carregadas e têm o que é preciso para matar seres humanos. Beber leite com manga não mata ninguém. Ponto.
O primeiro é um conhecimento científico (os efeitos da corrente elétrica nos tecidos musculares dos seres vivos e a capacidade de interrupção do ritmo cardíaco, gerando fibrilação e até a morte, são fatos conhecidos pela comunidade científica). Já a vitamina de manga, considerada até hoje perigosa por alguns, não possui qualquer explicação nem prova de sua alegada potência tóxicologica no sistema digestivo de seres humanos.
Mas, o Presidente discorda de mim (o que não é um problema per si, claro). Para ele, “verdade” é algo que depende. Depende de quem diz, depende do efeito que causa, depende se interessa às crenças dele e de seu “núcleo-duro”. Se contradiz o que ele acredita, então, não é verdade. No exemplo de cima, se ele crer que leite com manga mata: mata. Ponto. Se alguém usar de método para demonstrar que não mata, estará, possivelmente, ligado às forças “vermelhas”, “com objetivos perigosos à Nação”.
Não tenho dúvidas de que as forças vermelhas existem. Para mim, Putin e sua “nova Rússia” são bem reais e bem perigosos. Eu apenas tenho razões (científicas) para crer que este Vladimir não dá a mínima para esse tipo de discussão (sobre a letalidade de leite com manga).
O ex-KGB também não está interessado nos dados do desmatamento da Amazônia, ou, melhor dizendo, não o bastante para manipular, sistematicamente, e por anos (mais de década), os dados da série histórica do INPE. Para o azar de Bolsonaro – e seu hábito covarde de mandar recados e “fritar” subordinados, via imprensa e Twitter – o representante do INPE teve coragem de lembrar o mandatário do país sobre a própria ignorância, e deu a sugestão de “fechar o bico”.
Lamentavelmente, caiu o último ministro “intocado”: Marcos Pontes se deu ao papel de lacaio do Bully (que faz bullying com seus subordinados pela Internet e mídia), e foi tirar satisfações com o diretor do INPE que “não tratou o Presidente com o devido respeito”. Bem, diz a lei que injuria trocada não dá nada. Quem começou com a falta de respeito foi o ocupante do cargo máximo. Aliás, é sempre ele que começa com a falta de respeito. Ele não faz ideia do decoro necessário para estar no cargo que ocupa. Falar da falta de etiqueta de Lula, nos 8 anos em que lá esteve, se torna assunto suave diante das barbaridades cometidas por Bolsonaro em 200 dias.
Também, fico pensando que “força oculta” está interessada em aumentar os dados nacionais sobre a miséria e a fome feitos tanto pelo IBGE, quanto pela FAO (Agência de agricultura e alimentação da ONU). Ainda que o feito seja possível, qual o ganho? Para quem? Não consigo bolar algo minimamente plausível.
Depois, o combate às drogas não deve respeitar metodologias científicas de desintoxicação. Para Bolsonaro, o modelo realmente funcional é o da abstinência. E ele não vê problema de injetar R$153 milhões (públicos) em associações religiosas (e privadas) que pregam o mesmo. Darei um desconto porque, diferentemente do Presidente, eu sempre ouço aqueles que estudam: Não há um consenso absoluto se o melhor método é o gradual, ou o da abstinência, e cada tipo de droga e paciente significam reações e resultados diferentes. No mínimo, é possível afirmar que a abstinência não é o melhor para todos os casos.
Bolsonaro também não acredita no Instituto Rio Branco, tudo que ele representa e representou na história das relações internacionais do Brasil, e na seriedade da carreira diplomática. A ideia de que um Embaixador precisa ter uma formação que, entre outras coisas, cobra Português, Espanhol, Inglês e Francês em bom nível (isso é o mínimo para se fazer a prova de admissão no Instituto), lhe parece de todo ridícula. Para ele, laços sanguíneos e uma boa postura à frente da chapa quente são mais qualificadores do que um “diplominha safado” de Rio Branco (“diplominha” que pouquíssimos conseguem obter).
Bolsonaro também provou que nem mesmo os dicionários estão acima do seu conhecimento. Segundo Bolsonaro (que disse o que segue, com todas as letras), embora ele esteja sim ajudando um filho dele e o beneficiando, isso NÃO É NEPOTISMO. Já enviei uma carta ao Houaiss pedindo a revisão do verbete em questão. O dicionário precisa saber que está obviamente enganado, conforme o Presidente esclareceu.
Eu pensei em fazer o que sempre faço com meus posts:
Pensei em pegar cada afirmação de Bolsonaro, nesses pouco mais de 200 dias de governo, que mais lembram 4 anos, e levantar cada fonte, cada método de pesquisa, detalhar a metodologia empregada por cada agência, detalhar os estudos cruzados, as co-validações da comunidade científica. Nada disso é difícil porque todos esses órgãos e fontes questionados pelo “Presida” divulgam, cientificamente, seus métodos, ensaios, estudos… Está tudo lá, basta querer ler… E…
E… Desanimei.
Desanimei porque, sinceramente, se você consegue ler esse texto até aqui, significa que você, mesmo que tenha votado no pior Presidente que o Brasil pós-ditadura já teve, sabe que o seu candidato eleito está a cometer todo tipo de atrocidade contra a Ciência, contra o Conhecimento, e contra a Verdade; todos com letra maiúscula, como instituições, entidades (coisas que devemos defender como conquistas valiosas da nossa civilização).
E a questão acaba ficando óbvia: quem precisaria ler isso é justamente aquele que eu não consigo atingir: o fanático. O “Bolsominion”. Esse sujeito que – tal qual o Lulista que prefere ruir o PT de Hélio Bicudo a largar do “Filho do Brasil” – é cego, não importa quão óbvia seja a realidade. Prefere o homem às instituições. O homem que corrompe. O homem que passa. Versus as instituições que suportam o peso dos séculos, garantindo confiança e estabilidade, por muito tempo.
Tal cegueira não pode ser vencida pela razão. Se pudesse, sequer estaríamos discutindo isso tudo. E aí, pela primeira vez em anos, pensei: Para que? Para que passar horas lendo documentos de N páginas, detalhando metodologias, estudos de apoio, modelos estatísticos… Para, no fim, alguém ter a coragem de “gritar” (usando caps lock): “Então você prefere o PT?”.
Sempre me lembro da frase que aprendi com o amigo Vital, embora não saiba se essa versão é de autoria de Mark Twain:
“Nunca discuta com idiotas, porque, de fora, não dá para saber quem é quem”…
O Márcio (com quem sempre discuto política) bem sabe que eu evito adjetivar pessoas, por mais que elas venham a merecer (ele fica bravo com minha insistência nisso). Odeio adjetivar porque sei que quando digo “esse cara é burro”, tudo o que ele diz depois, vem com a lembrança “burro, burro, burro”. Daí pra frente, não consigo mais acompanhar o raciocínio da pessoa sem lembrar que ela é burra pra mim. E não é assim que gosto de pautar minhas discussões.
Por mais que possamos discordar, eu quero sempre que você tenha o direito de falar. Quando luto pelo seu direito de pensar diferente, luto pelo meu, de lambuja. É melhor ter o direito de falar burrices, do que ser proibido de dizer verdades, penso eu. Como “verdade” e “burrice” tem dependido de quem se senta em Brasília (e não de conhecimento e rigor em sua validação), é melhor defender a liberdade de ambos, só por (minha) segurança.
Mas, este é o dia em que tenho que admitir que não dá pra evitar adjetivos, sempre.
Bolsonaro é um ignorante no sentido lato e stricto sensu, odioso da verdade (que, não, não depende de quem diz e, se depende, não pode ser chamada de “verdade”), odioso do conhecimento científico que não corrobora suas crendices e má-formação intelectual de um homem que até parece que se educou em roda de colegas de bar, de uma anedota em outra, de uma crendice popular em outra.
Se o fato não lhe apoia, o problema está – óbvio – no fato. Como dialogar civilizadamente com gente que, como Bolsonaro, escolhe o site “DiarioDohomemBrancoMachoCristão.com.br”, ou o texto copiado e colado no Whatsapp, ao invés do estudo na “Nature”, ou de matéria corroborada em 4 ou 5 fontes da imprensa nacional (só exemplo), para discutir um dado assunto?
Não. Eu não consigo me animar. Não consigo sequer me forçar a apontar os estudos, a seriedade, o método. Não vale a pena. É perda de tempo. São pessoas que entraram em suas câmaras de eco e só podem ouvir aquilo que apoia suas crendices, seus mitos e seus folclores.
Mas a beleza da Ciência é, pelo menos nesse aspecto tautológico, singular: Não importa se você tentar forçar uma ideologia “de Esquerda” ou “de Direita”, o desmatamento é uma medição de área desmatada, e a fome é medida por peso, nutrição e outros parâmetros objetivos de saúde da população. Em resumo, não importa com o que você quer que a verdade se pareça; na Ciência, ela vai parecer só o que ela pode parecer, e não o que você deseja.
Bolsonaro vai deturpar a verdade por 4 anos. E depois dele, a verdade vai vir à tona. Com sorte, em tempo de salvar da desgraça dos maus feitos que ele realizou e realizará.
Para seus devotos, nada do que eu disser importará. Para eles, a verdade é totalmente subordinada à fonte. Se não veio do “Mito”, se não apoia tudo o que ele diz, não pode ser “Verdade”.
Aliás, mais uma carta para a turma do Houaiss: “Mito” vai precisar mudar:
O sentido que diz que “Mito” é “algo ou alguém cuja existência não é real ou não pode ser comprovada.” vai ter que sumir das páginas, tálquei?
O que acontece quando um Estado atua, sem limites claros e predefinidos?
Se você conseguiu passar do título, parabéns:
É menos radical do que a maior parte daqueles que convivem (convivem?!) nas redes sociais. Não, essa conta não foi hackeada. Sou eu mesmo, Rodrigo, escrevendo isto, desta forma, com o desfecho que segue. Se você me conhece bem, não deveria ser nenhuma surpresa, contudo…
Bem, como a maioria (dos que me prestigiam por aqui) sabe, escrever tem sido um hobby do qual estou sendo privado. Não por cruel destino, mas, porque escolhi fazer outra formação. As provas do semestre terminaram na última sexta e, até agora, vou bem (ufa!). Falta uma! Solta a nota, f-sor! Libera nóis! 😛
Por que isso é relevante? Bem, eu não tenho tido tempo para muitas coisas. Na verdade, em vários temas, eu só tomo conhecimento quando já viraram memes. Foi assim com “juntos e shallow now”, por exemplo. Só entendi a porcaria do meme quando fiquei sabendo da porcaria maior que o originou. Isto dito, tenho perdido muito da cultura POP dos meus dias, e as séries não têm privilégio. Nunca vi Game of Thrones. Também não vi Black Mirror, ou Stranger Things. Não vi algumas franquias que gosto (como o último Missão Impossível) no cinema. A vida de quem leva o estudo minimamente a sério é assim. E eu levo (não porque sou demais, mas, pra começo de conversa, porque eu pago o boleto e é integral).
Bem, ocorre que o Marcião e o Samuca (amigos de labuta) me infernizaram na última semana de provas, sobre uma tal minissérie da HBO chamada “Chernobyl”. Foi cruel. A forma como debatiam o tema foi como saborear um BigMac na frente do gordinho que está começando o regime, hoje. O assunto me é de um fascínio enorme. É um evento histórico que muda o curso da Guerra Fria, ocorre a menos de 20 dias do momento em que nasci, e tem tantas controvérsias e reviravoltas quanto as melhores obras de Tom Clancy. Enfim: Foi fascinação total e absoluta, de cara. Quando me disseram que não era uma série com temporadas, sem necessidade de jurar amor eterno, mas sim uma obra fechada em si com 5 episódios, eu gamei de imediato. Tanto que assinei a HBO para poder assistir. E valeu cada centavo.
Eu não vou dar spoiler (pergunta colateral: É possível dar spoiler de algo real que aconteceu há mais de 30 anos?), mas, o que a série fixa bem é que há um amontoado de mentiras e atalhos em um projeto crítico, mantidas por uma complexa e pesada “mão estatal” que a todos assusta e corrompe, em um modelo de autoridade inquestionável como era a então União Soviética. E a frase mais marcante está, justamente, no fim. Legasov (e não vou explicar nada do personagem para que você tenha que assistir) explica que “o reator explodiu por causa das mentiras”. Finaliza com o que ganhou do episódio de Chernobyl – adaptado aqui – “Se antes eu tinha medo de dizer a verdade, agora, eu apenas me pergunto: Qual o custo das mentiras?”. Essa fala me atingiu com muita força.
Qual o custo das mentiras?
Eu assisti Chernobyl sob o choque do horror do envenenamento por radiação, cruelmente retratado na dimensão humana, na fauna e flora. Mas, pessoalmente, as cenas de maior horror para mim, raramente envolviam as camas de hospital ou os animais mortos. As cenas de horror, para mim, estavam nas salas de reunião, nas decisões de engravatados sobre a vida de milhares e até milhões. “30 mortos ‘diretos’”, é o que diz o relatório oficial. Se mataram menos de 100 mil pessoas, é de se admirar.
No fim, o horror da série, pra mim, não estava no quarto de hospital onde o bombeiro apodrecia como uma banana velha. O horror, pra mim, estava no aparato estatal. Na frieza daqueles que decidiam quantos mil saiam e entravam em contato com os mais de 15 mil Roentgen emitidos pelo núcleo aberto do reator 4. “O que são 15 mil Roentgen?”, você pode perguntar… Bem, 1 Roentgen vale 9,33 milisievert (msv). Um raio-x de tórax te expõe a 0,02 msv; uma tomografia, 0,15 msv… Quando até os robôs quebraram (por mais mentiras dos soviéticos aos alemães que emprestaram) e Scherbina se desespera e estraçalha o telefone, a decisão é uma só: Mandar (mais) gente fazer o trabalho que os robôs não conseguiram.
Dezenas de bombeiros. Os operários da usina. Os mais de 400 mineiros. O pedido por mais de 700 mil homens (que ficaram conhecidos como “liquidadores”) a serem recrutados para os trabalhos de isolamento do reator 4 e de toda a planta em Pryp’yat’, e de toda a limpeza da área imediata à usina.
Mentiras. Mortes. Mais mentiras. Sob a égide de um Estado que não podia ser questionado e que não ouvia ninguém senão aqueles que concordavam em moldes sacerdotais, sem hesitar.
Hobbes e o Leviatã
Ocorre que Hobbes, cientista político importante para a Teoria dos Contratos Sociais, já havia advertido sobre o que é o Estado. O Estado é um monstro: O Leviatã. Essa é a imagem-tema deste post, feita por Gustave Doré e, hoje, de domínio público.
Ser mitológico que, na leitura judaico-cristã, é o demônio da Inveja, citado no livro de Jó; ser de proporções bestiais, ora serpente, ora polvo, ora dragão. É assim que o Hobbes descreve o Estado. Uma monstruosidade.
Para quem não é familiarizado com a obra, Hobbes não é contra o Estado. Não. Para Hobbes, o Estado é um mal necessário porque, em sua ausência, existe apenas a “guerra de todos contra todos” (bellum omnium contra omnes), e o homem é mau em sua essência natural (“o homem é lobo do homem”, ele dirá).
O mais importante da teoria contratualista (seja em Hobbes, em Rousseau, ou Locke) é que cada homem e mulher abre mão de suas forças naturais e até mesmo tecnológicas, para ter seus interesses e conflitos regulados por um ente fictício e invisível que é o Estado. Parece óbvio dizer, mas, o Estado não existe sem a sociedade, embora muita gente tente inverter a ordem dessas duas coisas, seja na forma de construir as responsabilidades de cada um, seja na forma de encarar o papel que lhes cabe.
E qual é a importância disso tudo? A importância disso tudo é que porque o Estado é uma Besta, uma monstruosidade, mas, também a forma que a história humana encontrou para regular nosso convívio, foi preciso criar mecanismos que não apenas regulam as ações deste Estado, mas também o submetem a uma série de obrigações de não-fazer. Tais obrigações de não-fazer e regras de engajamento do ente estatal colocam a força bestial do Estado em uma situação domada, controlada, previsível e relativamente balanceada com as forças individuais do cidadão que lida com a Besta omnipresente.
O “Estado Democrático de Direito” é exatamente isso: Um Estado, uno quanto ao seu Poder, cujos representantes das repartições do Poder estão lá porque representam parte da população, e por esta foram eleitos, e a parte mais importante: “DE DIREITO”. Ou seja, não é um Estado de Exceção. Não é um Estado Totalitário, um Estado Absolutista… Nada disso. É um Estado de Direito… E um Estado de Direito se baliza, se move e, principalmente, se limita, pelo Direito.
Direito, às vezes, de costumes, de relevância social, de precedentes, de aplicação mais flexível e discricionária ao aplicador como o é no Direito Anglo-Saxão da “Common Law”. Ou, também, o Direito mais tradicionalista, Germânico-Romano (Civil law), de formalidades e de transformações sedimentares, processuais, que busca maior estabilidade e previsibilidade nos códigos e nos ritos processuais, utilizados ao longo da aplicação da Justiça.
Os modelos Anglo-Saxônico e Germânico-Romano não são melhores uns que os outros, per si. São modelos com qualidades e defeitos. Nenhuma sociedade é refém de suas leis. Todos os povos, pelo poder da autodeterminação, podem reescrever suas Constituições, seus valores morais e que, mais tarde, serão codificados (ou não, como no caso da Constituição no Reino Unido que é apenas tácita) em forma de lei a ser conhecida por todos (mesmo aqueles que não sabem ler, e que não sabem ler por falhas da família, da sociedade, e do Estado, NESTA ORDEM – outro post, outra hora).
O nosso povo, em seu momento Constitucionalista mais recente (1988), optou por permanecer ligado ao modelo Germânico-Romano-Canônico (posso colocar referências por mais umas duas linhas)… E, até onde sabemos, não houve outra evocação do Poder Constituinte Originário, capaz de reformar nossa base de Estado Democrático de Direito de maneira tão profunda. Portanto, normas escritas, rito, tradição, seguem – cientificamente falando sobre Direito – mais importantes do que outros valores.
Cacete, que horas o Lula fica livre por causa de Chernobyl?
Aqui.
Eu precisava (para não parecer travestido em militante do PT, ou um lunático sensacionalista) te dar a base do meu raciocínio para te levar às conclusões que tomo agora:
Porque o Estado é um mal necessário;
Porque o Estado reúne força descomunal, bestial e, em sua condição desregrada, a todos esmaga e massacra (se tem dúvidas, visite um Estado Totalitário, e tente falar livremente sobre o que pensa);
Porque o Estado Brasileiro é um Estado Democrático de Direito;
Porque o Direito Brasileiro é um Direito de orientação tradicionalista, ritualística, fundada em norma escrita, e que não prioriza costumes, ou discricionariedade (vontades) do operador da lei;
Porque a Lei brasileira é clara quanto ao rito do Estado Brasileiro de Direito contra o acusado de crimes, através do Código Penal (Direito Material) e, mais especificamente, via Código de Processo Penal (Direito Formal) que estabiliza e garante a previsibilidade de como a Besta processará e, eventualmente, condenará o indivíduo;
Por todas as razões supracitadas (mais algumas outras que não ajudam a concluir o post), Lula precisa ser libertado de sua prisão que, se não é imoral (na hipótese de que ele é mesmo criminoso – hipótese que requer provas, e não pode depender de “forte sentimento”) é flagrantemente ilegal. Seu julgamento, que gerou a condenação, precisa ser anulado. Sob pena de não mais vivermos em um Estado Democrático de Direito, mas sim, em um Estado de exceção, como a Coréia do Norte, Sudão, Venezuela, Arábia Saudita (que, cabe a nota, é amiga intima dos EUA, aquele país que luta contra ditaduras – quando interessa, claro) …
Na ânsia de ativar o Estado (representação de todos nós) contra aqueles que o lesavam, (lesando a todos nós), os envolvidos no recente vazamento de conversas privadas (o que também pode ser crime, mas, dois erros não fazem um acerto), Moro e Dallagnol traíram aquilo que juraram defender: A ordem legal. O vazamento revela (e os acusados não tentaram desmentir a veracidade das conversas) que os operadores do Direito ignoraram completamente as amarras que estavam lá para domar a Besta Estatal.
Aprendemos desde cedo, no Direito, que a Jurisdição (dizer o que é certo e o que é errado; qual é o direito de cada um) é função inafastável do Estado. O Estado jamais pode se eximir de dizer o Direito.
Para que esse mecanismo de dizer o que é certo e é errado, de maneira inquestionável, jamais possa ser raptado pelos interesses de uns – por mais nobres que eles possam ser – criou-se uma dezena de mecanismos, e um deles é o mecanismo que faz o Judiciário se submeter à inércia; ou seja: Sem provocação (dos cidadãos, ou do Ministério Público), um Juiz JAMAIS pode sair de sua cadeira e distribuir sentenças, AINDA que o crime esteja ali, na sua face. Ele tem meios expressos de acionar a máquina, claro, mas não consegue mover a Justiça sozinho (se a regra for levada a sério, claro).
É como uma arma de fogo: O Juiz é o revolver. O Promotor é a munição (ou função que tenha direito de mover ação no Judiciário). Sozinhos, nenhum dos dois conseguem ferir ninguém. Juntos, são arma pronta para disparo. Mas se esta arma é a Justiça, e a Justiça deve ser cega para que possa ser imparcial, então, “bala” e “revolver” não podem nunca “combinar o jogo”. Você pode se sentir tentado a dizer que essa é a minha opinião, mas não é só “minha opinião”. Minha opinião não faz nada ser verdade. Essa é a lei.
Código de Processo Penal, artigos 104, 112, e mais importante, 564, inciso I, onde se lê que a nulidade ocorrerá por incompetência, suspeição ou suborno do juiz. Não, não se trata do que eu acho. Se trata do que diz a lei. A lei que foi pactuada por todos nós, quando aceitamos viver sob a égide do Estado.
E por que diabos eu quero um Estado fraco, amarrado, e incapaz de combater aqueles que fazem o mal?
Bem, essa talvez seja a parte mais fácil de explicar, se você leu com atenção até aqui.
O Estado é uma Besta. Uma criatura de força descomunal. Pense no pior criminoso que você conhece. Digamos que há uma cria gerada a partir dos condenados – desta vez, os condenados com provas – pela lava-jato, mais Marcola do PCC e Beira-Mar do CV. Dessa junção monstruosa, nasce o Mal encarnado em um único ser humano. Conseguiu visualizar? Bem… Esse ser humano é uma “pulga” para o Estado Brasileiro. Uma pulga. Se o Estado determinasse que esta cria do mal fosse exterminada, usando todas as armas que o Estado detém, esta “pulga” não teria qualquer chance. Não importa o quão “sangue-ruim” seja um ser humano. Diante de um Estado funcional, ele não é nada. Nada. Osama Bin Laden foi o mais temido terrorista da história recente. E mesmo cercado por uma tropa de fiéis, escondido por mais de uma década em um Estado estrangeiro e não amigável aos EUA, ele foi finalmente eliminado. Ele era uma pulga. Irritante e perigosa, claro. Mas uma pulga. E foi esmagado. Não tinha como revidar contra um Estado inteiro, focado em eliminá-lo.
Se Lula é criminoso (eu acredito que sim, mas acreditar não é o bastante), cabe a Besta que é o Estado, com todos os seus meios legais e regulados pela Processo Penal e Civil, provar, sem dúvidas, de que ele é mesmo criminoso. Estado que tem BacenJud, InfoJud, RenaJud, Polícia Federal, Peritos, Grampos, Parcerias internacionais, ABIN… Se com essas agências e mecanismos, o Estado não conseguir provar a culpa de alguém… Deus nos ajude….
Coloque isso na sua cabeça, não importa se você concorda sobre Lula, ou não: A relevância de uma pessoa é insignificante, por mais importante que ela seja, caso ela decida lutar contra um Estado ilimitado, bestial, e que não está amarrado por regras. As regras precisam existir para que o Estado não decida esmagar eu ou você, quando qualquer pessoa desafeta a nós chegar às rédeas do Poder. Regras que precisam não quebrar, regras que não podem ser ignoradas, nem aplicadas “ad-hoc” (quando convém). O Estado, se democrático e de Direito, jamais pode atuar pela exceção. Exceto diante da guerra com outro Estado. Aí, a própria lei prevê as exceções (e.g.: o estado de sítio), e escalona o poder da Besta (Sanções políticas, econômicas, intervenção militar, uso de armas de destruição em massa, etc.).
E, hoje, um Estado de exceção se aplica contra Lula. E você ri. Ri porque o odeia com todas as suas forças e fibras do seu corpo. E você tem esse direito (de odiá-lo). Tem esse direito porque vive em um Estado de Direito, que o permite sentir ódio (mas não agir com base nele) de alguém que você não gosta.
Eu, pessoalmente, não gosto de Lula. Não gosto de sua imagem cuidadosamente construída para ser o novo “Pai dos pobres” (em uma sociedade viciada em esperar pela ação alheia, enquanto procrastina diante da sua própria obrigação). De seu proselitismo político, de sua retórica preconceituosa com gente como eu que decidiu estudar as questões e discordar, e não se mover ou se vender ao seu populismo – o mesmo populismo que, nas mãos da Direita, conduziu um completo despreparado à Presidência do meu país, que se afunda no abismo, dia após dia.
Não. Eu não gosto de Lula. Também não desgosto. Apenas acho que ele não tem a(s) solução(es) que meu país tanto precisa.
Mas esse gostar/não-gostar não me faz esquecer que ele é só um homem. E que, contra ele, há um Leviatã com poderes quase infinitos, que tudo pode, e que a única forma de estabilizar a balança (da Justiça, a quem estou me dedicado e pretendo defender um dia) é via regras que não admitem exceções. Nem para os que odeio, nem para os que amo, nem para os quais sou indiferente. Um Estado de Direito. Não de exceção.
Porque hoje é Lula. Mas amanhã, posso ser eu diante da Besta. E ai de mim – e de qualquer um – se enfrentá-la sem nenhuma amarra e proteção.
#LulaLivre – Não porque gosto ou desgosto dele. Mas, porque gosto da Lei e do Estado Democrático de Direito. E aprendi com Chernobyl que quando não há limite, nem vigília, o Estado me esmaga sem qualquer chance para mim.
Você pode achar que os fins justificam os meios e que para prender Lula, vale tudo, inclusive ignorar as regras, e mentir sobre os reais motivos que o mantém preso. Mas eu te pergunto agora, com a tristeza e sinceridade de quem teme que a Democracia morra pelas mãos de quem pensa a defender: