O permanente silêncio dos bons

Está sendo uma semana muito dura…

No fim de semana, senti a necessidade de falar sobre Democracia e sobre nossa obrigação de não cruzar com a “cadela que está sempre no cio” e vem uivando, mais do que nunca, especialmente através de figuras que deveriam ser os mais ferrenhos defensores do sistema vigente, mas não são.

Um dia depois do post, o filho do Presidente (com letra maiúscula, só em respeito à instituição da Presidência da República) publicou um tweet onde explicou para sua tropa: O país não mudará conforme eles querem, via Democracia. A Democracia é, portanto, um empecilho para o filho do Presidente, democraticamente eleito, e que também é, ele próprio, ocupante de cargo eletivo na Câmara de Vereadores Carioca.

Fiquei “satisfeito” de ter escrito sobre o tema, pouco antes do arroubo do “Pitbull do Clã”. “Clã” … Ainda somos uma Democracia? Sigo insistindo que, por pior que seja (e está “bastante pior”), a Constituição ainda continua válida e as Instituições ainda operam minimamente conforme o ordenamento jurídico, e tão impessoais quanto sempre foram. Mas, já me pego pensando se estou olhando para uma casca saudável de um ovo podre… Tenho que vigiar os pensamentos. É muito fácil afundar na desesperança. Razões para acreditar diminuem dia após dia, notícia após notícia. Tweet após tweet…

Como não é diferente de qualquer família, a minha também tem seu grupo de Whatsapp. Entre os cem “bom dia’s” e os duzentos “feliz aniversário’s” (quando alguém é o felizardo, claro), surge sempre uma frase em prol de um ato totalitário, quase sempre, fake news. Absurdos de todos os tipos e tamanhos… O “esgoto” da fake news política passa por lá. Faço uma pausa para pedir desculpas se um familiar meu ler isto e se ofender. Não foi a intenção. Não foi mesmo. Mas o “esgoto” continua lá, com a ordem do Presidente para prender ministros do STF, a ordem do Ministro da Justiça para invadir “a casa dos Petralhas”, a “prontidão dos militares para fechar o Congresso”, e por aí vai. Tudo tem foto, tudo tem fonte. Nada é de verdade, óbvio. Tão óbvio que seguimos aqui, mesmo que aos trancos e barrancos, e nenhuma das profecias se cumpriu, jamais. Mas isso não importa em nada. Eles seguem “bombando” o fake news de que alguém está para “acabar com a roubalheira” (o nome que dão para Instituições democráticas que, sim, podem estar sob o comando de depravados e vigaristas, mas, já falamos no Domingo sobre o dilema do bebê e da água suja).

Eu nunca entendi o fascínio dos meus compatriotas pela Ditadura. Já refleti sobre isso por horas… Dias, até. Nunca entendi como o país, comandado por homens fardados, sob forte ordem militar, onde quase nunca se questiona o que vem de cima, onde só existe “missão e obstáculos” (se você não ajuda na missão, você é obstáculo), e que sempre dizem, em tom de chacota, “paisano ( = civil; eu e você) é bom, mas tem muito”, pode ser melhor do que o que temos agora. E não é por causa da piada, porque como profissional de TI, eu também tiro sarro de algumas condutas de usuários da Tecnologia. E, novamente, preciso parar e pedir desculpas se ofendo alguém com essa elucubração.

Venho de uma família de militares, pra dizer o mínimo. Tenho admiração e, até os 27 anos, cogitei ingressar na força policial, seriamente. Nunca foi pelo dinheiro (que é ridículo), mas, foi sempre por um forte ideal de entrar, aprender, sofrer, e mudar a instituição, devagar e sempre, e por dentro (o único caminho comprovado e aceito pela tropa. A PM é uma instituição hermética e mudanças vindas de fora são, em sua maioria, descartadas; a despeito da possível validade delas). Já estou longe do argumento inicial…

Meu ponto é que jamais compreendi o fascínio de familiares, amigos, e tantos civis (em 2017, pesquisa realizada em 24 estados, com 95% de confiança, mostrou que um em cada três brasileiros [~35%] apoia uma intervenção militar) com uma possível volta da Ditadura militar. Não porque militares sejam maus. Mas, simplesmente, porque eles foram doutrinados para viver sem inúmeras liberdades. Pensar livremente e tomar decisões por si só, não é, nem de longe, o ideal para o serviço militar.

Eu não achava um mínimo de razão nesse apoio. Até ontem.


Vou adiantar o óbvio: Nada mudou em mim. Só há um lado certo na nossa História, e é o lado que protege e luta pela manutenção (e melhoria) da nossa Democracia. É desse lado que estou e vai ser muito difícil que eu mude, até o fim da minha existência.

Mas, hoje, vários canais de comunicação trouxeram à tona a fala monstruosa do Procurador (como no caso do Presidente, em maiúscula por respeitar o cargo, não o ser que o ocupa) de Minas Gerais, Leonardo Azeredo dos Santos, que alegou em reunião da Procuradoria de Minas Gerais, entre outras alucinações, que seu salário líquido de R$24 mil reais é um “miserê, e que ele já está “deixando de gastar 20 mil no cartão, cortando para só 8 mil, para sobreviver”. Disse, ainda – como se não bastasse o horror que já havia dito – que “infelizmente, não tem origem humilde e não está acostumado a viver com tanta limitação”.

O estado de Minas Gerais está enfrentando uma fortíssima crise fiscal, e está em vias de fechar uma Recuperação Fiscal com a União, o que significa, em palavras mais diretas (e imprecisas), “reconhecer que deve pra geral, e pagará quando puder” …

A história só piora. Segundo o Portal da Transparência de MG, o sofrido servidor (que esqueceu o que “servir” significa) em questão, teve vencimentos na casa dos R$78 mil líquidos, em junho, por uma dúzia de benefícios, auxílios e indenizações. Muitos desses “extras” sequer são alvo de tributação.

Se o Procurador não consegue viver com dignidade com os vencimentos apontados, me parece alucinógeno pensar na situação de cinquenta e cinco milhões de brasileiros (portanto, ¼ da população) que vivem com até 400 reais por mês.

E alguém vai dizer, “nossa, que argumento mais populista”. Não. Não há nada de populista em pensar no próximo, e reconhecer a desgraça que acomete a economia nacional, e que tem demandando sacrifícios de uma classe trabalhadora inteira, que já sabe que não se aposentará (pelo menos, não em breve), que não tem o direito de discutir o próprio salário, senão através da qualificação constante e da troca de empregadores, aqui e ali. Reconhecer tudo isso e reconhecer que seu salário é, sim, assombroso e desproporcional – não importa o quão merecedor dele você seja – e que seu holerite te coloca numa parcela de menos de 2 dígitos percentuais da população, para que você tenha qualquer condição moral de terminar essa discussão sem parecer (com sorte, só parecer) um completo imbecil.

Alguém pode levantar que, digamos, em 10 anos, o MPMG não teve correção da inflação. E eu insistirei: Seu estado está quebrado, sua população passou por duas tragédias ambientais recentes e devastadoras. O desemprego atinge ~11.2% da força de trabalho mineira, estimada em 11.1 milhões de pessoas e, portanto, com 1.24 milhões de desempregados. Repito: É um estado quebrado, procurando proteção para poder parar de pagar dívidas, na tentativa de se reestruturar. O Governador disse, agora há pouco, que os servidores públicos “comuns” ficarão sem receber, se o RRF não for aprovado. A fala do Procurador é tudo, menos consciente.

Agora, se imagine na fila do desemprego. A vida vai mal, todo dia você deixa de consumir uma refeição decente para que o dinheiro renda mais. E você ouve um conterrâneo dizendo que seu salário de 24 mil é pouco, e que se não aumentarem, ele vai passar necessidades. Pronto: Você começa a entender porquê alguém tem coragem de apoiar uma Ditadura militar.

É claro… Eu não estou dizendo a idiotice de que militares são mais honestos, mais leais, mais qualquer coisa, só por usarem farda e marcharem em ordem unida. A farda não faz ninguém melhor ou mais honesto, e militares no Poder podem cometer os mesmos crimes de civis e outros piores. Com o agravante de que, em eventual Ditadura, a mídia sequer poderá fazer o trabalho investigativo que faz e que só ela pode mostrar situações revoltantes como essa do pobre Procurador de Minas. Sem a Imprensa livre, jamais teríamos sabido disto.

Então, não. Esse Blog jamais fará uma defesa pró-Ditadura. Esse post é apenas um reconhecimento da racionalidade do ódio, muito bem alimentado por gente como o Procurador citado. Gente que ocupa cargos públicos não pela vocação, não pelo sonho de fazer um trabalho diferenciado para sua comunidade, mas, com fins de enriquecer às custas de uma sociedade que vem sendo fortemente espremida para se aposentar mais tarde, pagar mais impostos, e viver com menos (muito menos) do que um minúsculo universo de pessoas ganhando mais de 20 mil reais mensais líquidos.

A máquina pública brasileira é um monstro que precisa ser esquartejado

Novamente: Não estou falando contra a Democracia. Se você está entendendo assim, precisa melhorar sua interpretação de texto. O que segue aqui é o cansativo dilema do bebê e da água suja.

Tive uma discussão com o João, bom amigo de outras bandas, e falávamos sobre o duelo entre um Estado grande com fins sociais, e o Liberalismo, cada um com seus defeitos e potências. Foi uma conversa muito boa (eu acho). Diante do que se seguiu, hoje, acho que ele está rindo um pouco mais por estar do lado que defende a redução máxima do Estado, em qualquer caso e cenário. Hoje, eu não o culparia (o que não quer dizer que desisti de tudo o que acreditava ainda ontem; não sou bipolar e minhas opiniões não se formam conforme a banda toca… Mudar assim, de uma hora pra outra, demonstraria um pensamento levianamente fundamentado).

Ocorre que não é a Democracia que inviabiliza a máquina. Tampouco um sistema de Estado preocupado e engajado com os problemas sociais. O que inviabiliza a máquina é um sistema em que benefícios e privilégios se tornam sempre cumulativos, jamais diminuem, e quem decide quanto vale o trabalho é o próprio trabalhador (há uma simplificação aqui: embora exista lei que regule os vencimentos máximos, aqueles que usufruem de altos salários driblam as restrições com manobras que, se não ilegais, são totalmente imorais).

Você já imaginou que insano seria se eu pudesse definir quanto eu devo ganhar? Não obstante eu gerar muito mais dinheiro do que ganho (se não fosse assim, eu seria demitido) minha empresa, uma das maiores do mundo, faliria caso cada colega meu pudesse decidir o valor dos próprios vencimentos.
Mas, é assim que a máquina pública brasileira se estruturou.

CLARO… “A máquina pública”, em áreas bem específicas… No Judiciário e no Legislativo, especialmente. Em todo o resto, nossos funcionários públicos costumam passar maus bocados… Professores, Policiais, Serventes de manutenção pública… Essa massa tão importante não tem qualquer autonomia para decidir o quanto ganha, óbvio.

Poderíamos dizer que a máquina pública é sempre cara e sempre ineficiente. Esse é quase que um lema (ou seria um fetiche?) dos Liberais, mas, além de não ser uma verdade absoluta (já que os EUA têm uma máquina mais cara que a nossa), um pouco de pesquisa mostra que o problema é o Brasil, mesmo. Temos uma das máquinas mais caras e ineficientes do mundo. Para demonstrar, vou compartilhar apenas um gráfico da matéria da BBC:

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46427803

Quem dera esse fosse um problema restrito ao Congresso Nacional. Se eu colocar os custos do Judiciário, dos Ministérios, e etc., você e eu enlouqueceremos no processo.

O que você precisa saber é que a máquina é tão inchada que, atualmente, nós brasileiros desembolsamos algo em torno de ~215 bilhões de reais anuais para pagar quase 900 mil funcionários públicos nas mais variadas posições. E, se você tem bom senso, sabe que o grosso desse dinheiro não está acabando no bolso da Professorinha na sala com goteiras e lousa com buracos, nem no bolso do Policial que vai pra rua com colete vencido e arma avariada.

Uma classe unida contra toda uma sociedade

Diz a Bíblia (1 Pedro 3, 18) que devemos “amar o pecador, mas odiar o pecado”, segundo o exemplo de Jesus Cristo. Isso resume bem a minha relação com trabalhadores e seus sindicatos/associações, em quase 100% dos casos.

Essa não é uma discussão nova.

Toda a santa vez que alguém reclamou do custo da máquina ou rebateu uma proposta de um novo imposto com cortes possíveis (auxílio paletó? Auxílio moradia? Para quem ganha mais [muito mais] de 24 mil líquidos? Só pode ser brincadeira), as classes privilegiadas (que, repito, são uma elite dentro do serviço público) se unem, barram, e abafam (porque não podem discutir à luz da sociedade o que realmente pensam) qualquer projeto nesse sentido. Suas associações e sindicatos são perfeitos no Lobby e sempre vencem o debate (que não é um debate, já que nasce morto).

Mas, fatalmente, uma hora, teremos de combater os extremamente privilegiados deste país (~28% da riqueza nacional está nas mãos de ~1% da população). A maior parte deles desempenha funções necessárias e essenciais (acho que ninguém com o juízo no lugar ignora a utilidade do Ministério Público em uma Democracia, só por exemplo). Mas, esse desempenho não pode ser pretexto para que estes vivam em uma realidade tão diabólica ao ponto de fazer um Procurador se sentir mortalmente ultrajado por ter que sobreviver com “apenas” 24 mil reais líquidos mensais, e moralmente sustentado para expor isso, sabendo que era gravado publicamente.

Mas, vou te dizer o que mais me magoou nessa história toda: O que mais me magoou foi ouvir o áudio inteiro, em uma reunião com o Procurador Geral de MG, e outros Procuradores, e diante da fala monstruosa de um playboy que não merece o cargo que tem, nenhum dos colegas de profissão, investidos no gloriosíssimo cargo de Procuradores e Promotores (Promotor = que promove) de Justiça, terem se insurgido contra a barbárie no comentário do colega.

São 5h da manhã, estou acabado. Mas, para ter paz de espírito eu tinha de vir aqui e quebrar o silêncio sobre isso. Incomodou-me de forma que eu não sentia há muito tempo. Vontade de ir embora daqui e outros sentimentos ruins que eu não sentia há tempos. Todo dia, um novo 7 a 1 nessa divisão do inferno que eu ainda chamo de “meu lugar”. E esse 7 a 1 veio até do lugar certo: Minas.

Pra fechar, parafraseio o PhD, Nobel da Paz, Medalha Presidencial da Liberdade (EUA), incessante guerreiro pelos direitos civis de tantos oprimidos, e todo o estandarte de ética e postura digna que o infame Procurador de Minas jamais ostentará:

O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.

No Brasil, o silêncio anda horripilantemente ensurdecedor.

Autor: Rodrigo30Horas

Com 30 e tantos anos de Pindorama - e, para os mais moderninhos, Ilha de Vera Cruz - Rodrigo é apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior (Guarulhos-SP) ... Com total compromisso com a clareza e transparência, é preciso que você, meu/minha caro(a) leitor(a), saiba: Eu sou um Zé Ninguém. Como formações acadêmicas, sou formado em T.I. e Direito, mas quem não é, não é mesmo? Quando falo de medicina, não sou médico, de economia, não sou economista. Você tem de se lembrar disso o tempo todo. Por uma questão de clareza e separação de papéis, preciso que você saiba que eu trabalho na Microsoft. Minha empregadora e meus superiores não têm conhecimento do conteúdo que veiculo por aqui e nunca me pediram ou me autorizaram para escrever nada, pró ou contra qualquer coisa. "O trabalho mais importante e mais difícil não é encontrar a resposta correta, mas fazer a pergunta certa." - Peter Drucker

2 comentários em “O permanente silêncio dos bons”

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