Você sabe o que faz de “um quilo”, um quilo?
Bem, de largada, cabe dizer que “quilo” (e não “kilo” [do inglês, que respeitou a forma original em grego, de onde vem o “k”, sempre minúsculo]) é apenas fator multiplicativo por mil, como se definiu nos prefixos do SI (Sistema Internacional de Unidades).
O que, de fato, se mede são os gramas (sempre no masculino, já que no feminino passa a ser aquela que os jogadores de futebol pisam). Portanto, 1kg (um quilograma) é igual a mil gramas.
Tem jeito melhor de começar te lembrando do quanto sou chato (torço que você pense isso só quando lê por aqui)? E admito que tento impor um rigor maior do que a média para blogs desconhecidos, sempre pesquisando sobre o que escrevo por estas bandas, e tentando acertar em tudo; o que não se repete na convivência in loco comigo (ao que ouço a voz de todos dizendo “Graças aos Céus!”…).
Claro: Uma pessoa que busca esse tipo de rigor em todos os contatos e ocasiões, não é nada além de muito chata(o), insuportável, e desconectada(o) da necessária leveza para se viver bem em sociedade.
Tudo é questão de foro: Se estou participando de uma discussão em um foro técnico, eu exijo que a precisão técnica esteja presente na conversação. Até porque aprendemos, desde cedo, que algumas palavras, em foros específicos, adquirem conotações bem diferentes e distantes da acepção comum.
Para ficar num exemplo hiperbólico: “Os direitos reais sobre coisas móveis (…), só se adquirem com a tradição”. Se você tentar usar o significado comum na sentença anterior, nunca vai achar a explicação correta (de que contratos de compra e venda de bens móveis só são considerados finalizados, incluindo a transferência de direitos [outra fonte ainda tornaria a sentença pior: “o negócio jurídico só se aperfeiçoa”], quando da entrega efetiva do bem [entrega do bem = tradição]).
Já havia dito que era um exemplo absurdo (embora escrito no nosso ordenamento jurídico). Mas, não é assim tão diferente num foro de Medicina, de Tecnologia da Informação, etc….
Mas, voltemos ao começo:
Você sabe o que faz de um quilo(grama), um quilo(grama)?
Bem, até o mês de maio deste ano, um quilograma era definido por comparação com uma massa feita de uma liga de Platina-Irídio (massa que estampa a capa deste post). Essa massa ficava trancada num cofre na França, e é popularmente conhecida como “Le Grand K” (incoerência, já que o k deve ser minúsculo), sendo a definição de um quilograma, desde 1889. Mas, não mais.
Após 130 anos de serviços prestados, com várias cópias ao redor do mundo comparadas com o grande K (que é formalmente chamado de “IPK”) em ciclos de 40 anos, chegou a hora do senhor K se aposentar. Se nós tivermos a sorte de vivermos 130 anos, também poderemos nos aposentar, um dia (cutucada gratuita. Obrigado, de nada).
No lugar do grande K, adotou-se uma constante quântica chamada de “constante de Planck”. Essa mudança foi decidida num foro científico em 2018 que adotou a convenção que já define o que é um metro, bem como o que é um segundo. O Sistema Internacional de Unidades, com o apelido carinhoso de “mks” (metro, quilograma, segundo) é composto por essas três unidades de medida, dentre outras (Editado: Pesquisando mais, restou provado que o mks antecedeu o SI, e o SI herdou o mks, adicionando outras medidas)… Se as outras duas (metros e segundos) já haviam abandonado a medição com referência em um objeto (o metro, por exemplo, também usava uma barra de Platina-Irídio com 2 marcas para calibrar o que era um metro), era tempo do quilograma mudar também.
Conforme explicou a revista Época, as novas definições por constantes regram que “(…)um metro é a distância percorrida pela luz no vácuo no período de 1/299.792.458 segundo, e um segundo é a duração de 9.192.631.770 períodos de radiação correspondentes à transição entre os dois níveis do átomo de Césio 133”.
De mais a mais, o Grande K já não era tão grande: Constatou-se que, desde sua criação, o senhor K perdeu 40 microgramas em interações com o meio ambiente. Insignificante para a receita de bolo, inaceitável para ciência de ponta.
Com constantes como a de Planck governando o SI, esperamos que esses problemas de calibragem não venham a ocorrer tão cedo.
Dois pesos e duas medidas
Os jovenzinhos que leem o que escrevo aqui não têm nem ideia do que digo a seguir, mas, na minha infância, ir à feira incluía ver balanças como esta:
Você, automaticamente, pensou “esse cara tem uns 60 anos”. No RG, pouco mais da metade disso; no corpo, tenho uns 80. Na maturidade, uns 12, 13…
Mas, pra que tudo isso? Para podermos discutir o problema por trás do ditado.
Não. O ditado não está errado. O certo é, mesmo, “dois pesos e duas medidas”.
Ao contrário do que você já pode ter lido por aí, não estão corretas as versões “um peso, duas medidas” ou ainda, “dois pesos, uma medida”.
O ditado, registrado em dicionários para estes fins, é, de fato, “dois pesos e duas medidas”.
O que esse ditado quer dizer – e muita gente que defende as outras versões não entendeu – é que as pessoas carregam consigo dois pesos (diferentes entre si), e duas medidas/réguas (também diferentes) para pesar e medir as situações da vida, quando, na verdade, deveriam ter apenas um peso e uma medida para todas as situações.
Difícil definir a origem exata do ditado (que existe em outras línguas, como a inglesa) e, por isso mesmo, fico com a explicação do Professor Sérgio Rodrigues de que o dito se refere a uma passagem bíblica.
Em Deuteronômio, capítulo 25, versículos 13 a 15, lê-se:
-
Na tua bolsa não terás pesos diversos, um grande e um pequeno.
-
Na tua casa não terás dois tipos de efa, um grande e um pequeno.
-
Peso inteiro e justo terás; efa inteiro e justo terás; para que se prolonguem os teus dias na terra que te dará o Senhor teu Deus.
- “Efa” é uma palavra sinônima a “medida”.
Também, de um ponto de vista estritamente científico, está errado se referir à medição da Massa dos objetos (que se mede em quilogramas), como se fosse “Peso”. Na Física, “Peso” é medido em quilograma-força (kgf), e também pode ser medido em newton (N) ou dina (dyn). A fórmula geral determina a multiplicação da massa de um objeto (exemplo = pessoa de massa igual a 70kg), pela aceleração da gravidade (na Terra, 9,8m/s²) e se obtém o peso em kgf, por exemplo.
Rodrigo: Essa tortura tem um objetivo maior do que tornar minha segunda-feira um porre?
Até que tem, caro(a) leitor(a)… Até que tem…
O objetivo é dizer que se você e eu não temos dois pesos e duas medidas, é nossa obrigação discordar, reprovar e até repudiar a recente atitude do Jornalista, João Paulo Saconi, a serviço da revista Época, da editora Globo, que se disfarçou de cliente/paciente para contratar serviços da Psicóloga (que alega ser Coach, categoria do mundo contemporâneo que não quero nem discorrer, por ora), Heloisa Wolf Bolsonaro, esposa de Eduardo Bolsonaro (este último, filho do Presidente da República), com fins de produzir matéria para o periódico.
Por um mês, o repórter se declarou como um novo cliente e participou do curso fornecido pela profissional no modelo de “coaching”. Desta falsa relação entre a profissional e ele, o Jornalista publicou matéria que pode ser lida aqui. Não sugiro dar “ibope”, mas entendo ser importante permitir a leitura para que você possa concluir o que eu já conclui: A matéria é sensacionalista, sem qualquer interesse à Sociedade, etc.
Para começo de conversa, preciso dizer que não tenho dois pesos e duas medidas. Ou, melhor dizendo – relembrando da minha condição inescapavelmente humana – faço de tudo para não ter dois pesos e duas medidas. Se considero que os fins não justificam os meios para Bolsonaro e seus atos de governo, os fins seguem sem justificar os meios para a ambição do Jornalista que queria “pegar a nora do Presidente no flagra”.
Continuo com só um peso e uma medida, especialmente, quando me lembro da Lei. Nada a ver com a bobagem do “sigilo Profissional-Cliente/Paciente”, como tanta gente se apressou em dizer. O dever de sigilo (nos mesmos moldes que existem na Advocacia) é do Profissional, não do cliente/paciente. O que me faz lembrar da Lei é que a Constituição Federal elenca inúmeros direitos da Pessoa, além de liberdades para o exercício das Profissões, etc. É a mesma Constituição que prevê a Liberdade de Imprensa, claro. Nem me ocorreu pensar diferente disto.
Mas, nenhuma Liberdade é absoluta em um Estado Democrático de Direito.
Se houvesse liberdades e direitos absolutos, alguém derrubaria a casa em que moro pelo direito de “ir e vir”. Fica evidente que é bobagem tratar liberdades como “absolutas”. Todas elas respeitam certas regras e limites. Óbvio.
Mais do que isso, vou para a Lei específica. O Código de Ética do Jornalismo (disponível no site da FENAJ), aprovado em 2007, entre outros artigos, declara:
Art. 11 – O jornalista não pode divulgar informações:
(…)
III – obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração;
Chamo a atenção dos senhores para “salvo em casos de incontestável interesse público E quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração”.
O “incontestável interesse público” nas técnicas de Heloisa, enquanto profissional de Coaching, me parece insondável. Nada, em nenhum ponto da matéria, levantou-me a desconfiança de que houve ou poderia haver crime, especialmente, do tipo que lesa o Estado, a sociedade ou o cidadão.
Num segundo momento, o artigo é claro ao dizer “não se pode fazer uso de identidades falsas(…), exceto quando esgotadas todas as outras possibilidades”. O Jornalista não se apresentou como sendo jornalista, muito menos informou à profissional requisitada de que se tratava de matéria jornalística a ser publicada, o real motivo de estar ali.
Antes disso tudo, ele poderia, por exemplo, ter tentado o contato formal com ela, explicando que sendo a próxima (provável) Embaixatriz (que é diferente de “Embaixadora”) do Brasil nos EUA, e como profissional Psicóloga, tudo o que ela tinha para dizer seria importante, e que ela deveria considerar como publicidade gratuita do seu método, caso topasse a entrevista – tudo isso, só por exemplo.
O código de ética não para por aí. Há outros dispositivos que demandam do Jornalista o respeito à dignidade das pessoas, não que precisasse citar, diante da Constituição, mas, o faz porque a categoria considerou fundamental repetir o que determina a Lei máxima.
Retrocedendo no código, com meus comentários entre parênteses:
Art. 6º – É dever do jornalista:
(…) incisos não relevantes à pauta, omitidos.
II – divulgar os fatos e as informações de interesse público; (repito: onde está o interesse público?)
IV – defender o livre exercício da profissão; (se defende o da categoria, não defende o da entrevistada?)
V – valorizar, honrar e dignificar a profissão; (ao ignorar a conduta antiética, ignora este inciso)
VIII – respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão; (não tenho dúvidas de que houve desrespeito a todo o inciso)
X – defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático de direito; (não preciso comentar)
XI – defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias; (a profissional em Psicologia, Coach e, só por ocasião da vida, mulher do Congressista, não estaria protegida?)
XIV – combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza. (Heloisa pode ter a postura e pensamento avessos ao que acredito ser o melhor para a Política nacional, mas não devo aceitar sua perseguição por ser casada com quem é, ser Cristã, ser hetero, acreditar num governo conservador e até retrógrado nos costumes; como também não aceito a perseguição contra gays, ateus, políticos “de Esquerda”, etc.).
Algumas pessoas tentarão relativizar o que digo aqui porque odeiam Bolsonaro, o seu “clã” (palavra horrível para uma Democracia, mas é o que temos no momento) e quem se associar com eles.
Mas, eu não relativizo. Sou solidário à revolta de Heloisa e seus familiares, e desejo que ela não desista de processar o Jornalista e seu Jornal – porque numa revista ou jornal, texto algum é públicado sem o conhecimento do Chefe da Redação, diferentemente do meu blog fundo-de-quintal, onde toda a desgraça depende de só um clique – e que acione os órgãos de Ética para a denúncia do profissional em questão. Porque hoje é com ela, mas amanhã, pode ser comigo (como já disse em outro post).
E, principalmente, porque ainda que pudesse ser do meu interesse pessoal, político, de visão de mundo, o escárnio com a rotina profissional de Heloisa… Em uma Democracia, em tempos de paz, os fins não justificam os meios, nunca.
E eu não aceito trabalhar com dois pesos e duas medidas.
PS: Dia depois deste post, tomei conhecimento de nota com pedido de desculpas do Grupo Globo a Heloisa. Perceberam que erraram feio. Já é um bom começo.