Sobre o PenTest Bolsonarista

Um post para todos que andam dizendo “já passou” …

Ao escolher uma faculdade ligada à Tecnologia da Informação, uma das coisas que acontece com você é que, automaticamente, você passa a entender sobre redes, programação, formatação de sistemas, vírus de computador, micro-ondas, recarga de cartucho de impressoras, e como arrumar o celular dos seus familiares (“nossa, tá muito lento e apareceu esse aplicativo aí que eu não instalei”)…

Ah! Acontece outra coisa também: Para qualquer pessoa de fora da área, se você abre um prompt de comando e digita “ipconfig /all”, pronto… “Cara, você é hacker?”. Claro! Quem não é?

Sim meus caros amigos, somos todos hackers na informática. A primeira aula na faculdade é “invadindo perfis de Facebook da ex-namorada”. E é “da ex”, e não “do ex”, porque uma coisa mais rara do que aluno de informática em forma, é mulher na sala de aula (o que considero um assunto triste, mas fica para outro dia).

Bem, como somos todos hackers, todos nós sabemos o que é um PenTest. Mas, eu vou dar uma colher de chá e falar com propriedade sobre algo que faço todo dia. Ou seja, vou falar sobre “coisas de hacker”. Em termos mais técnicos, falarei em “Segurança da Informação”.

Na disciplina de Segurança da Informação, na qual sou extremamente versado (eu espero que vocês já tenham notado o sarcasmo), “PenTest” é um conceito que, para além da abreviação, significa “Penetration Test”. Em resumo, com um sistema da informação exposto, mesmo que somente a um público interno, é importante saber se pessoas não autorizadas são capazes de extrair dele, informações e dados aos quais tais pessoas jamais deveriam ter acesso.

E (eu sigo supondo que minha audiência não é da área), talvez, sua primeira pergunta seja “mas, se o sistema foi bem feito, só acessa que tem usuário e senha (credenciais), não é?”.
Méh…. Mais ou menos… Mais ou menos…

O problema com o desenvolvimento de sistemas (o que nós, que sabemos sobre impressoras e micro-ondas, dominamos muito bem) é que, de maneira geral, os programadores (aqueles que fazem o programa, ou “app”) fazem o código “para dar certo”.
E aqui, você dirá “what-the-p$rra?! E não deveria ser sempre assim?”.
Você ainda não visualizou o problema…

O problema é que se eu sou “teu chefe” (o analista de negócios, o PjM [Project Manager], o P.O. [Product Owner], ou só o cara te pagando, mesmo) e te digo “quero que você me faça uma calculadora que some, subtraia, divida e multiplique”, você, como programador, mas, mais ainda, como ser humano, se prepara para construir algo que “some, subtraia, divida e multiplique”…
Se você for mais espertinho, você fará outras perguntas como “de que modo o usuário entrará com os números a serem operados nessa calculadora?”, e outras perguntas que te ajudarão a fechar o escopo do programa a ser desenvolvido.

Ocorre que… Em uma sala de programadores júnior, e para todos vocês que não sabem como recarregar um cartucho enquanto invadem o sistema de mísseis da OTAN (como eu sei), a maioria das pessoas não fará perguntas cruciais como “quem deve ter acesso à calculadora e que tipo de autenticação usaremos para garantir?”, ou “os dados devem ser criptografados durante os cálculos e no armazenamento de longo prazo? ”, ou “que tipo de tolerância à falha essa arquitetura deve possuir?”… Essas são perguntas que só quem já passou das primeiras “300 horas de voo” deve imaginar…

E aí, sua calculadora fofinha que soma “result = varA + varB;” e faz um “printf (result);”, recebe do usuário a ordem para soma de varA = 3 e varB = o (ó de “óleo”, não “zero”).
Kabum! … Lá se vai o seu programa tentando somar um número com uma letra. Algo tão bobo quebrou seu programa… Imagina quando a questão é fazer um programa seguro do tipo “só vai entrar quem deve”… São tantas possibilidades… Tantas coisas feitas de maneira legitima e sincera e que podem se tornar exploráveis por alguém mal-intencionado…

Em resumo, você já viu que dizer “ué, só entra quem tem credenciais” não resolve o problema real de Segurança da Informação. Torne as coisas muito mais complicadas do que somar duas variáveis e exibir o resultado na tela, e os problemas e preocupações acompanham a mesma regra exponencial de possibilidades.

Esqueça o petróleo. A riqueza do mundo está nos dados

E até o mais bobo dos hackers sabe disso…

E porque a riqueza do mundo não é mais material, mas, sim, de informação (quem detém e manipula mais disso é mais rico que os outros), a maioria das gigantes empresas já entendeu que não dá para tratar sistemas da informação de forma muito diferente da sala-cofre do banco onde fica a bufunfa.

Assim nasce, nas áreas de TI, a disciplina de Segurança da Informação (SI), originalmente preocupada com ataques externos, até que percebemos que a franca maioria dos ataques começa de dentro para fora (fonte). Seja com ajuda intencional ou não dos colaboradores (empregados) da empresa atacada.

Surge, nas empresas de grande porte, a ideia de ter times de hackers contratados para combater hackers hostis à empresa.

Depois de um tempo, já não é suficiente “sentar e esperar”, e a Segurança da Informação passa a ter que se antecipar aos ataques. A SI da empresa tem que pensar como o agressor agiria… O que ele faria, o que ele exploraria… É claro que existem os truques básicos, e é claro que tem empresa pecando no que chamaríamos de “nível 0” de maturidade de SI (como não colar sua senha em um PostIt no teclado). Mas, o mesmo mal que afeta o programador (que programa “pra dar certo”) acontece com o time de SI da empresa… Gente acostumada a defender, com o tempo, esquece como atacar.

Constrói-se, então, o conceito de “blue & red teams”. São dois times de profissionais contratados pela empresa. Um de atacantes e outros de defensores. E são ambos ligados à SI, mas, a parte divertida da coisa é que um não conhece o dia-a-dia do outro, e o time azul nunca sabe quando o time vermelho está invadindo, ou quando a invasão é real. Isso cria uma mentalidade de “não-relaxamento” o que é, modo geral, positivo para a eficiência das medidas de segurança.

Na esteira disso, surgem consultorias especializadas em vender “PenTests” ou “Penetration Tests”… São consultorias formadas (pelo menos, no princípio) por hackers e pessoas com bom conhecimento de SI, e que vão tentar invadir um designado sistema da empresa para apresentar um relatório depois, indicando o quão seguro é o sistema explorado.

Não existe sistema totalmente Seguro

O único sistema eletrônico 100% à prova de invasão é aquele fora da tomada…

Lembra da nossa calculadora? Ela falhou porque não projetamos ela para impedir qualquer entrada que não fosse um número. Também, dando um passo adiante, deveríamos proibir que divisões por zero ocorressem (já que a divisão por zero é uma indeterminação)… Enfim, há sempre espaço para melhora.

Agora, uma calculadora como essa, feita em linguagem de programação C (“C” é o nome da linguagem), deve chegar a 15 ou 20 linhas de código (como esse texto, podemos contar o tamanho de um programa em linhas, em funções e de várias outras formas). De maneira agressivamente simplista, essas linhas explicam para os circuitos do computador como lidar com os valores que você digita no seu teclado e que espera operar matematicamente (já que é isso que uma calculadora faz).

O tamanho do programa varia com o tamanho das necessidades (aqui, 4 operações elementares), e com a habilidade do programador (programadores mais experientes e talentosos saberão fazer um mesmo programa, quanto às funções esperadas pelo usuário, com menos linhas do que um programador iniciante) …

Agora, vamos para um exemplo real:

Um navegador de internet como o Mozilla FireFox, tem mais de 28 MILHÕES de linhas de código (LOC: Lines of Code), e é composto por mais de 40 linguagens de programação diferentes (fonte).

E, por mais que eu saiba que qualquer navegador moderno é a nova área de trabalho dos dias de hoje (pense bem: o que você faz no seu PC/notebook que não é feito via seu navegador? [Chrome, Edge, Firefox…]), a realidade é que o navegador é “só um programa” que precisa de um sistema operacional inteiro por baixo dele para poder ser executado…

Para se ter mais uma ideia de dimensão das coisas, o coração de um sistema Linux moderno tem, por padrão, 15 milhões de LOCs (fonte)… E o Kernel é “só” a parte que faz o sistema ficar pronto para mandar no hardware da sua máquina (processador, memória RAM, disco, rede[…]), sem falar de interface com usuário (mouse, teclado, monitor, impressora), interface gráfica (seu desktop), programas-padrão de um sistema operacional, acessórios e periféricos…Ou seja: O tamanho total de um sistema operacional moderno atinge, sem um esforço enorme, a marca da centena de milhões de linhas de código. E como eu já disse… Não é apenas uma linguagem de programação… São dezenas. Cada qual com seus trejeitos, vantagens e desvantagens. Cada qual com suas habilidades e vulnerabilidades… Como as línguas faladas pelos homens…

E, se uma calculadora de 15 ou 20 LOCs já teve problemas… Você, agora, entende o porquê não existe um sistema 100% à prova de falhas. Algum dia, alguém vai esbarrar em uma linha “escrita para dar certo”, mas, que permite que MUITA COISA ERRADA aconteça através dela… E não é como se faltasse linha; concordamos, certo?

A evolução da SI, e os problemas éticos decorrentes

Porque onde tem gente…

Bem, eu já te disse que petróleo é fichinha, comparado ao valor financeiro em forma de dados que uma empresa pode acumular, certo?

Eu também já disse que a SI se tornou uma disciplina necessária para guardar o tesouro da empresa, tal qual o banco (Itaú, Bradesco etc.) guarda a sala-cofre com a grana…

Se eu te dissesse que sei como invadir sua sala-cofre (virtual ou real), mas, que estou disposto a te ensinar como se proteger dessa invasão e se, inclusive, eu te desse uma amostra da gravidade dessa situação (por exemplo, te mostrando que sei o que e quanto você guarda lá dentro), quanto você pagaria para eu te ensinar a se proteger do que fiz?

Infelizmente, esse foi o caminho “de negócios” de parte das “consultorias” (que, nesse caso, mais se assemelham ao modelo dos mafiosos sicilianos da Cosa Nostra, ao vender proteção contra eles mesmos para os comerciantes) … E, assim, essas “consultorias” passaram a fazer invasões “preemptivas”, sem qualquer pedido ou contrato com a empresa-alvo. Quando conseguiam invadir algo, enviavam um contato comercial para a empresa, mostrando que invadiram, mas, invadiram pela nobre causa de despertar a empresa atacada para os riscos que ela correria se o ataque fosse feito por gente “mal intencionada” (porque, claro, eles estavam ali para dar de graça o “como corrigir o problema”… [not!]).

E assim, o mundo é cada vez mais conectado e mais inclusivo quando o assunto é “Internet” e, por causa disso mesmo, cada vez mais perigoso e hostil para todos. Dados e informações são riquezas maiores do que petróleo (fonte), existem e circulam de maneira abundante pela Internet, e pela natureza conectada do mundo atual, precisam interconectar diversos sistemas, em várias partes do mundo. E tudo isso significa oportunidade. Para o bem e para o mal.

Proteger esses dados tão bem quanto se possa é o novo meio de “se criar um banco” (e ficar rico como quem criou os originais). Quem protege melhor, ganha mais. Mas, para proteger melhor, você precisa de um time altamente treinado e constantemente desafiado. Daí, os “red & blue teams”.

O problema surge quando, bem… Seu blue team não é lá “aqueles coco” (saudações, Aloisio!), dorme no ponto, baixa a guarda por achar que o ataque é falso (vindo do red team), mas o ataque é real… Ou quando o seu red team é mais do que bom… É feito de pessoas realmente perigosas. Acontece nas melhores empresas, e nos processos seletivos menos criteriosos…

Se você pensar bem, é o tipo de gestão de pessoas mais maluco do mundo… Você precisa contratar gente competente, acima da média, realmente capaz de causar dano ao patrimônio, e convencê-los a trabalhar pra você, te ajudando a prevenir invasões à sala-cofre… E quando eles invadem, você precisa ter confiança de que eles não farão nada de mal com o que encontraram lá dentro… Melhor recrutar bem… E pagar ainda melhor…

  • Eu preciso dizer que é um pouco fantasiosa a forma como descrevo as coisas… É óbvio que o bom gerente do time de SI não sai por aí contratando hacker em sala de bate-papo do UOL. Mas, a intenção sempre é manter o texto acessível e destacar os perigos de quando você toma as coisas por garantidas… Porque como disse Richard McKenna:

“The way you get killed around machinery is to take things for granted”.

  • Em bom português (adaptado): “O jeito para morrer lidando com uma máquina (ou sistema), é tomar por certo o incerto”.

E não é sempre assim que se morre, Sr. McKenna? 😉

É sempre fácil acabar morto quando você dá as coisas por certas… Especialmente ao lidar com os perigos da vida… Ou dos sistemas…

Tudo pode ser abordado por uma mentalidade de sistemas

Até porque você(nós) toma(mos) tudo por certo e não dá(mos) o devido valor…

Computadores (desde as dezenas deles embarcados em um avião, passando pelo controle a bordo de um míssil, até o notebook ou o smartphone no seu bolso) são máquinas.

Máquinas são sistemas.

Falamos de parte das características dos sistemas no post passado. Outra parte vai por aqui…

Um programa é uma rotina lógica que é compilada e vira o tal “exe” que você utiliza (como nossa calculadora inicial) – estou sendo grosseiro, claro. A junção de vários programas que interagem entre si, dá origem a um sistema.

E sistemas são, de maneira genérica, partes que interagem entre si e resultam em um propósito comum à existência de todas elas. Para que um sistema funcione, ele precisa trocar informação. A informação precisa ser protegida, não só de acesso indevido, mas de corrupções, interrupções, e outras formas que possam impedir que um dado programa do sistema tome as atitudes que deve tomar, diante da informação que ele deveria ter recebido.

Todo vírus de computador moderno é concebido com medidas para tentar impedir que o programa antivírus receba informação (indícios) de que há uma infecção em andamento. E só para te garantir: Um vírus de computador não é nada mais, nada menos, que um programa. Como a nossa calculadora… Só que ao invés de somar, o programador o fez para danificar ou invadir o sistema onde ele for executado.

A guerra é travada no campo de quem consegue interceptar mais informações: O vírus ou o antivírus. Quem souber mais, vence. O antivírus joga com a vantagem de ser “do time da casa” e ter acesso privilegiado a todo tipo de informação de várias partes do sistema. Os demais programas, se possível, o ajudarão com informação.
Mas, acontece que o programador do vírus fará de tudo para que o vírus também se pareça com algo originário do sistema e, portanto, “também de casa”.

É um jogo de “gato e rato”. Nós corrigimos algo. Eles inventam algo novo. Nós fechamos uma porta. Eles acham um cadeado mal fechado.

Não é porque é divertido brincar disso. É porque é impossível se proteger absolutamente enquanto se mantém conectado. E os sistemas são colossais. Dezenas (e até uma centena) de milhões de linhas de código tentando trabalhar em conjunto, como já te mostrei.
Conectar-se é, também, se vulnerabilizar. Você precisa abrir portas. Vale pra Internet e vale pra vida.

Conhecimento não é, necessariamente, Poder

Mas é o caminho mais óbvio para ele…

Em “Game of Thrones” (HBO), há uma discussão entre duas personagens relevantes no jogo político, em que a primeira diz “conhecimento é poder”, e a outra personagem diz “Não. Poder é poder” e põe meia dúzia de gorilas, cada qual com a espada no pescoço do pobre coitado que trucou a outra, anteriormente.
Acontece que a segunda estava errada (a série mostra isso). Conhecimento é mesmo o que gera poder.

Para seguir nos exemplos Pop, umas das publicidades mais geniais que vi, veio da série “House of cards” (Netflix), enquanto eu estava em viagem de trabalho em Brasília (DF). Ao chegar no aeroporto de BSB, um cartaz usava uma frase célebre do personagem central: “Nessa cidade, um erro que quase todo mundo comete é escolher dinheiro antes do poder”, com a foto de Francis (Kevin Spacey) ao lado.
A frase já é forte o bastante, sozinha, mas colocá-la no hall de chegada de BSB foi o que mais marcou para mim. Eu vi. E os políticos também. Assim como os jornalistas. Afinal, “todo mundo” chega e “todo mundo” sai do Distrito Federal, semanalmente, por ali.

Para fechar no ramo Pop, em “Chernobyl” (HBO), em uma das reuniões tensas entre o então Secretário Geral do Partido Comunista (Mikhail Gorbachev) e seu gabinete de crise, o Secretário se queixa de ter que pedir desculpas para aliados, mas, também para os inimigos da então União Soviética. E uma das frases que ele diz é “nosso poder vem da percepção do nosso poder”. Ou seja… Poder, ao menos na política, não é algo totalmente real. Ele depende um bocado de quanto os demais percebem (ou acreditam) que você detém dele.

O que acho interessante de todas essas três citações é que, no fundo, fica provado que seja lá o que é o “poder”, ele descende do conhecimento. Quem sabe mais, pode mais. Se você conhece as pessoas certas, se você conhece os processos, os mecanismos, os meandros… Se você conhece gente que já tem poder, que já tem influência. Se você sabe como manipular isso tudo ao favor do que você almeja (sendo o que você almeja legitimo ou não)…

No fundo, conhecimento sempre foi sinônimo de poder. Não quer dizer que todos que detém conhecimento têm poder. Porque eles podem não saber como usar o conhecimento que têm. Ou podem não querer usá-lo, por autoimposição de limites e de valores éticos e de controles morais ou mesmo coercitivos por parte da Lei e do Estado. Ainda assim, não muda nada: Saber é o caminho para o Poder.

Democracias são sistemas

E, para mim, o governo Bolsonaro é “a consultoria siciliana” fazendo um PenTest na nossa Democrácia…

Sociedades e Ditaduras também são sistemas…

E todos os sistemas podem ser atacados por quem souber mais a respeito deles.

Para muitos apoiadores de Bolsonaro, episódios como o do ex-secretário Roberto Alvim são meras “falhas de trajetória”. “Descuido”. “Deslize”. “Bola fora”. “Acontece”.

“Ele escolheu alguém e esse alguém passou dos limites. Já foi demitido. Fim.”…

Se fosse tão simples, eu estaria dormindo bem nos últimos dias…

Na seção anterior, eu disse que o governo Bolsonaro é a “consultoria siciliana”. Aquela que “testa” o sistema da empresa, sem a empresa pedir.

Originalmente, eu ia dizer que o governo Bolsonaro era o “Red Team that went rogue”, terminologia conhecida na área de SI… Ou seja, “o Red Team que foi pro lado negro”. Eu voltei atrás de usar isso. Porque o Red Team, originalmente, trabalha para sua empresa…

Se a empresa do Bolsonaro é o Brasil, e se o Brasil pediu para ele testar a Democracia, ele testaria, acharia as falhas e brechas, e reportaria o que o Blue Team não fez, mas poderia ter feito, para melhoramos o sistema testado.

Se fosse um Red team que se corrompeu, teria começado certo, com as intenções certas, mas teria se perdido no caminho; por dinheiro, por más influências, ou qualquer coisa do gênero.

Ocorre que, para mim, a cada dia que passa, é mais evidente que o propósito de Bolsonaro (mas, mais do que o propósito dele, o propósito de quem o pôs lá [e você é bem inocente se pensa que estou falando do eleitor dele]) sempre foi esse: De testar o que ninguém pediu para testar.

De tentar invadir o que ninguém queria que fosse invadido.

Fica só a dúvida se quem o pôs lá, entende o risco de que ele – Bolsonaro – não obedeça ao combinado, e não se limite a nada, a não ser ao próprio senso obscuro…

Para entender porquê suspeito disso, você tem que saber como o Brasil surgiu

Mas, claro: Ninguém tem tempo para estudar história básica do lugar onde vive, então, vamos ao crash course:

Acho que um problema na compreensão de todos nós sobre a realidade histórica de como o Brasil virou República e de como chegamos à Democracia, é que fantasiamos muito a ideia de que essas conquistas ocorreram através de luta e sangue, numa disputa até o último homem pela “alma do que é o Brasil atual”…

Ocorre que não foi nada disso.

Historicamente, o Brasil só mudou através de acordos. Nós deixamos de ser colônia com um acordo entre as elites que mandavam no Brasil e nas Capitanias Hereditárias – sabe o Coronelismo típico do norte do Brasil? Então você conhece parte dos herdeiros das Capitanias – e a Coroa portuguesa (em 1822) e, depois, viramos República (acabando com o Império e a sucessão por sangue) com uma tapetada da nova elite agrária brasileira (fincada no eixo São Paulo x Minas) contra o Imperador (o que se sumarizou em 1889) e, só depois, viramos uma Democracia quando a elite brasileira permitiu que parte de sua população votasse diretamente para presidente, em 1894, contando com apenas ~350 mil eleitores e voto censitário – disponível para quem tem posses (e, portanto, não universal, como hoje) (fonte).

Quer saber como voltamos a ser democráticos depois do Golpe de 1964? Com apoio das elites, especialmente, as que controlavam empreiteiras e a mídia, ambas originalmente apoiadoras do Golpe e, mais tarde, descontentes com o governo militar que ajudaram a instalar (fonte).

Então, se por algum momento você já pensou que algo “disruptivo” (neologismo, para o texto ficar mais chique) ocorreu em solo brasileiro simplesmente por “sangue, ideais e glória”, sinto muito ter de estragar sua visão.

O Brasil é fundado como um grande latifúndio. Uma terra para a exploração. E quem mandava no latifúndio era quem ocupava o posto de senhor da produção (a despeito do tipo dela). E isso nunca mudou na constituição do que é o Poder, no Brasil.

Acho que a ilusão de que “o povo está no controle” que vemos por aqui, vem muito da nossa alta exposição (quase sempre, Hollywoodianizada [tente pronunciar isso rápido, 3 vezes]) ao que foi a história dos EUA. Ocorre que lá, diferente daqui, a colonização tinha o central objetivo de fundar uma nação nova, longe do que seus fundadores consideravam a tirania do império britânico (não que, em larga medida, não fossem eles mesmos tiranos terríveis, como comprovaram – ao preço da existência – os nativos de lá).

Brasileiros ao invés de “brasilianos”

E isso explica parte da nossa relação com este lugar…

Já, o Brasil sempre foi um lugar de onde tirar riquezas e mandar para o império português que, antes que você ouse menosprezar, foi nada menos do que o império ultramarino (ou “global”) mais poderoso do período alto da Grandes Navegações, controlando nada menos do que 14 colônias ao mesmo tempo (fonte).

O Brasil carrega de forma tão forte no DNA, a coisa de “terra para se extrair”, e aonde nada se deve investir ou edificar que, diferente de outros povos como, colombianos, mexicanos ou mesmo americanos, nós nos chamamos “brasileiros”.

Ocorre que em linguística portuguesa, o sufixo “ano” destina-se usualmente à nacionalidade de um indivíduo. Já, o sufixo “eiro” é normalmente usado para profissões e ocupações como, carroceiro, barqueiro, cabeleireiro, padeiro, marceneiro…

Assim, “brasileiros” eram os homens que, ao longo da primeira fase da ocupação pelo império português em Pindorama (o primeiro nome da terra que vocês conhecem como “Brasil”), retiravam pau-Brasil daqui para mandar para a Coroa e sua corte.

Ou seja: O que conhecemos como nosso gentílico é, na verdade, o nome original da profissão de quem entrou para extrair e devastar, e quase fez sumir com o recurso natural que, mais tarde, deu nome a uma “nação por acidente”; nação sempre brincando com o risco de se extinguir, pela fúria da própria sanha extrativista (o extrativismo pode até não ser mais tão palpável, mas segue na mentalidade “retire tudo que possa daqui, tão rápido quanto puder”) de cada filho deste solo que és mãe gentil…

Nação por acidente” porque nunca foi a intenção dos colonizadores que isto aqui se tornasse um país. Não fosse a necessidade estratégica de proteger a Coroa, ante o avanço Napoleônico, – estratégia que, antes que você despreze, foi formalmente elogiada pelo próprio Bonaparte – a família real jamais teria pisado aqui e o boom civilizatório que se instalou no Rio de Janeiro e, mais tarde, contagiou o resto do país, jamais teria se iniciado – pelo menos, não com a força e forma como se deu.

Nosso passado não determina nosso futuro

Mas ignorá-lo é de uma burrice descomunal…

Eu tenho a certeza, por posicionamento moral e ideológico, de que todos podem mudar. Se sua história começou de forma ruim, torta ou mesmo acidental, nada disso significa que sua existência precisa ser ruim, torta ou mero acidente. Em resumo, não creio em “destino” e não creio em “caminho sem volta”. Meu entendimento de mundo simplesmente não me permite ver as coisas por este prisma.

Se o Brasil é “uma nação por acidente” e uma República Democrática porque os poderosos assim permitiram, isso não significa que esse lugar não pode ser uma Democracia verdadeira, plena, e em que o povo em sua totalidade, e não oligarquicamente, decide os passos seguintes do país, e com a qual ninguém brinca ou manipula isoladamente. Mas, isso não é mágico. Não vai acontecer porque “tudo que eu quiser, um cara lá de cima vai me dar”… Aliás, se eu esperar “o cara lá de cima” resolver o Brasil, ferrou! Porque, na fila, tem o continente africano inteiro, que está esperando a ajuda há mais tempo, e é bem mais necessitado.
Brincadeiras maldosas à parte, estou tentando dizer o mais óbvio dos óbvios: O Brasil é o que suas elites poderosas permitem que ele seja e, assim que essas elites cansam do que está em curso, elas fazem o que sempre fizeram: Mudam as regras do jogo, com ou sem uso de força bruta. Tanto faz. Elas não se importam de usar a força. Mas se der para parecer que foi “do povo, pelo povo, para o povo”, tanto melhor. Não por ética, mas pela encheção de saco internacional que a força bruta gera.

E é por não reconhecermos o passado que tomamos por garantido e damos pouco valor ao risco de que nada é em prol de você, que não pertence a nenhuma das elites fundadoras desse lugar…

Esqueça a bobagem de classe média vs. classe pobre. Esqueça “burguês”, e esqueça “esquerdista”… Para essas elites que estou citando, somos todos a mesma coisa: Engrenagens e peças de reposição. Se algumas estragarem o andamento da máquina e do sistema que essas elites idealizaram e sempre mantiveram no curso, elas arrancam as peças “defeituosas”, removem as ameaças, e recomeçam a máquina, tudo de novo.

Bolsonaro é parte desse reset. Ele foi escolhido por elites agrárias e por elites financeiras, e suportado por parte da elite descontente com a hegemonia atual de certa família na imprensa nacional (de vez em quando, as famílias que pertencem à uma dada elite ficam bravas com a hegemonia de outra família naquele segmento; é o que acontece no cenário da imprensa brasileira, hoje).

A elite industrial e financeira fez Bolsonaro adotar Paulo Guedes porque a agenda dele vai ao encontro das necessidades atuais dessas elites de competir com o resto do mundo.

“Rodrigo, pelo amor de Deus, que viagem é essa? Parece papo de conspiração, conversa de sindicalista… Esquerdista…”

Garanto: Não tenho nenhuma simpatia pela proposta de Marx para os problemas do mundo, não concordo com o aparelhamento político dentro de sindicatos que deixam de defender seus associados da real agressão nas Empresas, pra eleger deputado, prefeito(…), e nunca vou chamar ninguém de “companheiro/a”, para ganhar votos ou aplausos…

Isso dito, nada na minha discordância faz com que eu me cegue para a solidez do diagnóstico que alguns desses agentes criticados fizeram e fazem. Eu posso não concordar com “o tratamento prescrito” (e, de fato, não concordo), mas o diagnóstico está certo sim:

O Brasil é um país em que a História prova, por via factual, que sua idealização foi sempre a de terra a ser explorada, e que aqueles que receberam ordens do império para explorá-lo, continuam comandando o jogo através dos tempos e das gerações. Desde a independência, poucas novas famílias surgiram nos seios dessas oligarquias que comandam “o show”. Vou citar algumas áreas onde essas elites residem:

Temos elites que comandam a extração de minérios.

Temos elites que comandam a produção agropecuária.

Temos elites que comandam os bancos.

Temos elites que comandam as indústrias.

Temos elites que comandam a imprensa.

Temos elites que comandam a justiça e o braço punitivo do Estado (Forças armadas, polícias).

E todas essas elites são amigas entre si e se conhecem muito bem. E todas elas comandam como o show chamado “Brasil” é conduzido. E quando elas cansam de brincar de alguma coisa com o resto de nós, que não temos sobrenomes de sangue azul, elas usam todo seu poder e influência para “resetar o jogo”.

“Rodrigo, então, você está sugerindo que não existem elites nos EUA, por exemplo? É um problema só nosso?”

Mas, que tipo de idiota você acha que eu sou???

É claro que existem famílias no comando de várias áreas fundamentais à vitalidade e poderio em cada país do globo (é um globo. Aceitem).

Fica para outro dia e para outro post, mas é exatamente por saber que elites comandando o jogo existem em todos os lugares, que jamais concordarei com a visão liberal da Economia, especialmente pautada na ideia de que a regulação estatal é inimiga do “fair play” de oportunidades, e de que a desigualdade do mundo pode ser resolvida via “meritocracia” (spoiler de post futuro: Se você tem esse tipo de acúmulo de poder, passado de geração em geração, “meritocracia” não pode existir de forma plena e plural, senão em condições muito específicas de avaliação; e aí, deixa de ser meritocracia, de fato)…

Mas, como Bolsonaro entra nisso tudo?

Ele é útil, mas, ele também é instável…

Quem “soltou o cão da coleira”, esperava que ele mordesse uns traseiros que andavam muito ousados e, em seguida, esperavam retorná-lo à coleira. Ele poderia brincar com o sistema, mas sem quebrar…

Acontece que Bolsonaro tem suas próprias ideias de ”certo e errado” e não é muito afeito à hierarquia e obediência não…

“Oi? Você está falando que um capitão reformado do Exército Brasileiro, não é afeito a hierarquia e obediência?”…

Bem, você já respondeu, se pensou assim: Atenhamo-nos, ao “reformado”.

O Brasil é um país em que todos são iguais perante a Lei (CF/88, Art. 5º, Caput). E é por isso que quando Juízes roubam e corrompem (Nicolau dos Santos Neto, já ouviu falar?) eles são punidos com aposentadoria integral (cassada década depois, sem devolução do que foi pago, só pra dar o “cala boca” em quem reclamava desse absurdo que continua acontecendo aos montes), e é por isso que Oficiais das Forças Armadas acabam reformados (aposentados) quando atentam contra a própria instituição… Porque esse é um país em que todos são iguais perante a Lei…

Bolsonaro foi “reformado” porque, não tendo seus desejos salariais atendidos pelos superiores, publicou plano de como atentar contra o próprio Exército Brasileiro (fonte). Ele dirá que foi inocentado do processo, e é claro que foi: Porque, como todos são iguais perante a Lei, no Brasil, Oficiais do Exército não “botam pra quebrar” contra outros Oficiais do Exército. Se Bolsonaro fosse Praça (Soldado, Cabo, Sargento), teria morrido em algum porão pelo que fez, da mesma forma que ele sempre deseja para “os comunistas” (seja lá quem são esses “comunistas”; talvez, eu mesmo seja um, sem saber).

Por não ser alguém que respeita hierarquia e não se sente obrigado a obedecer a lei (nem mesmo a lei marcial, mais rígida e que se aplica ao militar), ao soltar Bolsonaro da coleira de onde ele jamais deveria ter sido solto, seus novos donos (que bancaram sua candidatura com todas as armas disponíveis, incluindo o financiamento milionário de Fake News [fonte]) esqueceram de verificar o óbvio: Ele é um “cachorro louco”, com suas próprias ideias do que é certo e errado, e de quem é bom e de quem é mau.

E Bolsonaro (e seus escolhidos) vem fazendo um PenTest na Democracia

E você não deveria achar que é “sem querer”…

Finalmente, no clímax desta opinião (e é “opinião” porque não posso provar materialmente que Bolsonaro pensa como eu aponto que ele pensa; e eu não acho que minha opinião transforma hipóteses em fatos…), eu proponho que Bolsonaro, seus ministros, seus filhos, secretários, assessores, e todos aqueles que já participaram de algum ataque à nossa Constituição, à outras Instituições democráticas, à parte da Imprensa que não se alinhou (e que também é uma elite, mas é paradoxalmente necessária à Democracia) e etc.; estão todos participando em um PenTest do quanto a Democracia aguenta.

Quer dizer… Se a Democracia é um sistema, ela é só o Front-End (o sistema exposto). Por trás dela, há o Back-end (o sistema de suporte) que é a Sociedade…

Então, na verdade, quando Bolsonaro e seus partidários testam a Democracia brasileira, o que eles realmente estão testando são os limites do povo brasileiro…

O que eu realmente acho que Bolsonaro tenta descobrir é o quão difícil seria tomar o poder do Brasil para si, e quanta resistência popular, social, institucional, e sistemática, ele realmente teria se tentasse fazer isso…

Então ele tenta calar a mídia que não “fecha com ele” (não porque a mídia é boazinha, mas porque ela não confia mais que ele “vai jogar o jogo dentro das regras”). E se batemos palma para o cala-boca dele (ou se a maioria bate palma), ele sabe que calar a mídia não será difícil.

Depois, alguém a serviço dele diz que fechar STF e Congresso é fácil de fazer. Só precisa de um soldado e um cabo… E as pessoas aplaudem de novo. E eles medem se os aplausos são mais altos do que as vaias. Se são, mais um ponto pró-invasão…

Depois, alguém brinca com direitos e garantias, aqui e ali, e, na verdade, tudo parece muito ao acaso, muito desconectado…
E se as vaias superam os aplausos, aí, surge alguém do governo para pôr panos quentes e calar as bocas críticas… E eles dizem “não… Já passou, foi um tropeço, foi um descuido, um exagero…. Acabou gente! Circulando… Não tem mais nada para ver aqui” …

Mas, se você ousar ser um pouco menos crente… Um pouco menos “cordeirinho”… Se você ousar pensar que esses ataques são sistemáticos, coordenados, e não ocasionais ou acidentais, e miram as várias áreas que compõem um sistema que representa uma sociedade em regime democrático…

Então você vai ser capaz de supor o que eu suponho:

Que Bolsonaro está fazendo um PenTest que ninguém o contratou para fazer. Queriam que ele brincasse com o sistema, mas que parasse antes de quebrar. Mas, ninguém sabe ao certo se ele vai parar.

E, como eu, você também vai começar a suspeitar de que quando Bolsonaro estiver convencido de que é possível “invadir o sistema”, só Deus sabe o que ele vai fazer com o poder adquirido sobre ele.

Teoria da Conspiração, sim. Em algum grau, pensar como penso aqui, exige uma dose de imaginação, já que PROVAS não são tão fáceis de conseguir, e jornalismo investigativo não é minha profissão. Mas, só estou ousando pensar além da mensagem oficial de que tudo não passa de “mal-entendido”. De “fala fora do contexto”. De “excesso”.

Ou “coincidência”… Imagino o tamanho do esforço do Cosmos para fazer um Secretário de Cultura tocar Wagner, enquanto repete quase que textualmente o ideólogo-mor do Nazismo… O Cosmos precisou alinhar uns 100 planetas para essa coincidência ser viável.

E ainda que eu esteja errado (e, não duvide caro[a] leitor[a]: Torço a cada segundo pra errar feio nisso aqui), e que seja, mesmo, tudo apenas uma grande pataquada de incompetentes e inaptos, escolhidos a dedo pelo sujeito eleito pelo voto popular de gente que pensa só com o fígado… O estrago desses discursos não poder ser menosprezado, ainda assim.

Se Bolsonaro não é mesmo a favor de discursos Nazistas (e não apenas “porque os judeus ficam de mimimi” [termo que ele adora utilizar], mas porque é filosoficamente contra), o fato é que seu discurso virulento, raivoso e segregacionista, dá o reforço moral para gente lunática sair dos porões onde estava trancada com toda sua loucura e perversidade.
Se Bolsonaro não apoia realmente o espancamento de gays e lésbicas, seu discurso de que estes são “menos que gente” reforça, no coração de gente bestial, “o direito divino” de resolver o que Deus não parece se importar. Porque se Deus é tão poderoso, e gays o enojam tanto, ele poderia matá-los com o simples comando da palavra, ou até proibi-los de existir, fazendo com que todos nascessem sempre héteros, não? (E sim, isso é uma provocação para quem se irrita mais do que Deus parece se irritar com os problemas privados da vida sexual alheia).

Enfim: Se Bolsonaro não é o Demônio que suas falas e atos demonstram, no mínimo, ele avaliza, com direito à chancela presidencial da República Federativa do Brasil, todo tipo de mal e danação que todo ser humano, realmente de bem, repudia como: Por exemplo, matar alguém que pensa diferente de mim, ou que ama alguém que eu não amaria.

E esse penúltimo parágrafo é o melhor cenário. Eu garanto

O pior, eu expus ao longo do texto inteiro…

Mas, sumarizo: Bolsonaro está testando o quão vulnerável é o sistema democrático brasileiro. E nem seus donos (que o tiraram da coleira), nem seus eleitores; mas só Deus sabe o que ele fará quando descobrir as vulnerabilidades desse sistema.

E não existe sistema totalmente seguro…

Sobre Perdas & Danos

Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 927, Código Civil de 2002.

Este vai ser um daqueles…

Começo, de cara, com um “disclaimer”, para gastar minha cota de inglês desnecessário e, também, para te avisar de que você, talvez, queira calibrar o que vai ler.

Mas, calibrar como?
Bem, imagine um segmento de reta com dois pontos extremos entre si, numa graduação centesimal de 1 a 100, sendo que à extrema esquerda, temos o otimismo, e à extrema direita, o pessimismo. O que você vai ler deve estar, em sua forma in natura, muito próximo da marcação de “70”, ou até mesmo “80”, já perto do fim do lado direito deste segmento proposto.

E, aqui, temos um duplo exercício: Um exercício simplório de geometria, misturado com um exercício avançado de disposição da liberdade. Cabe a você, caro(a) leitor(a), decidir se o que digo está muito distante da realidade porque é deveras pessimista, ou se está muito longe da verdade porque ainda não é pessimista o suficiente.

Você também pode concluir por uma terceira via: O texto atinge o patamar de “realidade”, pois, ele tem o pessimismo que a realidade circunstancial pede. Mas, se este for seu caminho, você escolheu olhar para a questão por um ângulo pessimista, já que no exercício original, eu propus que minhas palavras tenderão à extrema-direita do segmento; na altura da marcação em que se lê “70” ou “80”, em um segmento com graduação centesimal de 1 a 100.

Todos os modelos estão errados

Mas, alguns são úteis…

Quem dera a frase fosse minha. O autor (para alguns, apenas o difusor) dela, o estatístico britânico George Box, a cunhou diante de um desafio estatístico que lhe foi destacado. Eu já falei dele por aqui. Eu lembro. Lembro de tudo que escrevi. Isso é, muitas vezes, uma maldição, já que me ajuda a pensar em quanta coisa eu já disse e quantas delas eu queria poder ter dito melhor, diferente, ou nem ter dito. Estou fugindo do tópico. Voltando, porque “recordar é viver” (que também não é minha) e na raiz da palavra “recordar” achamos “repassar através do coração”. Como este é um texto emotivo, segue:

George Box a popularizou depois de perceber que o problema com as fórmulas e representações, não só no campo da Estatística, mas, também, nas Ciências de modo geral, se dava porque um modelo só pode representar um certo tanto de dados, variáveis e informações. Não importa o quão agressivo seja o teu esforço em coletar tantos dados e aperfeiçoar tanto quanto possível suas fórmulas e equações, elas são, naturalmente, só uma tentativa de representar uma pequena parte da Realidade e jamais Ela por inteiro (com letra maiúscula, como se fosse uma entidade).

Como modelo, eu adotei o Pessimismo

E isso já me causou todo tipo de problemas…

Todo mundo que convive comigo sabe que eu raramente considero que tudo vai dar certo “de largada”. E essa é uma decisão racional de como encarar o mundo e tudo o que reside nele.

Para a maioria dos brasileiros, o Otimismo é quase uma marca registrada da “brasilidade”, ou, do que é ser brasileiro. Assim, o fato de eu ser aberta e conscientemente pessimista causa uma certa surpresa, quase sempre seguida de uma certa rejeição porque, como já dito, ser otimista é uma marca do que é ser brasileiro, e ser pessimista é uma negação de boa parte da brasilidade.

Isso tudo já foi tema de algumas sessões de terapia, claro, porque, modo geral, as pessoas ao meu redor sempre esperam que eu seja mais otimista. Ainda que eu conseguisse, eu não escolheria ser, enfim. Não é quem eu sou, nem o caminho pelo qual eu percorri. A conclusão, junto à minha psicóloga, foi de que meu pessimismo não é um problema. Nas palavras dela, eu tenho uma percepção acentuadamente analítica das situações e, por inúmeras experiências passadas, e por lembrar delas, eu tendo a não crer nos melhores resultados, porque, bem… Porque os melhores resultados não são a regra, nunca. Prova?

Em Probabilidade, um ramo da Matemática, sabemos que em um jogo de 6 números escolhidos entre 1 e 60, temos uma chance de sucesso, contra 50.063.859 (cinquenta milhões, sessenta e três mil, oitocentos e cinquenta e nove) de fracasso. Estou falando da Mega-Sena, claro, mas, aplique o mesmo modelo (lembrando que todos estão errados, mas, alguns são úteis) e você verá que o Otimismo “à brasileira”, como seu irmão, o Pessimismo extremo, é uma distorção da Distribuição Normal de eventos em uma dada série. Em resumo, o jeito otimista do brasileiro é um problema porque não nos revoltamos com o que está errado, sempre contando que na nossa vez vai dar certo (embora a probabilidade diga o exato oposto). E, claro, se você perguntar para o último ganhador da Mega-Sena, dane-se as probabilidades: Ele jogaria todos os dias da vida dele (porque, óbvio, para ele a probabilidade foi “a uma”, e não as 50.063.859 que todo o resto de nós experiencia durante a vida toda).

Voltando ao meu divã, minha psicóloga e eu concluímos que meu pessimismo ainda não é um problema. Ele é acentuado, claro, construído às custas da pilha de experiências que eu vivi, e do resultado das minhas tentativas, mas, nas palavras dela (de novo): O pessimismo só se torna um problema quando você deixa de tentar por temor das probabilidades contra si ou contra o intento. De outra forma: Enquanto meu pessimismo não me impedir de tentar, ele apenas me fará ter menos amigos e menos simpatia. Em troca disso, ele também me ajuda a prever o que a maioria não conta que possa acontecer. Desse modo, se eu for inteligente o suficiente, posso usar isto a meu favor. Basta prever os riscos que os outros negligenciam, e preparar planos para cada cenário de falha. Não neutraliza o resultado final da probabilidade (a Mega continua resultando em uma chance “pró” em mais de 50 milhões “contra”), mas me faz contar menos e menos com o “final feliz automático”, e mais com a diversificação de planos e caminhos para atingir as metas que tenho.

Mas, eu posso justificar racionalmente o Pessimismo como uma forma inteligente de encarar as situações. É o que faço a seguir.

Todo sistema é entrópico

Melhor dizendo: Todo sistema real é entrópico…

A Entropia é uma propriedade originária do ramo da Termodinâmica, e determina o grau de desordem de um dado sistema. Essa desordem não deve ser confundida com “bagunça”. O exemplo clássico é o cenário do pote com dois grupos de bolas, cada um de uma cor, preenchendo 2/3 do pote. O terço restante está vazio. No estado inicial, as bolas azuis estão no fundo do pote, e as vermelhas por cima das azuis, totalmente separadas. Então, tampamos o pote (portanto, esse sistema é, agora, hermético) e balançamos um pouco. As bolas vão se misturar. E depois, balançamos mais um pouco. Elas se misturam mais. A Entropia é a medida de quanta desordem há no sistema atual, desde a situação inicial dele. O que ocorre é que, não importa o quanto balancemos o pote, ele nunca mais voltará à situação inicial.

É por causa disto que, com a tecnologia que temos, e respeitando as leis da Termodinâmica, nunca conseguiremos criar um sistema moto-perpétuo. Um sistema em que um gerador alimente um motor, e este alimente de volta o gerador, está fadado a desligar, não importa o quão eficiente seja o gerador ou o motor. Todos estão sujeitos a perder energia na forma de calor, e a entropia do sistema garante que nada voltará à forma original. Portanto, é impossível conservar a energia original (no exemplo, a rotação do eixo do motor) e convertê-la de maneira ordenada para outra forma de energia (como a energia elétrica do gerador) sem que este processo gere um desvio considerável de energia na forma térmica.

E assim é com todos os sistemas. Não importa o quanto cuidemos do nosso corpo, a perda de vitalidade ocorre ao longo da vida. Não importa o quanto cuidemos de uma máquina, o destino dela é parar de funcionar pelo desgaste. Mesmo em sistemas financeiros, onde o acúmulo de capital sempre alavanca o crescimento deste mesmo capital, a regra tende a permanecer: Para manter o poder de compra de um dólar estado-unidense de 1860, o consumidor norte-americano precisa desembolsar 30,99 dólares atuais (fonte). E estamos falando de uma economia que, com erros e depressões, deu mais certo do que errado ao longo dos últimos dois séculos. Em outros sistemas financeiros, a perda é mais evidente, embora sistemas financeiros não se comportem como sistemas termodinâmicos. No primeiro caso, as coisas valem o que acreditamos que elas valem. No segundo caso, não importa a opinião, os sistemas vão gerar calor e desgastar. Ainda assim, o primeiro se comporta, muitas vezes, como o segundo.

E tudo isso para demonstrar que a escolha pelo Pessimismo é uma escolha lógica. Na natureza, e mesmo nos sistemas artificiais (em grande parte), a Entropia está presente, e todos os sistemas tendem à decadência. No campo da Probabilidade, a Distribuição Normal de eventos, tanto contra, quanto a favor de uma dada situação, demonstra que a situação ótima é tão remota quanto a pior, e o que resta são situações que podem ser boas ou não, mas, se só uma situação lhe serve (como no caso da Mega-Sena, ou em outras situações decisivas com apenas um desfecho bom), as chances estão todas contra.

Assim, eu contrario a brasilidade. Eu contrario um dos traços mais marcantes do meu povo: Contar com o melhor. E, com isso, não faço tantos amigos, nem sou tão popular quanto poderia ser se adotasse um estilo altamente positivo e otimista (quem sabe, com falas de coach e um coque samurai) em relação ao desenrolar das coisas e dos atos da minha existência. Curiosamente, isso me agrada. Viver em função do que os outros esperam de você é sempre um enorme desgaste (porque os sistemas, como eu já disse, sofrem com a entropia, e as relações humanas não escapam disso). Manter relações com base em otimismo requer um enorme dispêndio energético para repor o que se perde com a entropia delas.

Eu não terei a vaga de gerente de vendas. Isso é certo. Ele precisa vender sonhos, e eu não acredito neles por essência do meu pensamento. Também, deve ser difícil me tornar um político de destaque. Meu povo conta com gente que venda um otimismo enorme, e raramente meu povo reage bem a pessoas com uma visão cética da realidade. Ainda assim, a Escola Cética tem representantes em todos os campos da política, em vários momentos históricos, e – contraditoriamente o bastante – há alguma esperança para um pessimista como eu.

Ter uma abordagem pessimista, se basear numa análise pessimista da realidade, de maneira nenhuma me impede de ter metas, planos e até sonhos. Apenas me coloca numa situação de não empolgar ninguém com o que tenho a dizer. Eu não consigo, modo geral, dizer para as pessoas que tudo vai acabar bem enquanto elas estão amarradas na linha do trem de carga. O que consigo fazer, por outro lado, é dizer a elas que se decidiram enfrentar bandidos ferroviários, o melhor a se fazer é andar por aí com facas e canivetes e, se possível, ter alguém escondido para cortar as cordas na hora derradeira. Não é tão motivador. Sei disso. Mas, me trouxe até aqui, e onde outros tropeçaram, eu prosperei. Por outro lado, minha análise me diz que não vou tão longe quanto quem pula por cima de precipícios do mesmo modo que pula da calçada para a rua, por sobre o meio-fio. Estou em paz com isso, todavia.

A antiga cultura chinesa (seja no Confucionismo ou no Taoismo, ou mesmo antes dessas Escolas) sempre ensinou que o equilíbrio é a mais importante virtude de alguém sábio. Mais importante do que ser muito otimista ou muito pessimista, muito prático ou muito teórico, muito sonhador ou muito cético. E assim, o que tento fazer é me cercar de pessoas que “calibrem” esse modelo de análise do mundo que tenho, de tal modo que eu tenda ao equilíbrio, mesmo que de forma externa e imperfeita. Trazer esse balanço para dentro de mim ocorreria de forma artificial e não é quem eu sou, portanto, esse tem me parecido o melhor remédio contra um eventual desequilíbrio tendente ao pessimismo extremo.

Mas, não é só sobre mim que eu quero falar. Já falei o que você precisa saber para entender “de onde vim”, e como eu vejo a situação a ser exposta em seguida.

Meus amigos foram embora

De novo…

Todos os anos, nos últimos tempos, o Daniel e a Heloísa têm feito um sacrifício árduo. Saem de suas casas, ao Norte, e vem para o Brasil. Isso tem alto custo. Moraram no México. Agora, moram nos EUA.

Eu me lembro bem de quando foram de vez. O Daniel me ligou no meio de uma semana comum e sem qualquer ocorrência de grande vulto, e disse que precisava conversar comigo e de alguns conselhos.

Somos amigos desde os meus 15. Já passamos por todo tipo de história. Momentos de profunda depressão, e de grande alegria. As bandas de rock, as desventuras amorosas. Os churrascos, as festas, as roubadas. Atravessar parte do litoral paulista sem plano e sem renda, o “sal de forno”, a noite na rodoviária. O cursinho, o ingresso na faculdade pública, o abandono de certos planos e sonhos. O começo da carreira, mais desilusão, e a fase da ascensão. Cada um viveu isso em um dado momento, e contou com e para o outro.
Foi, sem sombra de dúvidas, uma amizade que definiu bastante como um e o outro cresceram e lidaram com uma fase turbulenta e delineadora do que é a vida humana. “Foi”, mas continua sendo, claro. “Foi”, porque a distância, o fuso e outras coisas tornam ela menos presente e menos constante. Mas, também continua sendo porque, sempre que podemos, estamos interagindo dentro dos limites impostos pela realidade. Além disso, depois dos 30, você não se transforma por completo, então, a amizade não se torna mais a parte que define como você vai ser. Você, no máximo, apara algumas arestas, fortalece conceitos e preconceitos, e vai ganhando experiência para preencher seu empirismo adiante.

O Daniel é um homem muito inteligente e, uma vez em uma multinacional, não demorou para começar a ganhar notoriedade, desafios e cargos maiores. Hoje, gerencia quem gerencia, e está cada vez mais perto do nível estratégico. E é bom dizer que, no meio disso, ainda houve uma demissão durante a crise, e foram buscá-lo quando a coisa normalizou. Não é preciso defender adiante, portanto, o nível diferenciado de profissional que ele sustenta.

O título dessa parte pode soar meio ofensivo a todos os outros amigos que ficaram (e os que ficaram são mais numerosos do que os que foram). Não é a intenção, e lamento se alguém se sentiu “menos amigo”; isso nunca foi a missão. Mas, eu precisava falar sobre perdas e danos.

Eu perco e sinto os danos, toda a vez que eles se vão. E isso ocorre, felizmente, uma vez por ano, nos últimos anos. É caro e doloroso para o Daniel e para a Heloísa. E para mim, é só doloroso. Mas, se isso é tudo o que podemos ter, pela realidade imposta, é melhor passar por isso do que não ter em absoluto. Óbvio.

Voltando para a conversa que tivemos antes do Daniel bater o martelo pelo plano de assumir um time no México, nós passamos pouco mais de duas horas avaliando o que sabíamos dos dois cenários. Aquele em que ele não fazia nada para sair daqui, e aquele em que ele “encarava o mundão”.

Eu juro: Eu procurei.

Procurei uma única razão para dizer “cara, é melhor sair dessa. Isso pode ser bom no curto prazo, mas não vai ser bom no médio e no longo”. Ou algo como “por mais tentador que seja, as oportunidades que você terá aqui serão mais recompensadoras do que qualquer aventura por lá”.

Acontece que eu não achei nada.

E eu tive que dizer “Daniel, eu lamento por nossa amizade e por tudo que fazemos juntos… Mas, não consigo achar uma só razão para você declinar esse convite”. E acho que ele disse algo como “É o que eu temia”, seguido de uma risada um pouco nervosa. Não havia alegria. Só razão e pessimismo.

Que o Dani e a Helô não me entendam mal: Eles e a Ruby (a companheira de quatro patas) estão muito bem. A vida tem sido leal com o esforço e com o sacrifício. Ele tem crescido mais e mais na empresa, e a Helô sempre elogia as experiências no México, e começa a ter novas experiências nos EUA, também. Tem a bagagem cultural, as línguas aprendidas, as vivências, as paisagens, os acessos aos bens de consumo de forma muito menos sofrida; enfim… Tem tudo isso.

Mas foi a razão e o pessimismo que nos fizeram perder o Dani e a Helô “para o mundo”. E eu posso dizer, sem medo de errar, que se eles tivessem um pouco mais do país que nasceram, não teriam ido. Um pouco mais de confiança. Um pouco mais de segurança. Um pouco mais de perspectiva. Um pouco mais de tudo. Porque quando eles decidiram fechar as malas, deixaram para trás a chance de conviver com todos os que faziam sua vida, até ali, tão preciosa. E ninguém abre mão disso “por pouco”.

Aqui, eu imagino que vão surgir filósofos à esquerda e à direita das correntes possíveis. Vão defender que um sonho requer sacrifícios. Outros dirão que eles não deixaram de fato, e que dá para amenizar a distância com tecnologia, enquanto outro fim de ano não chega. Haverá os que atacarão e apoiaram cada uma das escolhas na mesa. Ir. Não ir. Sacrifício. Raízes. Aventura. Família. Cada qual valoriza, na ordem em que aprendeu a valorizar, cada tipo de argumento. Para mim, são todos inúteis no caso concreto.

No caso concreto, só admito a resposta vinda do Daniel e da Heloísa. Eles sentiram na pele, eles pagaram e pagam o preço, e eles colhem os frutos, doces ou amargos, ou até agridoces… Mas, na falta deles, eu estava perto, participei, e ouvi quando o martelo foi batido. E o que não foi dito, mas estava lá, foi “Caramba… Então é isso mesmo? Vamos sair daqui? Vamos ter de sair…”.
Era um misto de decepção por não achar os motivos certos para dizer “não é a hora, não é pra mim, não é bom” … Com um misto de medo do desconhecido. Impulsionado pelo sonho quase omnipresente nas populações de países pobres de imigrar para lugares melhores, ou, para ser mais justo, “aparentemente melhores”, já que você pode ter uma vida boa no Brasil, e passar por apuros enormes ao morar na Finlândia; o que quero dizer com isso é que “melhor” depende absolutamente da resultante da tua experiência com o exterior, e não de indicadores mundialmente calibrados ou pesquisas de perspectiva nacional.

E acho que o lado preocupado do Daniel contou comigo para achar a razão inquestionável para não ir. Quero dizer: Quem me procura para esse tipo de assunto não pode nunca achar que vai ouvir algo como “nossa, vai ser demais, e você vai ver o mundo, e vai fazer outras amizades, e vai ser incrível”, ou “nossa, agora tenho uma casa pra ficar quando eu for naquele país” … Eu já disse: Se você me conhece há tempos, sabe que sou alguém com um modelo pessimista de análise, e que eu acredito na entropia dos sistemas. Se não me conhece, bastaria ter lido, com mais cuidado, o começo dessa publicação.

Para “azar” do lado preocupado do Daniel, meu modelo de análise não se corrompe para o lado que mais me agrada. Teria sido “fácil” (não moralmente fácil) manipular as situações, dados e perspectivas, e incitar os medos mais profundos do amigo, que já me ligou preocupado e aflito, e tudo para mantê-lo perto de mim e de todas as pessoas que compõem as nossas vidas, em comum ou não. O lado preocupado do Daniel talvez amasse a resposta “essa é uma péssima ideia”.

Não foi como decorreu. Analisamos o que estava na mesa. Analisamos a perspectiva do mercado brasileiro versus as expectativas que o Daniel tinha para a própria carreira. Analisamos o que ele esperava para a própria vida, para a vida a dois com a Heloísa, e o que ele queria proporcionar para si e para ela.
E sair do Brasil foi a decisão óbvia. Mesmo em 2014, quando tantos conterrâneos meus ainda achavam que o Brasil tinha entrado numa virtuosa crescente que nos levaria ao patamar de país que honraria a já trágica e eterna promessa de “país do futuro”. Trágica sim, porque, desde que isso foi prometido aos brasileiros, parece que todos nós que nascemos aqui, seguimos de braços cruzados esperando alguém (excluindo nós mesmos) fazer esse “país do futuro” acontecer.

E a lista não parou de crescer

E outros amigos e colegas seguem saindo…

Alguns eu conhecia bem, outros, eu cheguei a estar no casamento. Alguns, eu apenas gostava de trocar meia dúzia de palavras, mas, de todo modo, todos deixaram pessoas queridas aqui, como o Dani e a Helô.

Renato e Diego, esposas e filhos, foram para Lisboa.

O Rodrigo foi para Foster City, na California.

Antes deles, o Fernando já tinha ido para Vancouver.

O Paulão foi para Nova York.

O RodG já estava em Seattle.

O Leo Fagundes, esse iria para os EUA de qualquer jeito, em qualquer circunstância (legal, claro). Conheci poucas pessoas tão determinadas a morar lá.

Recentemente, o Mark, colega de trabalho na HP, voltou com a esposa brasileira para sua terra natal, a Holanda, depois de mais de uma década aqui.

Antes ainda, já havia outros colegas e amigos indo para o Texas, San Francisco, San Mateo, Seattle, Londres, Melbourne, Sidney, Helsinki…

A lista nunca desacelerou e, na verdade, depois de 2016, a lista apenas cresceu e ficou mais rápida, mais imprevisível. Gente com quem conversei um pouco antes e me disse que não tinha motivos para sair, saiu pouco depois da conversa. Senso de oportunidade, vai ver. Mas eu acho que não. Tem algo a mais.

Não há nada de errado em sair

Se pelos motivos certos…

Ora… O “motivo certo” não seria o motivo de cada um? Sim! E não…

A história da raça humana é também uma história de migração. Falar em “verdadeiro brasileiro”, ou “verdadeiro americano” é falar em povos indígenas, tão somente. E até mesmo eles (ou seria “principalmente eles”?) têm a constante movimentação pelo terreno como uma forma de permitir que a terra se regenere e permita um novo ciclo de consumo, mais tarde. Então, não: Não há, definitivamente, nada de errado em sair do seu país de origem e ir morar em outro lugar. Seus antepassados, todos eles, fizeram isso em algum momento; alguns, mais de uma vez. A Europa teve diversos impérios continentais com constante processo de migração dos seus povos. Nem mesmo a Europa setentrional/nórdica/escandinava pode se dizer isenta disso.

E os motivos para sair do país são sempre pessoais, é lógico. Se você nasceu em Londres e concluiu que o clima chuvoso não é pra você, você tem todo o direito de ir morar em Cape Town, ou mesmo na Austrália e, de quebra, não tem que reaprender um idioma inteiro, o que é muito bom pra você.

Então, o que eu construo, a seguir, não é uma crítica à vontade de mudar. Essa é, pra mim, sempre legítima e de justificativa de foro pessoal e não comparável.

Mas, o que se deu em parte relevante dos casos citados foi a exaustão da fé, da paciência, e a prosperidade do medo generalizado e da ansiedade quanto ao próprio futuro. E, sem qualquer intenção de justificar as escolhas de cada um (que são totalmente privadas e alheias a mim), a culpa por esses sentimentos e o esgotamento de parte deles é do meu país. Não das pessoas que se foram.

Parece não fazer sentido. Talvez, não faça mesmo. Mas toda vez que um conhecido parte do Brasil em busca de uma vida melhor, na minha cabeça fica a ideia: “Devemos desculpas a ele/ela/eles”.

Ninguém deveria ser expulso (ainda que de forma silenciosa) do país em que nasceu, mas, recentemente, o Brasil forçou, sistematicamente, aqueles com condições a sair daqui. Forçou com medidas estatais e forçou com atitudes do povo que ficou. E, claro, isso não agrada a quem ficou. Mas, eu já disse que não falo ou escrevo o que agrada mais. Eu falo e escrevo o que consigo constatar por meios objetivos, como estatísticas, bem como por meios empíricos, como uma conversa com quem está deixando este lugar para trás.

O Brasil se tornou um país hostil para pessoas inteligentes, com competência e talento acima da média, e todos os que tiverem a chance de sair devem acabar saindo, senão por ideologia (como eu, só por ora).

A pergunta lógica a seguir seria “por que?”. O “porquê” dessa questão tem muitas respostas possíveis, mas, se tentarmos manter critérios objetivos, evitando variações de humor e de ponto de vista, veremos que o Brasil tornou-se inóspito a quem contrariar qualquer parte do status quo. Mas, o ponto de pressão sobre aqueles que têm meios de sair parece ter chegado ao limite de alimentar o rompimento com a terra natal de maneira escalar.

Analisemos:

Ser miserável nos EUA ou aqui não é exatamente diferente. Em ambos os casos, você não tem o bastante para seguir vivendo, e sua existência é feita de dor, de ausência, e de exclusão.

Se você é rico (rico mesmo… Estou falando e alguém com mais de 10 milhões de dólares acumulados), tanto faz se você mora no Brasil ou nos EUA. A sua experiência de vida é de acesso pleno aos bens de consumo, saúde de primeiro nível, e você consegue o que quer em ambos os lugares. Poderíamos discutir que a segurança no Brasil é um problema, mesmo para os ricos, mas alguém com 10 milhões de dólares ou mais não terá muitos problemas com isso, mesmo aqui. Para balancear, devemos lembrar que nossa Justiça e Legislação favorecem constantemente os mais ricos, e que nosso clima é sempre regular, sem excessos ou catástrofes naturais como no território dos primos ricos do Norte. “All in all”, eu diria que não faz diferença onde você mora, com o poder aquisitivo alto.

Mas, se você está numa classe flutuante como a classe média… De origem nem tão pobre, nem tão rica, com o sonho constante de ascender, mas sempre diante do risco iminente de sucumbir… Nesse caso, o Brasil é um dos países mais hostis que você poderia morar. Você tem inteligência suficiente para crescer na vida, mas não o bastante para criar uma tecnologia nova e fundar uma empresa multimilionária. Com isso, empreender com pouco dinheiro te expõe a todo tipo de mazela que o Estado brasileiro é capaz de propor. Você ganha bem o bastante para ter seguro, mas não para blindar seu carro ou ter seguranças em casa. Você até que mora bem, mas corre riscos com enchentes e deslizamentos, e ainda depende do transporte público para manter a economia nos trilhos. Você tem acesso à saúde, mas só enquanto for empregado e tiver o convênio de bom porte que sua empresa banca… Se você está nesse grupo que nunca foi rico, mas está longe do real sentido da palavra “pobreza”, o Brasil é, de fato, um país muito hostil para seus planos e sonhos.

Eu sei o que alguns estão pensando: “Pobre classe média e seus problemas de branco”. Eu conheço esse pseudo-argumento. Acontece que a classe média é o assalariado deste país. E essa classe média que emprega a maior parte das pessoas em um país com constante desindustrialização e um aumento do ramo de serviços. É essa mesma classe-média que arca com a maior parte do custeio da máquina pública (incluindo os programas sociais), seja porque ela é numericamente relevante na demografia, seja porque o modelo fiscal brasileiro a esmaga entre os benefícios (legais e ilegais) aos mais ricos, e as isenções (justíssimas, destaco) aos mais pobres. Quando você se sente nesse rolo compressor e há uma saída para fora desse modelo, é mais do que óbvio que você vai tentar escapar.

Só para uma comparação objetiva:

O pior estado dos EUA, quanto ao IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano) é o Mississippi (fonte), com base em dados de 2017. O estado atingiu um IDH de 0.866, equivalente ao IDH médio da Polônia que, bem sabemos, não anda lá um lugar bacana de se viver, com seu governo autoritário e outros problemas sociais como uma população voltando a se apaixonar por contos de supremacia das raças, etc…. Ainda assim, o Alabama, quadragésimo nono na lista, atingiu o IDH de 0.882, equivalente ao IDH da Itália. Dali para cima, o IDH só melhora, e a comparação também. Alguns estados são comparáveis à Suíça e Noruega.

Já, no Brasil, o melhor estado é, obviamente, o mais desenvolvido, e estamos falando de São Paulo (fonte). Seu IDH-M é de 0.826. O pior Estado do Brasil, Alagoas, tem o IDH de 0.683. O melhor estado brasileiro tem o IDH 40 pontos menor que o pior estado americano. Se você morasse no Mississippi, estaria, ainda assim, melhor assistido nos itens “índice de educação”, “longevidade” e “renda”, todos abarcados pelo IDH-M, do que poderia estar em São Paulo. E, como eu já sustentei, isso faz diferença especialmente para você que não é nem rico, nem pobre, e que depende da capacidade final do seu poder de compra para ascender ou, ao menos, evitar o descenso.

O Brasil se tornou um pesadelo para pessoas capazes

E não há mal que não possa piorar…

Brain Drain” é um termo conhecido no exterior quando o tema discutido é a “fuga de cérebros” de um dado país. Em 2011, a Receita Federal informou que ~8 mil declararam saída definitiva do Brasil. Em 2014, o número subiu para ~12 mil. Já, no período passado, o número de declarações de saída definitiva foi de ~22 mil (fonte). E se estamos falando em saída definitiva na Receita, estamos falando de pessoas que emigraram legalmente e que foram para fora com visto certo e, possivelmente, empregos com qualificação satisfatória. Ou seja: A chance dessas pessoas voltarem é bem remota porque emigraram legalmente e com solidez. Também, porque o Brasil nunca melhorou de lá pra cá. Pelo contrário.

O ranking da respeitada IMD (International Institute for Management Development), da Suíça, colocava o Brasil, em 2009, na 14º colocação dos países com menor Brain Drain. Em 2018, o ranking colocou o país em 39º. Agora, o país ocupa a 3ª pior posição (fonte). Na América do Sul, só perde para a Venezuela, a primeira da região em “fuga de cérebros” (e onde o suicídio está ascendendo) (fonte). Cabe reforçar: O ranking só lista 63 países. E somos o 61º pior. Pior do que nós só Venezuela e Mongólia, respectivamente.

Claro: É um ranking parcial e não global. Mas, para a 9ª maior economia do mundo (e que já foi a 6ª, em meados de 2012) (fonte), figurar no fim da fila da retenção de talentos é a medida do fracasso. E tem gente comemorando: “Se não servem pra ajudar o Brasil, melhor irem embora mesmo” dizem os insanos que, cegos por um senso tresloucado de patriotismo, não entendem que sem as pessoas “certas” (certas = certas para ajudar no desenvolvimento de tecnologias, patentes, produtos e serviços que o mundo queira pagar caro por), toda terra é só um pedaço de terra. O pedaço de terra chamado Brasil, sem pessoas competentes, vale tanto quanto o fundo do mar ou a superfície da Lua valem, agora.

Como alguém da área de TI, me sinto mais do que confiante em demonstrar episódios dessa triste história brasileira:

O criador do HoloLens, tecnologia de Realidade Aumentada/Mixada da Microsoft, é o curitibano Alex Kipman. Recentemente, foi indicado ao prêmio “Inventor Europeu” do Instituto Europeu de Patentes, pelos feitos na área de pesquisa de AR/MR em que é líder (fonte).

Um sujeito importante (dentre outros, claro) nos projetos de Computação Quântica da Microsoft, depois do Google e atualmente da Amazon, é o mineiro Fernando Brandão. Ficou famoso com o anúncio da Google sobre o atingimento da Supremacia Quântica, projeto em que foi fundamental (fonte).

Eu teria vários outros nomes para citar, mas vou ficar nos dois, pelo tempo e pelo comprimento desse texto.

Gente que está lá fora, dando o que falar, positivamente (ao contrário da turma ministerial deste lugar). E poderia estar aqui, gerando patentes e conhecimento, que gerariam emprego e rios de dinheiro.

Por que não está? Claro que o Estado Brasileiro tem sua culpa nisso. Mas nosso povo – a grande massa que o compõe – também tem.

Sugiro procurar qualquer artigo em que um dos dois conversou sobre as chances de voltar para o país natal (ambos já disseram: nulas) e vá nos comentários. É a mesma animalidade de sempre. “Melhor nem voltar”, “É um favor! O Brasil não precisa de vocês!”, “Elite é um lixo, recebem tudo de bom e do melhor, e não sabem devolver nada”.
Se você tivesse um cérebro acima da média, um governo que odeia Ciência e Verdade científica, décadas de destruição dos sistemas de ensino e pesquisa (fato que não pode ficar só na conta do atual Governo, devo frisar, mas que vem sofrendo ainda mais com cortes e represálias demagógicas e ideológicas deste) e uma população igualmente animalesca, você ficaria aqui, diante de um convite para estar em um país que leva sua área de pesquisa a sério? Acho que sabemos a resposta. Os números mostram o mesmo.

A solução para o Brasil é Guarulhos

Mas espero – em vão – que, um dia, deixe de ser…

Uma das brincadeiras entre PFEs (o nome da posição que ocupo) é que a solução para o Brasil é Guarulhos. Ou seja: Ir embora do país, pelo maior aeroporto internacional da América do Sul.

E se você é um dos desesperados em sair daqui, tenho que te dizer que você quer muito trabalhar onde eu trabalho. As opções para sair com emprego são inúmeras e constantes. Literalmente, dezenas de vagas e lugares, o tempo todo.

Obviamente, você precisa de um binômio chamado “qualificação & sorte”. Qualificação para competir com o resto do mundo tentando. Sorte para ser política e economicamente viável para o dono da vaga trazê-lo para a terra dele. Mas, mesmo dependendo disso, acontece com muita frequência.

A real solução para o Brasil seria que a sociedade brasileira, que é composta por todos nós (e esqueçam Brasília por um tempo, por favor), deixasse de ter os traços que Durkheim chamou de “solidariedade mecânica” e migrasse para a “solidariedade orgânica”.
Durkheim já foi sucedido de todos os modos. É datado, fundou a Sociologia e, portanto, não a viu florescer como já ocorreu. Teve seus estudos e conceitos propostos postos à prova, diversas vezes, tendo em vista o quão rudimentar acabou se tornando com o tempo. E mesmo sendo tão “datado”, ainda explica o problema do Brasil tão bem.

Ele diria que a solidariedade mecânica está fortemente pautada na coerção imediata, violenta e punitiva, e que as ligações entre as pessoas não vão além de seus círculos sociais imediatos. Como homem europeu e branco, ele estava obviamente sugerindo que essa solidariedade mecânica se aplicasse às tribos e civilizações não industrializadas. Contudo, ao olhar o modelo de “civilização” e respeito que se desenrola no Brasil, eu vejo o que Durkheim propôs: Nos organizamos em tribos (a tribo dos que querem andar armados, a tribo dos que querem ridicularizar a religião, a tribo dos religiosos, a tribo dos médicos, a tribo dos motoristas de Uber, a tribo dos taxistas, a tribo dos juízes, a tribo dos políticos), e dentro dessas tribos, há um certo grau de respeito, ora por admiração, ora por medo. Para fora delas, não há respeito algum. É cada um por si… E a lei precisa ser altamente regulatória e punitiva, porque, sem esse comportamento do legislador, não sabemos, simplesmente, como nos respeitar. Então, como um bando de crianças (ou homens das cavernas) precisamos ser tratados pela figura do Estado.
Durkheim foi criticado por sua visão muito eurocêntrica do que representava o “progresso”, e de ter significado que não ser como a Europa era um sinal de simploriedade e atraso. Ele se referia aos povos nativos e/ou tribos africanas. Mas, se tivesse conhecido o caso do Brasil há tempo, sua imagem poderia ter sido menos arranhada com uma prova cabal…

E a pergunta que me persegue…

(Tanto quanto “você vai deixar a TI ao final da faculdade de Direito?”) é “por que você não deixa o Brasil?”…

A resposta já foi muito certa dentro de mim. Sete anos atrás eu diria algo como “eu ainda não tentei tudo que posso tentar nesse lugar. Quero tentar ajudar o Brasil a procurar outros rumos, para longe dos ciclos de sujeira e jogos de cartas marcadas que sempre ocorreram aqui”.

E aí, eu envelheci. Não só na idade, mas mental e emocionalmente.

Olho para os comentários (não só os virtuais, claro) dos meus conterrâneos, e duvido cada vez mais que esse lugar possa ser salvo.

As pessoas olham para a elegante Brasília como o centro de todos os problemas daqui. Eu olho para o grupo de Whatsapp da minha família. Eu olho para os cafés em que vou tomar uma dose com os amigos do trabalho. Olho para os meus clientes, meus colegas de trabalho. O noticiário local, regional, nacional.

São mentiras, preconceitos, ideias estapafúrdias, soluções simplistas para problemas muito complexos e profundos. Lugar comum. Senso comum. Slogans repletos de ufanismo, crendices, clubismo.
Pouco estudo, pouca Ciência, pouca sabedoria; muito achismo.
E, em cima disso, se faz o tecido social que forma “o grosso” do Brasil. É também em cima desse tecido que políticos populistas tentam capitalizar. E capitalizam.

Volte um pouco no tempo e veja como terminaram os homens e mulheres que tentaram abrir os olhos de sociedades cegas. Tomadas por crenças em seres mágicos, em valores absolutos, em ideologias partidárias e/ou religiosas.
Não se trata de “religiosos demais” ou “ateus demais”. Não estou falando sobre um país adoecido por “ser de esquerda” ou “ser de direita”. Estou falando do que ocorreu com gente que ousou enfrentar populações “certas demais” quanto ao que acreditavam ser “a verdade”.

O problema central é a paixão. Que eu também já tratei por aqui e tem o mesmo radical de “doença”. O povo brasileiro é um povo que se comporta ao sabor das emoções. E um povo assim é um povo destrutivo.
Claro: É o melhor povo para se ter amizades, tudo muito caloroso etc., mas, é um dos piores para criar um país pautado em inteligência e sabedoria. Porque, diante da verdade alicerçada em fatos e não em opiniões, ainda assim caem de joelhos agarrados em suas crenças e crendices. De que o mundo é melhor com Deus, de que o mundo é melhor sem Deus. De que o problema é a Esquerda. De que o problema é a Direita.
E não importa o que você faça, não importa o quão feroz você seja em demonstrar por meio de método, pesquisa, dados (escolha suas armas à vontade) os reais problemas do país (que não têm a ver com Direita ou Esquerda, Ateísmo ou Cristianismo, mas com a estrutura social, nos moldes propostos por Durkheim) ninguém te ouvirá e ninguém apoiará. Porque as paixões não deixam. E, no fim, embaralham fato com opinião.

Mas, principalmente, porque o maior do problema do Brasil mora (sempre morou, e sempre morará) no espelho mais próximo, é que eu tenho menos e menos certezas.
Nossa relação, uns com os outros é, em geral, tóxica e desleal.
E sempre há alguém mais forte e mais poderoso do que eu e você, e esse alguém sabe que ser tóxico e desleal é o jeito que as coisas são por aqui. E isso progride em escala geométrica até chegar, agora sim (e só agora), em Brasília. Não é o governo brasileiro que não presta, é a nossa relação social; o governo é mera consequência da sociedade, não o oposto. O jeito que lidamos uns com os outros no dia-a-dia. O senso forte de que cada um é cada um, e que ninguém é conterrâneo de ninguém. E mesmo quando esse tipo de valor surge (de que o outro é um compatriota) quase sempre surge para atender aos interesses privados e, tantas vezes, ilegais. Nunca (ou quase nunca) surge no sentido de “vou preservar isto que não me pertence, porque sei que pertence a Fulano, e Fulano é meu compatriota. Ele faria isso por mim. E eu farei isso por ele”.
Não tem nada a ver com “cidade grande” ou “cidade pequena”. Tem a ver com nossa alma nacional. O brasileiro parece ter levado muito a sério a ideia bíblica em Ezequiel de que “a salvação é individual”.

Levou-a tão a sério que se salva até quando não precisa se salvar de nada.
Salva-se da pobreza (que não o aflige) desviando milhares de reais de sistemas públicos. Salva-se da esperteza alheia sendo o mais esperto, primeiro. Vive se salvando de males que não sabe se sofrerá, sempre com a máxima “se eu não fizer, alguém vai fazer, então que eu faça antes que façam comigo”.

E quando tudo isso é posto em xeque, a defesa é sempre a mesma: “O outro fez igual, senão pior”, “O sistema é assim”, “Quando assumi, era até pior”, “Eu não sabia que estava prejudicando alguém”. Todo brasileiro é treinado para driblar, de forma extremamente sofisticada, a berlinda que é ter que admitir “eu prejudiquei alguém e o que fiz é errado, não importa em que ângulo eu analise minha ação”.

Toda sociedade tem problemas. Alguns são intoleráveis como “raça ariana” ou governos que obrigam todos a seguir um certo deus (seja ele Allah ou Jesus, tanto faz). Outros são menos problemáticos, como a falta de senso de humor, ou uma certa rigidez de etiqueta que tende a artificializar a convivência.

O problema brasileiro não é tão grave quanto uma teocracia (por ora), ou uma ideia de superioridade de uma raça ou povo por sobre os demais (também, por ora). Mas, o problema brasileiro é dos mais difíceis de se resolver porque ele está arraigado em nossa sociedade, e ele nos é ensinado desde crianças. “Você não pode deixar ninguém levar vantagem sobre você”, “Filho meu tem que ser esperto”, “Pirateio mesmo, isso não faz mal pra ninguém, eles já têm muito dinheiro”, “Se eu não pegar, outro vem e pega”. Sempre temos uma desculpa e somos apaixonados por elas. E a paixão é um traço fortíssimo do nosso povo. E a paixão nos cega, como uma doença (no grego, Pathos, que também vemos em “Patologia”).

O meu governo e o meu povo jamais dirão o que eu acho necessário.
Mas, pelo menos pra vocês, Daniel e Heloísa (e, na verdade, para todos os que saíram por perderem a esperança), eu mesmo digo: Espero que um dia vocês perdoem seu país pelo que ele fez com vocês e pelo que ele fez vocês abrirem mão, só para ter uma vida melhor, mesmo que só por um pouco. Vocês mereciam mais, e este lugar poderia ter sido mais. Tanto mais.

“Por que você não deixa o Brasil?”

Eu já soube a resposta “de cor” (que descende do francês “Savoir par coeur” e quer dizer, literalmente, “saber através do coração” – novamente, as emoções no comando).

Tenho me esquecido das razões da resposta atual, cada dia mais.

O permanente silêncio dos bons

Está sendo uma semana muito dura…

No fim de semana, senti a necessidade de falar sobre Democracia e sobre nossa obrigação de não cruzar com a “cadela que está sempre no cio” e vem uivando, mais do que nunca, especialmente através de figuras que deveriam ser os mais ferrenhos defensores do sistema vigente, mas não são.

Um dia depois do post, o filho do Presidente (com letra maiúscula, só em respeito à instituição da Presidência da República) publicou um tweet onde explicou para sua tropa: O país não mudará conforme eles querem, via Democracia. A Democracia é, portanto, um empecilho para o filho do Presidente, democraticamente eleito, e que também é, ele próprio, ocupante de cargo eletivo na Câmara de Vereadores Carioca.

Fiquei “satisfeito” de ter escrito sobre o tema, pouco antes do arroubo do “Pitbull do Clã”. “Clã” … Ainda somos uma Democracia? Sigo insistindo que, por pior que seja (e está “bastante pior”), a Constituição ainda continua válida e as Instituições ainda operam minimamente conforme o ordenamento jurídico, e tão impessoais quanto sempre foram. Mas, já me pego pensando se estou olhando para uma casca saudável de um ovo podre… Tenho que vigiar os pensamentos. É muito fácil afundar na desesperança. Razões para acreditar diminuem dia após dia, notícia após notícia. Tweet após tweet…

Como não é diferente de qualquer família, a minha também tem seu grupo de Whatsapp. Entre os cem “bom dia’s” e os duzentos “feliz aniversário’s” (quando alguém é o felizardo, claro), surge sempre uma frase em prol de um ato totalitário, quase sempre, fake news. Absurdos de todos os tipos e tamanhos… O “esgoto” da fake news política passa por lá. Faço uma pausa para pedir desculpas se um familiar meu ler isto e se ofender. Não foi a intenção. Não foi mesmo. Mas o “esgoto” continua lá, com a ordem do Presidente para prender ministros do STF, a ordem do Ministro da Justiça para invadir “a casa dos Petralhas”, a “prontidão dos militares para fechar o Congresso”, e por aí vai. Tudo tem foto, tudo tem fonte. Nada é de verdade, óbvio. Tão óbvio que seguimos aqui, mesmo que aos trancos e barrancos, e nenhuma das profecias se cumpriu, jamais. Mas isso não importa em nada. Eles seguem “bombando” o fake news de que alguém está para “acabar com a roubalheira” (o nome que dão para Instituições democráticas que, sim, podem estar sob o comando de depravados e vigaristas, mas, já falamos no Domingo sobre o dilema do bebê e da água suja).

Eu nunca entendi o fascínio dos meus compatriotas pela Ditadura. Já refleti sobre isso por horas… Dias, até. Nunca entendi como o país, comandado por homens fardados, sob forte ordem militar, onde quase nunca se questiona o que vem de cima, onde só existe “missão e obstáculos” (se você não ajuda na missão, você é obstáculo), e que sempre dizem, em tom de chacota, “paisano ( = civil; eu e você) é bom, mas tem muito”, pode ser melhor do que o que temos agora. E não é por causa da piada, porque como profissional de TI, eu também tiro sarro de algumas condutas de usuários da Tecnologia. E, novamente, preciso parar e pedir desculpas se ofendo alguém com essa elucubração.

Venho de uma família de militares, pra dizer o mínimo. Tenho admiração e, até os 27 anos, cogitei ingressar na força policial, seriamente. Nunca foi pelo dinheiro (que é ridículo), mas, foi sempre por um forte ideal de entrar, aprender, sofrer, e mudar a instituição, devagar e sempre, e por dentro (o único caminho comprovado e aceito pela tropa. A PM é uma instituição hermética e mudanças vindas de fora são, em sua maioria, descartadas; a despeito da possível validade delas). Já estou longe do argumento inicial…

Meu ponto é que jamais compreendi o fascínio de familiares, amigos, e tantos civis (em 2017, pesquisa realizada em 24 estados, com 95% de confiança, mostrou que um em cada três brasileiros [~35%] apoia uma intervenção militar) com uma possível volta da Ditadura militar. Não porque militares sejam maus. Mas, simplesmente, porque eles foram doutrinados para viver sem inúmeras liberdades. Pensar livremente e tomar decisões por si só, não é, nem de longe, o ideal para o serviço militar.

Eu não achava um mínimo de razão nesse apoio. Até ontem.


Vou adiantar o óbvio: Nada mudou em mim. Só há um lado certo na nossa História, e é o lado que protege e luta pela manutenção (e melhoria) da nossa Democracia. É desse lado que estou e vai ser muito difícil que eu mude, até o fim da minha existência.

Mas, hoje, vários canais de comunicação trouxeram à tona a fala monstruosa do Procurador (como no caso do Presidente, em maiúscula por respeitar o cargo, não o ser que o ocupa) de Minas Gerais, Leonardo Azeredo dos Santos, que alegou em reunião da Procuradoria de Minas Gerais, entre outras alucinações, que seu salário líquido de R$24 mil reais é um “miserê, e que ele já está “deixando de gastar 20 mil no cartão, cortando para só 8 mil, para sobreviver”. Disse, ainda – como se não bastasse o horror que já havia dito – que “infelizmente, não tem origem humilde e não está acostumado a viver com tanta limitação”.

O estado de Minas Gerais está enfrentando uma fortíssima crise fiscal, e está em vias de fechar uma Recuperação Fiscal com a União, o que significa, em palavras mais diretas (e imprecisas), “reconhecer que deve pra geral, e pagará quando puder” …

A história só piora. Segundo o Portal da Transparência de MG, o sofrido servidor (que esqueceu o que “servir” significa) em questão, teve vencimentos na casa dos R$78 mil líquidos, em junho, por uma dúzia de benefícios, auxílios e indenizações. Muitos desses “extras” sequer são alvo de tributação.

Se o Procurador não consegue viver com dignidade com os vencimentos apontados, me parece alucinógeno pensar na situação de cinquenta e cinco milhões de brasileiros (portanto, ¼ da população) que vivem com até 400 reais por mês.

E alguém vai dizer, “nossa, que argumento mais populista”. Não. Não há nada de populista em pensar no próximo, e reconhecer a desgraça que acomete a economia nacional, e que tem demandando sacrifícios de uma classe trabalhadora inteira, que já sabe que não se aposentará (pelo menos, não em breve), que não tem o direito de discutir o próprio salário, senão através da qualificação constante e da troca de empregadores, aqui e ali. Reconhecer tudo isso e reconhecer que seu salário é, sim, assombroso e desproporcional – não importa o quão merecedor dele você seja – e que seu holerite te coloca numa parcela de menos de 2 dígitos percentuais da população, para que você tenha qualquer condição moral de terminar essa discussão sem parecer (com sorte, só parecer) um completo imbecil.

Alguém pode levantar que, digamos, em 10 anos, o MPMG não teve correção da inflação. E eu insistirei: Seu estado está quebrado, sua população passou por duas tragédias ambientais recentes e devastadoras. O desemprego atinge ~11.2% da força de trabalho mineira, estimada em 11.1 milhões de pessoas e, portanto, com 1.24 milhões de desempregados. Repito: É um estado quebrado, procurando proteção para poder parar de pagar dívidas, na tentativa de se reestruturar. O Governador disse, agora há pouco, que os servidores públicos “comuns” ficarão sem receber, se o RRF não for aprovado. A fala do Procurador é tudo, menos consciente.

Agora, se imagine na fila do desemprego. A vida vai mal, todo dia você deixa de consumir uma refeição decente para que o dinheiro renda mais. E você ouve um conterrâneo dizendo que seu salário de 24 mil é pouco, e que se não aumentarem, ele vai passar necessidades. Pronto: Você começa a entender porquê alguém tem coragem de apoiar uma Ditadura militar.

É claro… Eu não estou dizendo a idiotice de que militares são mais honestos, mais leais, mais qualquer coisa, só por usarem farda e marcharem em ordem unida. A farda não faz ninguém melhor ou mais honesto, e militares no Poder podem cometer os mesmos crimes de civis e outros piores. Com o agravante de que, em eventual Ditadura, a mídia sequer poderá fazer o trabalho investigativo que faz e que só ela pode mostrar situações revoltantes como essa do pobre Procurador de Minas. Sem a Imprensa livre, jamais teríamos sabido disto.

Então, não. Esse Blog jamais fará uma defesa pró-Ditadura. Esse post é apenas um reconhecimento da racionalidade do ódio, muito bem alimentado por gente como o Procurador citado. Gente que ocupa cargos públicos não pela vocação, não pelo sonho de fazer um trabalho diferenciado para sua comunidade, mas, com fins de enriquecer às custas de uma sociedade que vem sendo fortemente espremida para se aposentar mais tarde, pagar mais impostos, e viver com menos (muito menos) do que um minúsculo universo de pessoas ganhando mais de 20 mil reais mensais líquidos.

A máquina pública brasileira é um monstro que precisa ser esquartejado

Novamente: Não estou falando contra a Democracia. Se você está entendendo assim, precisa melhorar sua interpretação de texto. O que segue aqui é o cansativo dilema do bebê e da água suja.

Tive uma discussão com o João, bom amigo de outras bandas, e falávamos sobre o duelo entre um Estado grande com fins sociais, e o Liberalismo, cada um com seus defeitos e potências. Foi uma conversa muito boa (eu acho). Diante do que se seguiu, hoje, acho que ele está rindo um pouco mais por estar do lado que defende a redução máxima do Estado, em qualquer caso e cenário. Hoje, eu não o culparia (o que não quer dizer que desisti de tudo o que acreditava ainda ontem; não sou bipolar e minhas opiniões não se formam conforme a banda toca… Mudar assim, de uma hora pra outra, demonstraria um pensamento levianamente fundamentado).

Ocorre que não é a Democracia que inviabiliza a máquina. Tampouco um sistema de Estado preocupado e engajado com os problemas sociais. O que inviabiliza a máquina é um sistema em que benefícios e privilégios se tornam sempre cumulativos, jamais diminuem, e quem decide quanto vale o trabalho é o próprio trabalhador (há uma simplificação aqui: embora exista lei que regule os vencimentos máximos, aqueles que usufruem de altos salários driblam as restrições com manobras que, se não ilegais, são totalmente imorais).

Você já imaginou que insano seria se eu pudesse definir quanto eu devo ganhar? Não obstante eu gerar muito mais dinheiro do que ganho (se não fosse assim, eu seria demitido) minha empresa, uma das maiores do mundo, faliria caso cada colega meu pudesse decidir o valor dos próprios vencimentos.
Mas, é assim que a máquina pública brasileira se estruturou.

CLARO… “A máquina pública”, em áreas bem específicas… No Judiciário e no Legislativo, especialmente. Em todo o resto, nossos funcionários públicos costumam passar maus bocados… Professores, Policiais, Serventes de manutenção pública… Essa massa tão importante não tem qualquer autonomia para decidir o quanto ganha, óbvio.

Poderíamos dizer que a máquina pública é sempre cara e sempre ineficiente. Esse é quase que um lema (ou seria um fetiche?) dos Liberais, mas, além de não ser uma verdade absoluta (já que os EUA têm uma máquina mais cara que a nossa), um pouco de pesquisa mostra que o problema é o Brasil, mesmo. Temos uma das máquinas mais caras e ineficientes do mundo. Para demonstrar, vou compartilhar apenas um gráfico da matéria da BBC:

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46427803

Quem dera esse fosse um problema restrito ao Congresso Nacional. Se eu colocar os custos do Judiciário, dos Ministérios, e etc., você e eu enlouqueceremos no processo.

O que você precisa saber é que a máquina é tão inchada que, atualmente, nós brasileiros desembolsamos algo em torno de ~215 bilhões de reais anuais para pagar quase 900 mil funcionários públicos nas mais variadas posições. E, se você tem bom senso, sabe que o grosso desse dinheiro não está acabando no bolso da Professorinha na sala com goteiras e lousa com buracos, nem no bolso do Policial que vai pra rua com colete vencido e arma avariada.

Uma classe unida contra toda uma sociedade

Diz a Bíblia (1 Pedro 3, 18) que devemos “amar o pecador, mas odiar o pecado”, segundo o exemplo de Jesus Cristo. Isso resume bem a minha relação com trabalhadores e seus sindicatos/associações, em quase 100% dos casos.

Essa não é uma discussão nova.

Toda a santa vez que alguém reclamou do custo da máquina ou rebateu uma proposta de um novo imposto com cortes possíveis (auxílio paletó? Auxílio moradia? Para quem ganha mais [muito mais] de 24 mil líquidos? Só pode ser brincadeira), as classes privilegiadas (que, repito, são uma elite dentro do serviço público) se unem, barram, e abafam (porque não podem discutir à luz da sociedade o que realmente pensam) qualquer projeto nesse sentido. Suas associações e sindicatos são perfeitos no Lobby e sempre vencem o debate (que não é um debate, já que nasce morto).

Mas, fatalmente, uma hora, teremos de combater os extremamente privilegiados deste país (~28% da riqueza nacional está nas mãos de ~1% da população). A maior parte deles desempenha funções necessárias e essenciais (acho que ninguém com o juízo no lugar ignora a utilidade do Ministério Público em uma Democracia, só por exemplo). Mas, esse desempenho não pode ser pretexto para que estes vivam em uma realidade tão diabólica ao ponto de fazer um Procurador se sentir mortalmente ultrajado por ter que sobreviver com “apenas” 24 mil reais líquidos mensais, e moralmente sustentado para expor isso, sabendo que era gravado publicamente.

Mas, vou te dizer o que mais me magoou nessa história toda: O que mais me magoou foi ouvir o áudio inteiro, em uma reunião com o Procurador Geral de MG, e outros Procuradores, e diante da fala monstruosa de um playboy que não merece o cargo que tem, nenhum dos colegas de profissão, investidos no gloriosíssimo cargo de Procuradores e Promotores (Promotor = que promove) de Justiça, terem se insurgido contra a barbárie no comentário do colega.

São 5h da manhã, estou acabado. Mas, para ter paz de espírito eu tinha de vir aqui e quebrar o silêncio sobre isso. Incomodou-me de forma que eu não sentia há muito tempo. Vontade de ir embora daqui e outros sentimentos ruins que eu não sentia há tempos. Todo dia, um novo 7 a 1 nessa divisão do inferno que eu ainda chamo de “meu lugar”. E esse 7 a 1 veio até do lugar certo: Minas.

Pra fechar, parafraseio o PhD, Nobel da Paz, Medalha Presidencial da Liberdade (EUA), incessante guerreiro pelos direitos civis de tantos oprimidos, e todo o estandarte de ética e postura digna que o infame Procurador de Minas jamais ostentará:

O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.

No Brasil, o silêncio anda horripilantemente ensurdecedor.

Não, Democracia não é qualquer coisa

O meu pensador de referência para frases soltas (já que eu jamais li alguma obra dele) é H.L. Mencken. Uma das mais celebres é

“Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.”

Isso resume a História do Brasil de ponta a ponta, melhor do que qualquer redação poderia fazer.

E, no momento, estamos tentando resolver problemas complexos com soluções simples. E vai dar errado. Como sempre.

Mencken tem outras frases “perfeitas” (pra mim), então, fica a dica de ler a breve coletânea (aqui e aqui). Eu concordo com a maioria, especialmente sobre filósofos, partidos, dizer a verdade, e pé de coelho. Mencken está longe de ser perfeito, e sua biografia é controversa, como costuma ser com quem não é idêntico aos demais. Mas, o maior defeito de sua filosofia é a absoluta certeza de que o cinismo é a única saída para lidar com a realidade, especialmente a política. É divertido e ácido, do jeito que eu gosto, mas quando aplicado à vida política… Bem, falaremos disso mais tarde…

Se você saísse às ruas, no ano passado, e perguntasse “como você acha que (qualquer) uma Democracia termina?”, a maioria dos respondentes iria opinar – acredito – “através de um golpe, com armas e sangue”, ou qualquer combinação desses fatores.

É um fato bem consolidado na cabeça das pessoas, seja pelo cinema, seja pela História, que a Democracia suporta muitas coisas e que ela só fali diante de tiranos militares, guerras, matança, sangue nas ruas…

Ocorre que estamos assistindo um momento inédito na memória da Ciência Política mundial. A Democracia surge ameaçada, mas, não por armas. É por uma doença que a corrói e a ataca por dentro. A Democracia pode morrer logo logo, em alguns cantos do mundo, e não vai haver um só disparo de arma de fogo para isso. A Democracia é ameaçada, como nunca se viu, pelo populismo. Populismo que não é orientado ideologicamente, está acessível para todos e já foi usado por todos os lados.

Mas o populismo é mais perigoso para a Democracia do que as armas de fogo porque, representado por lideres absolutamente medíocres, pessoas sem a mínima qualificação para uma vida política razoavelmente positiva para as pautas de um povo, o sistema político vai se enchendo de oportunistas, cínicos profissionais, e pessoas que solapam a legitimidade (mesmo que esta já andasse na corda bamba) do sistema Democrático, com fins de alcançar ou se manter no poder.

E essa não é uma análise que só eu acredito correta. A “The Economist” fez uma coluna brilhante sobre o risco real que as Democracias (das mais velhas às mais novas) correm no mundo atual, dando exemplos concretos. Sugiro a leitura (em inglês).

Quero, agora, dar um passo atrás e estabelecer porque nós deveríamos nos preocupar. Todos nós. Negros, brancos, heteros, homos, ateus, religiosos, pobres e ricos.

Não é qualquer coisa…

Como o título já diz, “não, Democracia não é qualquer coisa”. A maioria dos meus compatriotas tem pouca ou nenhuma educação política. E isso é um grave problema. Trabalho com gente que acredita que “Democracia é o sistema onde a maioria escolhe os rumos do país”. E isso não poderia estar mais errado.

E se a pessoa trabalha comigo, ela tem, pelo menos, nível superior. Nos dias de hoje, não significa nada para quem vive nos grandes centros, onde faculdades brotam nas esquinas com a mesma facilidade das lojas de paletas mexicanas que dominaram São Paulo, anos atrás. Realmente, estar formado no nível superior já não é sinal de nada, senão de mínima preocupação com o próprio futuro (em média, salário ~30% maior em comparação com formados no ensino médio, apenas). Mas, quando posto em perspectiva com o Brasil, isso ainda torna essas pessoas privilegiadas: No Brasil de 2018, segundo o PNAD do IBGE, apenas 16,5% dos adultos (25+ anos) tinham ensino superior. Mais: 52% de todos os brasileiros sequer terminaram o ensino médio (o “colegial”).
Portanto, não: Ter nível superior não diz se alguém é inteligente, mas põe a pessoa em um grupo de apenas ~17% da população adulta nacional. Parte da formação superior é a leitura, e a maioria dos currículos apresenta uma formação que leva o sujeito a discutir questões diversas como sociedade, ética, desenvolvimento sustentável… Enfim. Saber sobre o sistema político (não sobre bandeira de partido A, ou o que está acontecendo na aliança de B) vigente do país, portanto, ainda que em linhas gerais, deveria ser algo comum para quem quer entender o mundo em que vive, entender a dinâmica da sua área com a comunidade onde vai trabalhar, e daí por diante.

Eu acredito na tese da ignorância racional, recentemente abordada por Pondé, e para não ficar muito longo, sugiro a leitura. O importante dessa tese é a explicação de como as pessoas lidam com a responsabilidade eleitoral. Como consideram insignificante a relevância matemática do próprio voto, ninguém gasta tempo o suficiente se informando sobre o sistema, muito menos sobre em quem vai votar. Isso explica boa parte do nosso desinteresse por política. O grosso da população considera o próprio voto irrisório, então, saber sobre política também passa a ser irrelevante. Perda de tempo. Numa visão utilitarista, gastar mais tempo escolhendo o próximo smartphone do que o próximo Presidente faz todo sentido, já que o aparelho é mais relevante para o dia-a-dia da pessoa do que a relevância do próprio voto para o resultado nacional.

Entendendo o Sistema Democrático

A missão original desse Blog sempre foi de ajudar, através da pesquisa de fontes e referências verificáveis, na formação de opinião sobre assuntos do cotidiano. E, claro, em cima disto, eu exponho a minha opinião. Você não precisa e sequer deveria concordar com ela. Mas a parte informativa não depende de opinião. É o que é.

Vou tentar definir o que é uma moderna e saudável Democracia, para que você não tenha dúvidas. Porque Democracia não pode ser qualquer coisa. Você precisa saber exatamente o que ela é para entender o quão caro vai ser perdê-la. Afinal, é impossível dar valor ao que não se compreende.

A Democracia moderna é um sistema (dentre outros possíveis) de exercício da Soberania de um Povo sobre um Território. Este exercício de Soberania feito por um Povo num dado Território é, também, o que define as fronteiras de onde começa um Estado (Nação) e onde acaba outro.

Uma Democracia moderna apresenta aos seus cidadãos:

  • Sufrágio Universal (sistema de voto para representação política, disponível a todos os cidadãos, sem diferenciação por origem, cor, credo, patrimônio [em oposição ao antigo sistema Censitário]) – Art. 14 da CF/88 .
  • Instituições que organizam o Estado, moderam e exercem seu Poder, vigiam a convivência, bem como vigiam umas às outras, sempre em prol do bem-comum da sociedade – Arts 18 a 114 da CF/88 (da definição do que é União, estado, município, passando por funções do Presidente, Ministros, falando da organização do Judiciário, da Segurança Pública, chegando até o emprego do Estado de Sítio, e etc.).
  • Um sistema de freios e contrapesos, no nosso caso, inspirado na Teoria separação dos poderes de Montesquieu, que gera o que conhecemos como os “Três Poderes” = Executivo, Legislativo, Judiciário, que são harmônicos e independentes entre si – Aspas no “Três Poderes” porque um cientista político nos lembrará que o Poder do Estado é uno e indivisível. O que se divide é a função, não o Poder (art. 2º da CF/88).
  • O titular da Soberania é SEMPRE o Povo, e esta não pode ser raptada pelos representantes, sob qualquer pretexto (conceito que vemos presente no nosso art. 1º, Parágrafo Único, da CF/88).
  • Um ordenamento jurídico onde as leis, as regras, os limites, os procedimentos e tudo o mais o que é necessário para se conviver em harmonia, e lidar de maneira regulada com o Estado, é previamente conhecido e disponível à consulta de todos. Ninguém fará ou deixará de fazer nada, senão em virtude de lei (art. 5º, Inc. II da CF/88), e não há crime sem lei prévia que o defina (art. 5º, Inc. XXXIX da CF/88).

Já tentamos vários sistemas: de Monarquias, Estados Absolutistas, passando por Aristocracias e Oligarquias, até Estados Totalitários, Fascistas, Ditaduras, e assim por diante. Então, chegamos na fórmula de uma Democracia moderna que está ancorada e solidificada nas prescrições da Constituição Federal de 1988. É óbvio que nossa Democracia bebe de outros “berços”. Não fomos os inventores do modelo. Houve a Magna Carta de 1215 na Inglaterra e, depois dela, muita coisa aconteceu. A Independência das 13 Colônias Americanas, a Revolução Francesa, nas décadas de 70 e 90 do século XVIII, respectivamente. Mais tarde, a Constituinte de Weimar, em 1919, a Constituinte Mexicana, pouco antes, em 1917. Todos esses movimentos influenciaram o Brasil, antes, durante ou depois de suas diversas Constituições, com a mais antiga, outorgada em 1824, e a mais nova – espero que você saiba – promulgada em 1988. Os impactos das Grandes Guerras: A Liga das Nações surge na esteira da Primeira, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Segunda. Não se pode ignorar tais eventos nesse processo de constante (re)modelagem do que é a Democracia.

Porém, tudo o que discuti até esse ponto é muito mais teórico do que efetivamente prático. Na realidade, eu deveria ter dito que isso é o “como” se faz uma Democracia moderna. Mas não é isso que ela é. O que ela realmente é, eu empresto do trabalho superior elaborado pelo Professor Michel Mascarenhas Silva, Mestre em Direito Constitucional, docente da Universidade Federal do Ceará:

“(…) a democracia se baseia em dois elementos: a liberdade e a igualdade. Como regime de liberdade, “a democracia se caracteriza como um regime de franquias, garantidor da plenitude individual e hostil, portanto, a toda ideia de privilégio e submissão”. Entre os corolários da liberdade estão a segurança de direitos, a impessoalidade no exercício do poder, a prudência e a publicidade. Quanto a igualdade, significa que a democracia não pode ser um regime de franquias, isto é, não pode implicar apenas nas declarações de direitos. Como forma de assegurar a igualdade e não apenas a liberdade, deve ser estabelecido, ao lado das franquias, “certas providências relativas ao uso nocivo da liberdade, que consiste no seu emprego antissocial, anti-igualitário”. (…)”

Acrescento, da mesma fonte:

“(…)Aos elementos da democracia – liberdade e igualdade – é possível acrescentar, hoje, a dignidade. Se a democracia, embora com o sistema de frenagem recíproco proporcionado pela liberdade e pela igualdade, não for temperada com a dignidade, estará ela sempre fadada a deixar de lado sua principal razão de ser: o bem-estar do ser humano. Para que a dignidade possa ser assegurada num regime democrático é preciso a presença de três fundamentos: o reconhecimento de valores personalíssimos, inerentes a toda pessoa, que não podem ser relativizados; o respeito a liberdade espiritual; e a participação efetiva e ativa dos indivíduos na formação da vontade política.”(…).

Eu poderia debater por mais 10 páginas os significados por de trás desses excertos, mas, não é preciso para o principal: Democracia não é o sistema da maioria. E Democracia requer liberdade, igualdade, e dignidade, em sentidos e dimensões mais amplos do que o senso comum permite conceber, para todos os cidadãos (e “todos” significa “todos“). Esses valores e ideais não se negociam e não se relativizam.

Portanto, não: a Democracia não surge do nada. Ela não é qualquer coisa. São ideias que permeiam o coletivo humano ao longo dos últimos 8 ou 9 séculos de História (ignorando sua origem remota na Grécia, e ficando somente com a moderna concepção do sistema), e que evoluíram de maneiras diversas, ora convergentes, ora divergentes, nos últimos 100 anos. É muito tempo discutindo a moderna Democracia. Quase um milênio. E não se joga isso fora sem a devida consideração de tudo o que se passou.

E agora, sem muito pensar, as pessoas em diversas sociedades (Hungria, Polônia, Itália, Brasil e, porque não, Estados Unidos e Inglaterra) estão vendendo barato o que não tem preço. Herdar um país democrático (a despeito das enormes dificuldades que vivemos por aqui) é um privilégio pelo qual muitos morreram para construir, e o qual muitos jamais terão o privilégio de vivenciar… Alguns nascerão e morrerão em regimes totalitários, fascistas, de um Estado-Leviatã (como já discutimos aqui) que a todos esmaga. Deveríamos saber melhor sobre o a seriedade do que estamos tentando sabotar.

A Democracia asfixiada pelo Populismo

Nossa conversa começa com uma discussão sobre o que pode matar as Democracias.

E eu contextualizo que, enquanto a maioria das pessoas considera que só um golpe ou uma guerra sangrenta podem matá-la, eu sigo a linha do The Economist: O que a está matando, em lenta asfixia, com requintes de crueldade, é o populismo em fase metástica, se espalhando como um câncer pela política mundial, sem predileção por espectros à Esquerda ou Direita; Liberais, Conservadores, Progressistas. É a ironia de um “câncer democrático” (pois, atinge a todos) e que mata Democracias.

O populismo de Lula é o mesmo populismo de Bolsonaro. Não estou comparando governos, bandeiras, estilos e resultados. Estou comparando o tratamento dispensado ao sistema político por ambos. O resto não é objeto da minha análise, hoje.

E, afinal, o que é o Populismo?

O Populismo é a estética política que explicava, especialmente, governos do século passado na América Latina (especialmente, mas não só).

Suas características principais são:

  • um líder carismático que foge da imagem e atuação institucional, e tenta se ligar diretamente às parcelas mais pobres e/ou carentes da sociedade, tentando se passar por “gente da gente”.
  • Um forte nacionalismo econômico, e um ufanismo sobre aspectos sociais e geográficos que quase sempre são insondáveis, exceto para aquele que sustenta tais aspectos.
  • Forte lógica clientelista: O eleitor é cliente do político. Mantê-lo satisfeito com pequenos agrados e afagos basta para “fidelizá-lo”, com fins de se manter no Poder.
  • Fragilização do sistema político: Mais um “pré-requisito” do que uma característica, o populismo surge com força em momentos em que partidos e o sistema político ficam fragilizados, especialmente por escândalos, pela degradação da imagem das instituições políticas, e o descrédito e raiva da população contra seus representantes.

Adicionalmente, o “populismo de Direita”, como os cientistas políticos vêm chamando essa nova manifestação dos últimos 30 anos na Direita, tem algumas características adicionas, como:

  • Discursos anti-elites (mesmo quando o populista pertence a elas)
  • Combate ao Intelectualismo e às fontes de conhecimento que possam descredibilizar o senso comum (senso comum = “leite com manga mata”) que é base de argumentação e retórica do populista.
  • O constante ataque às instituições que a população considera como ruins, e a constante lembrança de que o populista é um outsider, alguém de fora de “tudo isso que está aí”, ainda que este candidato/político seja completamente ligado ao mundo da política, ou pertencente às elites que ele mesmo ataca (qualquer semelhança com Bolsonaro e Trump, respectivamente, não é coincidência).

A principal face do Populismo, portanto, é um forte cinismo contra o estabilishment, ainda que este populista tenha feito, ou siga fazendo parte desse mesmo establishment. É um sistema que aposta e se banca no “quanto pior, melhor”, pois, isso aumenta a raiva contra as instituições e apoia o argumento central do populista.

Um populista jamais pacifica e unifica. Ele sempre apostará no “nós contra eles”, e na divisão como forma de se manter no poder. Sempre haverão “os inimigos da Nação” ou “do Povo”.

Algumas pessoas dirão “oras, qual é o problema de votarmos em quem fala a verdade de que os políticos não prestam, se eles realmente não prestam?”. Desconfiar do Estado e dos governantes, eu diria que é uma obrigação.

“O preço da liberdade é a eterna vigilância”

…disse Thomas Jefferson. O problema não é desconfiar dos políticos e do sistema. O problema é o cinismo.

Esse cinismo que é típico e essencial ao Populismo – esse escárnio, essa constante insinuação (quando não escancarada) de que “ninguém presta” (além de quem fala, claro), e de que todo o sistema é podre – tem um grave poder destrutivo: Ele desacredita e deslegitima todas as instituições, e tudo o que caracteriza a Democracia. E com isso, de dentro para fora (pois, o populista foi democraticamente eleito) a Democracia morre. Isto porque as pessoas precisam acreditar na legitimidade do sistema para jogar pelas regras.

Há um velho ditado que diz que “não se joga a criança fora só porque a água está suja”, ou coisa do tipo. “A criança”, no caso, é a Democracia. “A água suja” são as peças que todos nós ajudamos a colocar lá, à Esquerda ou à Direita.

Mas, o discurso de quem está no topo da pirâmide (respaldado por milhões de eleitores que seguem dizendo “isso mesmo!”) é de que o sistema não presta, as instituições devem acabar, serem fechadas, devem ser amordaçadas.

E as perseguições às liberdades e o combate à igualdade e dignidade começam a ganhar força; tudo sob a proteção do discurso cínico de que ninguém age senão por interesses privados e egoístas.

Sob o cinismo, destroçamos a ideia do preâmbulo constitucional que assim o diz “(…)instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”(…).

A Democracia pode sufocar até morrer. E não é necessário nenhum disparo de arma de fogo. Aliás, como a Hungria de Viktor Orbán (Primeiro Ministro), ou a Inglaterra de Boris Johnson (P.M. também) vem demonstrando, não é preciso qualquer golpe: Não precisamos fechar o STF, fechar o Congresso, ou qualquer medida drástica para matar a Democracia: Se você consegue manobrar o sistema legislativo a ponto de levá-lo a aprovar leis que minem o sistema de freios e contrapesos, a Democracia pode ser morta “dentro da Lei”, sem nenhuma truculência visível.

O combate a quem combate a Democracia é o único lado certo.

Winston Churchill disse

“A Democracia é o pior dos regimes, mas não há nenhum melhor que ela”

Em algum momento, a Democracia como a conhecemos surgiu. E como todo evento histórico, ela pode muito bem acabar. Não defendo que ela resista para sempre, mesmo quando já não for o melhor sistema. No entanto, não podemos abrir mão dela se algo melhor não surgiu ainda. E eu garanto, com base em tudo que escrevi e pesquisei até aqui: Nada melhor surgiu.

Churchill resumiu tudo.

Vivemos a Era da pós-verdade. As pessoas realmente acham que “tudo é questão de opinião”. Como bem colocou um professor universitário americano, Mick Cullen

“dizer ‘essa é a minha opinião’ não torna o que você diz imune a estar completamente errado”

Nem tudo é questão de opinião. Defender a Democracia não é uma questão de opinião; é o único lado certo. Não importa qual seja o seu argumento, a Democracia é o sistema dos países que deram certo (afirmação com base objetiva, como no IDH). E não surgiu nada melhor do que ela, ainda.

A Constituição está aqui, escrita e promulgada, e é clara quanto ao que fazer e o que almejar como sociedade democrática (liberdade, igualdade, dignidade para todos, em uma sociedade que luta para ser livre de preconceitos quanto à cor, credo, raça, orientação sexual, crença religiosa etc.). Dizer que isso é “utopia” é se acovardar diante da missão que outros povos já conseguiram encarar (em algum grau, ao menos). É dizer “sim, só merecemos migalhas”.

A Democracia é o lado certo da História. E quem não gosta de suas regras, seus limites, suas instituições, também não gosta da sociedade que a Democracia representa. E contra esse tipo de gente, eu sempre me oporei.

Fica a única missão de quem é realmente “de bem” e quer, de fato, o bem da família brasileira (em toda a sua pluralidade de constituições e configurações, conforme o guardião da Constituição, o STF, já declarou em 2011).

Nas palavras da Constituição Federal de 1988, art. 3º:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

E se você não acredita nesses ideias, porque lhe parece muito infantil, muito sonhador, ou porque você realmente não acha – ou tem a certeza contraria – de que todos (repetindo: “todos” significa “todos”) merecem igualdade, liberdade e dignidade, então eu e você estamos em lados opostos da História.

Acreditar em ideais não é o mesmo que dizer que eles são fáceis. Na verdade, é exatamente por serem difíceis que mais precisamos acreditar e lutar por eles.

Porque tudo o que temos hoje (liberdade de expressão, direito de escolher quem manda no Estado, etc.), e tratamos como se tivesse acontecido “de graça”, já foi “impossível” um dia, e muitos morreram para que tivéssemos o que, agora, desprezamos.

Não, Democracia não é qualquer coisa. Lutar por ela, para além de ideologias políticas, é o único lado certo da História.

Tabatas, partidos e as instituições brasileiras

Tabata Claudia Amaral de Pontes, nascida em novembro de 1993, cresceu na pobre Vila Missionária, periferia na Zona Sul de São Paulo.

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Vila Missionária, lar da Deputada Federal, Tabata Amaral

Filha de uma diarista com um cobrador de ônibus, se destacou na escola pública e, graças ao desempenho acadêmico fora da curva, conseguiu bolsa de estudo em uma boa rede privada do Ensino Médio que a colocou – pelo continuo e elevado desempenho acadêmico – na mira de universidades internacionais da pujança de Harvard, Yale, Columbia, Princeton, Caltech, sendo também aprovada na USP.

Escolheu a primeira da lista (Harvard) e lá, cursou um Major degree (um bacharelado) em Ciências Políticas, e um Minor degree (como se fosse um curso técnico, mas durante a própria universidade) em Astrofísica – não confundir com “Astrologia”, pois Tabata não é guru do governo…

Retornou ao Brasil com o prestígio de seu desempenho acadêmico e de sua formação internacional e, ao invés de buscar uma forma de lucrar com isso na iniciativa privada (poderia, por exemplo, se associar a uma empresa de investimentos, ou consultoria política, ou simplesmente trabalhar em um grande jornal), decidiu se dedicar à vida pública onde juntou voz com movimentos que se declaram como “uma alternativa ao establishment ( = a situação) político brasileiro”. Co-fundou o “Movimento Acredito” nessa mesma linha de pensamento. Simpatiza com o “ReformaBR” pelo mesmo motivo.

Dado seu destaque, suas premiações, sua liderança política, e sua breve biografia de menina pobre que supera as condições iniciais e vai até onde muitos preparados jamais conseguirão, Tabata logo foi convidada por meia dúzia de partidos a tentar uma carreira política. De todos, aceitou o convite do PDT (Partido Democrata Trabalhista) com a benção e uma “carta de recomendação” de seu maior expoente, Ciro Gomes, mais recente candidato à Presidência pela sigla, em 2018. Ciro chegou a dizer que “Tabata era uma das maiores ativistas da Educação Brasileira” e “um tesouro” para a cena política brasileira.

Tabata foi eleita para Deputada Federal com quase 265 mil votos, tornando-se a sexta Deputada Federal mais votada em São Paulo, em 2018. Poucas histórias políticas pareciam tão cheias de vigor, apoio, esperança e realização de expectativas como a de Tabata.

Mas, no meio do caminho tinha uma pedra… E a pedra era a votação na Câmara para a Reforma da Previdência que se deu em 10 de julho de 2019. Ao votar a favor, Tabata contratou, com sucesso, o ódio de seu partido, da militância deste, e de seu padrinho de maior expressão, Ciro.

Dentre as várias frases críticas a Tabata, Ciro disse que “não se pode servir 2 senhores”, em clara alusão à sua militância pelo PDT, enquanto se mantém ligada ao “Movimento Acredito” como cofundadora, ou mesmo ao “ReformaBR”, como simpatizante. Essa “dupla militância”, como alega Ciro, explicaria a dicotomia da Deputada entre a determinação da Legenda que fechou causa em assembleia, no sentido de votar contrariamente à reforma, e o seu voto e de outros 7 correligionários (mais outros 11 do PSB) a favor.

Quem são “os 2 senhores” citados por Ciro? Quem é “o senhor” de um candidato? A quem um candidato(a) serve e a quem deveria servir? Tabata errou, acertou, ou nem um e nem outro? Santa, lobo em pele de cordeiro, ingênua ou genuína?

Desde o episódio que gerou um sentimento enorme de traição nas bases dos partidos em questão, em meio aos risos cínicos de quem se diverte com a aparente desorganização da oposição no episódio, eu tenho me feito essas mesmas perguntas e algumas outras.

O primeiro aspecto que acredito merecer o debate é o seguinte:

Em quem o brasileiro vota?

Este “em quem” é bem limitado. Preciso expandir para uma infinitude de outras colocações: Em quem, com que análise, acreditando no que, esperando o que, com qual consciência (tanto política como também, com qual grau de conhecimento sobre o sistema político em vigor, no Brasil)…

Numa linha mais sucinta, a questão fulcral (jeito chique de dizer “central”) é: Quando você, eleitor(a), digita o número do candidato na urna, o que diabos você está fazendo? O que você está esperando? O que você está “comprando”? É a ideia do candidato ou do partido? É a foto do candidato ou a bandeira da Legenda? Se você descobrisse que a resposta é o oposto do que você imagina (seja lá o que imagina), faria diferença, ao menos pra você?

E as perguntas continuam procriando como gremlins à beira-mar…

Independentemente do que eu venha a responder e se você venha a concordar ou não, o importante é admitir que, de largada, há dois problemas fulcrais (você já sabe o que quero dizer):

  • A maioria de nós não entende o mínimo das regras do jogo. Não sabe o número de candidatos, como se dá a divisão por estados, nem por legendas; não sabe sobre cociente eleitoral, a diferença entre sistema majoritário ou proporcional, e muito menos sobre as bandeiras de um dado partido, ainda que (inexplicavelmente) tenhamos afinidade com ele. Em resumo, nossa educação política é nula, ou muito perto da nulidade. Estranho seria se em um país com sistema educacional falido, a educação política fosse boa; claro…
  • Temos uma cultura agressivamente personalista: “compramos” pessoas, personagens e biografias, mas quase sempre torcemos o nariz para instituições, plataformas e ideias (que não tragam uma face em conjunto). Em resumo, esperamos pelo salvador, mas cagamos para a liturgia. E usei “cagamos”, porque sei que nosso atual Presidente gosta muito desse dialeto escatológico; estou tentando agradar.

E qual é o problema dessas hipóteses?

O problema é que não foi com esse tipo de mentalidade e expectativa que nosso sistema eleitoral foi desenhado.

O nosso sistema define que ninguém pode concorrer aos cargos eletivos sem filiação partidária. É o que se lê no artigo 87 e seguintes do Código Eleitoral, e demais inferências que vêm da própria Constituição Federal de 1988.

Ao colocar os Partidos como legítimos “fiadores” da candidatura de qualquer cidadão a cargo eletivo, nosso legislador não quis outra coisa senão alçar os partidos ao grau das Instituições. Assim, a ideia – a despeito do que achamos dela – é de que os partidos funcionem como pontos fixos no tempo-espaço da nossa jovem democracia, como balizadores do pensamento de uma dada época, mais ou menos liberais, mais ou menos progressistas, mais ou menos conservadores, enfim… Os partidos são, portanto:

  • Requisitos para qualquer candidato a cargo eletivo, no Brasil;
  • Têm certo destaque, tanto constitucional, como em código específico (o eleitoral), içando-os ao grau de instituições;
  • Esse grau institucional deveria – mas não consegue – nos fazer respeitá-los como certos balizadores do pensamento politico ao longo do tempo, e seus valores, suas posições, suas bandeiras, não deveriam ser facilmente descartados como se fossem “de pouca importância”.

O segundo problema é que muitos de nós – franca maioria – não sabe como o sistema político funciona.

Não sabe, por exemplo, que Senadores são eleitos para mandatos de oito anos, renovando as 81 cadeiras (3 por estado) a cada 4 anos, de forma alternada em um terço ou dois terços dessas mesmas 3 cadeiras por estado (é por isso que tem anos que você vota em um Senador, e tem anos que você vota em dois). Senadores também são eleitos por voto majoritário, logo, basta ser o mais votado de seu estado e você é o novo Senador, sem segundo turno.

Já, ao discutirmos sobre Deputados Federais, estes são eleitos pelo sistema proporcional, onde nenhum estado pode ter menos de 6 deputados, nem mais do que 70, somando os 513 deputados que formam a Câmara em Brasília, conforme artigo 45, §1º da CF. Essa diferença (6 ou 70) é definida pelo tamanho da população e, por isso, já podemos deduzir a primeira problemática: Como a lei exige 6 e não permite mais que 70, é óbvio que a Câmara não é tão representativa do Povo quanto deveria. A atual representatividade está distorcida, seja porque a população cresceu desde que definimos o número em 513, seja porque há estados que não deveriam ter 6 deputados, e há estados que não deveriam ter apenas 70.
Por fim, deputados representam o Povo, enquanto Senadores representam o estado (letra minúscula = SP, RJ, MG, etc.).

É o sistema proporcional que elege os deputados e que também define o número de candidatos eleitos em cada legenda, com base no cociente eleitoral. O cociente fará com que um candidato com 200 mil votos (exemplo) seja eleito por São Paulo no Partido A, enquanto outro com 300 mil não seja, pelo Partido B. Tudo isso depende de quantos votos, no total, o Partido A e o Partido B tiveram. Tudo isso dentro do máximo e do mínimo de Deputados. São Paulo, estado com mais de 40 milhões de brasileiros, não terá mais que 70 Deputados.

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E, de tudo isso, falta ao nosso eleitorado entender que, sim, embora você vote no Deputado com os 4 dígitos, o sistema proporcional estabelece que a cadeira pertence à legenda/partido (e suas bandeiras, valores, causas, etc.).

Já, o sistema majoritário (que elege Senadores, Presidente, Governadores, Prefeitos) não demanda a fidelidade partidária, conforme decidido pelo STF (ADI 5081).

Talvez lhe pareça ilógico. Para mim, dentro do sistema posto, faz todo o sentido. Oras: Se o candidato com 200 mil foi eleito por Partido A, enquanto o com 300 mil não conseguiu o cargo pelo B, fica evidente para mim que o candidato com 200 mil só conseguiu pela força de sua legenda, graças ao número total de votos. Podemos discutir que partido A recruta celebridades e figuras polêmicas, visando apenas o maior número de cadeiras, mas, hey! No fim do dia, quem decide votar na mulher-fruta, ou no palhaço engraçado somos nós, eleitores! A culpa não é – lamento dizer – mais do partidos do que é nossa.

Já, um Senador ganha somente se conseguir mais votos do que todos os concorrentes. Logo, ele depende só, e somente só, dos números que consegue na urna e não da performance do partido como um todo.

Podemos discutir as implicações disso tudo, claro, mas a regra atual é essa.

No que pese minha admiração pelas linhas gerais da história de vitória de Tabata (tudo o que eu já disse), sem esquecer de outras polêmicas (como as reportagens que apontam contrato celebrado com o próprio namorado, em 23 mil reais, para fins de produzir material de campanha), não posso esquecer de que ela foi eleita pelo sistema proporcional e que sendo a sexta deputada mais votada de São Paulo, não vale mais do que os outros sete colegas de legenda, que também desacataram o fechamento de questão imposto pela cúpula do partido e, segundo este, após várias rodadas de discussão onde Tabata e os dissidentes poderiam ter feito a defesa pelo não-fechamento – o que, segundo os oficiais do partido, não ocorreu.

Tabata se protege sob uma defesa de 2 polos:

  • Tem votação expressiva (a 6ª mais votada de SP) – o que, reafirmo, não é tão relevante no sistema proporcional para o resultado de estar ou não eleita;
  • Como condição de ingresso no PDT, fez com que o partido assinasse um manifesto que trouxe de seu “Movimento Acredito”, e tal manifesto colocaria o PDT em obrigação de se conformar com as atitudes recentes de Tabata.

Diante de tudo isso, acredito que nós temos um problema grave nas mãos: Os partidos, alçados ao grau de guardiões da Democracia, visto que são imprescindíveis para as intenções do cidadão que quer concorrer a um cargo eletivo, são tudo, menos uma referência de valores, bandeiras e ideias no imaginário do eleitor. Pior: nós acreditamos em figuras, personagens, votamos em slogans e sorrisos. Mas, quantos de nós, antes do voto em um Deputado, buscamos saber quais as bandeiras e valores da legenda pela qual ele está saindo candidato? Afinal, ele (ou ela) não tem total liberdade para fazer o que bem entende. A fidelidade partidária é assunto da Constituição no artigo 17, §1º. Logo, não estamos falando de mera “idealização”, mas da Lei de mais alta hierarquia no nosso sistema jurídico.

Porque não entendemos as regras do jogo, não entendemos o peso de votar em um candidato caricato que, muitas vezes, levará “reis e amigos dos reis” de uma legenda com valores que não são os nossos. E como candidatos que representam o povo, como os Deputados Federais, são os portadores da missão de legislar ( = fazer leis, melhores, mais eficientes, etc.), ao ignorarmos as regras do jogo (como o fato de que eles devem fidelidade partidária e são eleitos pelo sistema proporcional), nós facilitamos por demais a manipulação do jogo.

Tabata parece ter feito uma escolha que acredita ser necessária: enfrentar os partidos, suas estruturas, seus caciques. De certa forma, é outra maneira de fazer uma crítica à “velha política” – elemento indelineável e personalíssimo a cada um que você pergunte sobre. Bolsonaro diz que combate a velha política, Tabata também, e eu garanto que eles têm pouca ou nenhuma similaridade, senão pelo apoio à reforma da Previdência.

Eu louvo as bandeiras defendidas por Tabata em seus movimentos fundados e apoiados. Respeito a história e as bandeiras do PDT. Mas, eu quero lembrar a todos que o Brasil está cada vez mais distante das grandes democracias e dos países com alto desenvolvimento. E não é porque nosso povo seja menos, porque nossa colonização seja isso ou aquilo, feita por Sicrano e não por Fulano… Não…

O problema central é que, movidos pelos sentimentos, e espumando bile quando confrontados com o caderno Político, passamos a – sistematicamente – acreditar que os fins justificam os meios, que a Lei é, de alguma forma, inimiga das boas ações e dos ideais que queremos para nosso país. Quando, na verdade, como já defendi por aqui, as Instituições e as Leis são o único modo de construirmos um país sério, previsível quanto à sua atuação nas mais variadas instâncias e interfaces entre cidadão e Estado, que tenha limites, e que não faça o que quer com quem quer, do jeito que quer.

As instituições – dos partidos ao STF, passando por todo o resto, da empresa pública de águas ao DETRAN – podem estar tomadas por pessoas, figuras ou personagens muito mal-intencionados. Mas, isso só é possível pelo enfraquecimento da Lei, que leva ao enfraquecimento da instituição, que leva à possibilidade do rapto da máquina para interesses escusos e nada republicanos.

Ao desejar que as instituições não sigam as leis que antecedem a ação (e dão visibilidade, previsibilidade, limites claros e tantas outras garantias), estamos, na prática, assinando um cheque em branco. Se essa é mesmo nossa escolha, só resta rezar para que o cheque fique em mãos bem-intencionadas – o que é tão racional quanto… Bem, não é racional de modo algum.

Não destrói as possibilidades de Tabata, a questão do desrespeito ao PDT. Porém, me faz ver que vivemos tempos em que as pessoas realmente acreditam que os fins sempre justificam os meios. Isso precisa parar. Precisamos fortalecer as Instituições (todas elas) com leis claras, respeitadas e aplicadas, e se essas leis e dispositivos estão impedindo que o melhor para o país ocorra, que pessoas como Tabata, eleita pelo voto de vários de nós, tenham a fé de que só a mudança prévia da Lei gera um país melhor. A Lei precisa permitir, pelo simples fato de que, ao ser ignorada sob a justificativa do resultado, permite que qualquer um capture a máquina sob esse mesmo discurso, no futuro. E você, concordando ou não com o caso concreto (a reforma da Previdência), deve perceber o quão perigoso este jogo passa a ser por esta vereda.

Anteriormente, este texto apresentava erros de grafia e concordância, pois, foi publicado em uma versão de rascunho. Tentei a correção por celular, mas, aparentemente, ele manteve a versão antiga. Lamento pelo ocorrido. O texto foi melhorado.

Brasil e o mar de lama

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Fonte: veja.abril.com.br ©

“Vocês têm mais sorte do que juízo” – O criador, Deus

É o que eu imagino que Ele pensa, ao olhar pra essa terra da qual dizem que Ele é nacional.

E eu duvido que Ele seja brasileiro, especialmente depois do desastre em Brumadinho. Porque eu acho que Ele “esqueceu aquele povo”? Não… Nada tão pueril ou de tom tão emocional. Mas, porque se Deus fez o homem à Sua imagem e semelhança e, fosse Ele um típico brasileiro, o planeta Terra já deveria ter desmoronado inteiro, implodido e explodido, e perecido em todas as direções. “Raivinha” contra meus conterrâneos? Também não. Pragmatismo e análise da realidade que forma as estruturas desse lugar.

E eu quero começar o texto pelo fim, para te avisar de algo que, talvez, você não tenha paciência de ler mais para baixo: Esse desastre é o resultado a ser replicado em inúmeras outras ocasiões, SE uma visão liberal romantizada for adotada sem pudor, em forma de legislações ancoradas na crença de que a iniciativa privada sabe cuidar de tudo, muito melhor do que o Estado o faz. Isso levará a um processo de capitalismo selvagem e destrutivo (como vemos agora), e ao desmonte estatal, seja em nível federal ou estadual, de órgãos de fiscalização e repressão de práticas comerciais completamente desleais. Desleais com as pessoas, desleais com o meio-ambiente e desleais com toda a sociedade brasileira. O resultado está aí, e as justificativas desse parágrafo vão ao longo do texto.

A barragem que cedeu e vai levar – pode apostar – mais de 300 vidas do povo mineiro (e brasileiro, é bom dizer em voz alta) pode ser todas as coisas, menos acidente.

Assim se lê no Michaelis Online:

Acidente

a·ci·den·te

sm

1 O que é casual, fortuito, imprevisto.

2 Acontecimento infausto que envolve dano, estrago, sofrimento ou morte; desastre, desgraça (…)

Bem, daqui, retiramos que um acidente é algo imprevisto (como encontrar um amigo, “por acidente”), e quando empregado em sentido negativo, decorrente de acontecimentos infaustos (ou seja, infelizes, impossíveis de se antever, e causadores de tragédia, estragos, sofrimento…).

E, de pronto, precisamos – por uma questão de seriedade – descartar o verbete “acidente” quando nos referirmos, daqui para frente, à barragem de Feijão, rompida em Minas Gerais.

Antes de seguirmos, vamos falar em Responsabilidade. Como se vê no Direito Civil, a responsabilidade subjetiva é aquela em que o autor age (dolo), ou deixa de fazer algo que dele é esperado (culpa), de maneira imprescindível para causar o evento. A responsabilidade objetiva, por outro lado, independe de dolo ou culpa, e é a responsabilidade que temos com os outros, por viver em sociedade; por exemplo, quando seu filho, menor de idade, em atitude impensada, quebra a vidraça do vizinho, você tem a responsabilidade de restaurar aquele bem, mesmo sem ter sido o causador do dano, e isso é responsabilidade objetiva.

Porquê expliquei sobre responsabilidade? Para explicar porque eu removi “acidente” da conversa. Não tem nada a ver com ter certeza de que a culpa (no sentido coloquial, e não jurídico) é da Vale. Essa certeza, para quem trata desastres de forma séria, só poderá vir com investigação feita por pessoas competentes, com acesso ao local, ao projeto, às documentações, às vistorias… E é incabível, nessa altura, demonizar a Vale. Como? Explico como: A empresa tem um laudo, fornecido por empresa terceira e contratada, de origem alemã (para quem acha que a engenharia brasileira não é boa o bastante), chamada TÜV SÜD, atestando que a barragem estava segura em setembro passado (menos de 5 meses). E na rebatida, você pode se sentir tentado/a a dizer “o laudo foi comprado… o resultado é maquilado”. É uma hipótese. Outra hipótese é de que a empresa foi tão vitima quanto os cidadãos mortos embaixo daquela lama, de um laudo malfeito (por maldade, por imperícia, tanto faz) e acreditou, de verdade, que a barragem estava segura. Essa é outra hipótese.

Se foi por “safadeza” (repito, é cedo pra gente sensata afirmar isso), por ganância, imprudência, ou simplesmente por confiar em um laudo malfeito, isso é irrelevante: A responsabilidade objetiva da Vale é indiscutível. E não houve acidente, repito, por um simples conceito técnico: Uma barragem não rompe “de repente”. Essa não é minha palavra, é a de engenheiros e especialistas, como Carlos Martinez, Geraldo Portela, Evandro Moraes da Gama e tantos outros lideres e representantes de associações de engenharia, de gestão de riscos e etc., todos entrevistados pela grande mídia, ao longo desses 2 dias desde o rompimento. A barragem tem (ou deveria ter) sensores de movimentação de terra, passa por vistorias, tem amostras geológicas recolhidas e testadas, sistemas de alarme para evacuação e etc. Em resumo, por sua natureza potencial para desastres sempre presente, não é algo, mesmo no caso desta – que estava desativada há quase 3 anos – ignorado e deixado no esquecimento – não poderia ser.

Ora, então, o que aconteceu? Bem, o que sempre acontece quando se deixa uma empresa com fins lucrativos atuar sem fiscalização efetiva: Ela quer fazer mais com menos e, depois, mais mais com menos menos, até que isso se torna insuportável e quebra algo. Nas empresas em que eu trabalho, esse ciclo só dá um barulhinho, o sistema de e-mails sai do ar pela crônica falta de investimentos, e depois de uma gritaria e tapas na mesa, a empresa volta a investir (é o único jeito) e o sistema volta ao ar. O problema é que, no caso da Vale, o sistema que quebrou não entregava e-mails. Segurava toneladas de “lama” (já falaremos desse termo) retidas acima das cabeças de centenas de pessoas, casas, fazendas, vida selvagem e etc. Perceba que é possível ignorar os riscos do corte sistemático de verbas, sem querer, de fato, matar pessoas. Possível, mas não necessariamente provável.

E eu promovo o primeiro “fim dos sonhos” dessa conversa: Para você que é um liberal radical, fica o lembrete que a iniciativa privada não é mais ética, mais comprometida, mais correta, mais preocupada, ou etc., do que o Estado. Ela é praticamente igual, com um diferencial: Porque o foco do capitalista é ter o máximo de lucro, sempre, ele não perderá oportunidades de ser mais “eficiente”. E aqui mora o Diabo: Às vezes, num sistema trabalhando no limite, o que o capitalista (“o patrão”) chama de “otimização da eficiência” é só o estrangulamento de orçamentos que já estão no mínimo. Quando é um sistema de e-mail, é divertido ver quebrar e o afã nos corredores. Quando é uma barragem, esmaga 300 vidas humanas (ou mais), todas as vidas de animais e vegetais, e destrói a imagem do país para investidores externos.

Como eu fiz com o verbete “acidente”, também seria bom revisar o verbete “lama”. Como sabiamente pontuou o jornalista André Trigueiro, da Globo, “lama” é uma incorreção que diminui o tamanho da tragédia. Vejamos, da mesma fonte de “acidente”:

Lama

la·ma

sf

1 Mistura de argila e outras substâncias orgânicas com água, de consistência pastosa(…)

Bem, ocorre que aquilo não é “lama”, no sentido estrito. É um resíduo tóxico (mesmo que a Vale diga que não é), com traços de arsênico, mercúrio, e outros elementos inorgânicos (uma coleção nefasta de silabazinhas, todas retiradas da tabela periódica) que vão acabar com o suporte à vida daquele espaço. É o fim, sem exageros. Por décadas (senão mais). Descobri, por acidente (este sim, bem-vindo), o termo “barro vermelho”. Talvez, esse seja o jargão correto a ser empregado…

Mas a questão é que… Esse desastre não para com as vidas ceifadas. Esse desastre ecoará por anos e anos, destruindo solo, rios, fauna, flora, e a saúde de todos. Algumas centenas de quilômetros de rios do Brasil, outra dúzia de quilômetros quadrados ao redor da barragem; inabitáveis, improdutivos… Por décadas. Fim. Aquela terra está morta e isso não é figura de linguagem. O barro vermelho, a lama tóxica (seja lá como vamos chamar), soterrou alguns corpos a mais de 8 metros de profundidade. Quanto seria preciso remover para voltar a ter acesso a um solo saudável? Impossível falar com qualquer confiança.

E trazer riqueza de detalhes dessa situação horrível, surreal, monstruosa, é necessário. Não porque isso “dá Ibope”. Mas porque tendemos a diminuir a seriedade do que nos é distante.
300 vidas… É um número muito frio. Temos que pensar que vilas inteiras, e uma comunidade de funcionários (quase 300) morreram enquanto se preparavam para almoçar.

Chegue hoje na sua empresa, e pense que você e todas as pessoas ali presentes (as que você gosta, e as que você nem conhece) vão ser mortas por uma parede avassaladora de lama tóxica. É isso. Não são “300 vidas”. É uma comunidade inteira com pais, filhos, amigos, e etc. soterrada.

E não nos esqueçamos nunca: Não é a primeira vez e, se nada mudar, não será a última. Em 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão destruiu várias comunidades no subdistrito de Bento Rodrigues (que quase sumiu) e uma parte de Mariana. Naquele desastre, “só” 19 vidas. Só… 3 anos depois, NADA foi aprendido, nada mudou, e agora pagamos com pelo menos outras 300 vidas. E nos dois episódios, os danos ao meio-ambiente são incalculáveis.

O IBAMA já multou em 250 milhões a Vale, pelo rompimento dessa barragem em Brumadinho. 250 milhões. Por centenas de km de rios mortos e outra dezena de km² soterrados por uma parede de lama tóxica, por décadas. É o bastante? Não é.

Haverá, ainda, dezenas de processos e não sabemos em quantos milhões de reais a Vale será punida. É suficiente? Não é.

Porque enquanto as forças públicas lutavam para achar alguém com vida, todos tiveram que correr em pânico, sob o risco de serem esmagados por um milhão de metros cúbicos de água (também tóxica) de reuso nos processos da mina, em uma outra barragem ao lado da que se rompeu.

O que aprendemos – como nação, como povo, como Estado-fiscalizador – com Mariana? Nada.

E agora, temos uma noção um pouco maior de como a tragédia está ao lado:

O Brasil tem aproximadamente 24 mil barragens cadastradas nos órgãos responsáveis. Dessas, 42% não estão com a documentação em dia. Apesar dos 31 órgãos responsáveis por esse tipo de fiscalização, estes não chegam a 200 funcionários somados para o país todo. Por ano, das ~24 mil barragens, apenas 3% são vistoriadas. Quer dizer: Precisamos de mais de 33 anos para vistoriar as ~24 mil barragens, uma única vez. E aqui vem o detalhe macabro: 24 mil barragens estão cadastradas, mas as entidades supõem que há outros 2/3 de barragens clandestinas, por aí.

Faltam leis? Não é, realmente, o que parece. Há leis, até demais, ricas em detalhes e regras de construção, fiscalização e etc. Falta cumprir essas leis, e fiscalizar e punir quem não cumpre. Exemplarmente. De maneira que custe tão caro não cumprir a legislação, que a empresa quebre se fizer isso em 2 ou 3 barragens. Até porque o papel aceita tudo, e se o que faltasse fosse lei escrita, o Brasil não era um país de homicidas (art 121 do CP).

Daqui decorrem outros vários problemas que poderiam ter seu próprio post/texto:

As empresas, especialmente as de mineração já que estamos no tema, não são inimigas da Nação. Tampouco o são as barragens. As empresas geram empregos e ajudam a economia, e as barragens têm diversas funções de engenharia, necessárias para nossas vidas, para as atividades de agropecuária, ou mesmo das indústrias de mineração. Não, não é uma história em quadrinhos com mocinhos e vilões.

Mas uma coisa muito me preocupa, pois ocorreu em Mariana, e tem chances de ocorrer de novo: Assim que a dor coletiva passar, assim que as esperanças de encontrar até mesmo o corpo dos soterrados se for… Assim que a luta e a revolta deixar de ser nacional e televisionada, e for “só” individual, só de quem perdeu alguém ou algo com esse evento… As forças políticas vão atuar para soterrar, também, a exigência de reparação e de mudanças contra a Vale e todo o setor.

Os parlamentares ligados à Vale lutarão para dizer que foi um episódio trágico, mas que não se deve punir a empresa com rigor. Afinal, a região depende da empresa tanto com seus empregos, como com seus tributos, para se manter funcionando. E Minas Gerias é um estado com 35 bilhões de déficit nos caixas.

E o que são 300 vidas de moradores de uma área rural, contra a renda e os empregos que a Vale gera para o estado (esses políticos dirão)? Os números, não os rostos, não os laços familiares, os números… Eles serão usados para relativizar a tragédia e suavizar a punição, e barrar qualquer endurecimento de leis, de fiscalização e de eventual sanção do Estado.

Mariana ocorreu há 3 anos, e ninguém foi punido. As famílias retiradas da região de Bento Gonçalves estão por aí e, pra piorar, sofrem todo tipo de preconceito de seus conterrâneos (brasileiro, povo hospitaleiro, não é?). São xingados, chamados de oportunistas, ouvem que deveriam ter morrido no desastre, que estão se aproveitando da empresa Vale. Nem as crianças são poupadas. Ouvem de jovens e adultos, no caminho para a escola, que são “os pés-de-barro”, em alusão à tragédia de onde saíram. Isso porque são mineiros entre mineiros. Tenho dó do estrangeiro querendo morar nesse país.

O Brasil é um mar de lama. Um mar de lama que resulta em um Estado aleijado, quebrado, de joelhos, incapaz de cumprir sua função constitucional, de fazer a lei ser um império sobre todos: ricos e pobres, moradores de uma zona rural e uma empresa multibilionária.

O Brasil também é um mar de lama na ética empresarial, onde uma empresa sente que pode retirar verba de áreas de risco de sua operação, sem consequências. O alarme não soou, o plano de emergência era tão útil quanto um manual em mandarim, um refeitório com mais de 200 pessoas foi construído na rota óbvia do barro vermelho, em caso de rompimento…
Achar que essa lógica de mais com menos não atinge, também, viadutos e pontes, aeroportos, estradas, escolas e hospitais e todo tipo de infraestrutura mantida, seja pelo Estado, seja pela iniciativa privada, é de uma ingenuidade assustadora. Mas quando essas coisas quebram, diferente da máquina de café, ou do servidor de e-mails, é impossível antever o tamanho da desgraça e os efeitos colaterais.

O Brasil é um mar de lama, também moral. Um povo que consegue tratar com ódio e maldade gente que perdeu tudo, não por culpa ou escolha, mas pelas operações sem o cuidado necessário de uma corporação gigantesca… E, para piorar, um mar de lama moral tal, que inverte a lógica: Porque a empresa dá empregos e gera tributos, não há como puni-la severamente, certo? Não é justo com ela. Ela tem que ser protegida por todos. O sucesso da Vale é mais importante do que qualquer moralismo. Proteger o meio-ambiente, quando uma empresa quer crescer e gerar mais empregos, é coisa de eco-chato, esquerdista… Assim a maioria pensa. Só há o hoje. Só há “o que eu ganho com isso?”.

O Brasil é um mar de lama. Onda após onda de lama tóxica, no campo da moral, da política, do futuro, e também no campo da realidade. Lama para todo lado. A última onda matou 300 e retirou, por décadas, dezenas de km² (incluindo a rota dos rios) do Brasil. Um pedaço do Brasil morreu. Mais um pedaço que virou um mar de lama. E nada me diz que será o último.

Foi um longo inverno (ou, “Porquê você quer mais Tempo, mesmo que não saiba?”)…

Estou de volta. Foi um longo inverno por aqui, concordo e lamento. Como penitência, faço um texto longuíssimo. (Pensando bem, a penitência é sua que vai tentar ler isso tudo… Me perdoe, de coração).

Acomodar uma nova formação acadêmica em minha vida foi tarefa mais desafiadora do que eu poderia imaginar. Mas, claro, não foi só isso. Escrever só por escrever nunca foi a minha vontade. E 2018 teve tanta pauta e tanta lama, que parecia ser impossível discutir qualquer tema relevante sem muito esforço e muito estudo. E tudo isso demandava tempo. Tempo: O commodity que eu não tinha.

Diz “o Livro da Economia” (Ed. Globo, 2012) que a primeira lição da Economia é a Escassez: Não há nada que queiramos em quantidade suficiente para todos os que querem. Pela diversão, embora fuja ao ponto, a segunda parte dessa lição cita que a primeira lição da Política é ignorar completamente a primeira lição da Economia. Mas, voltando… Commodities

Bem, novamente, no ramo da Economia, as commodities são as matérias-primas de circulação mundial, isso porque sem elas, nada pode ser produzido. O aço, a água, o milho…

Um outro commodity é o Tempo. Ok, não vejo como vender tempo, no sentido literal da tradição, de tal modo que eu venha a viver um ano a menos e você, um ano a mais, mediante um pagamento substancial de dinheiro seu para mim… Outro problema em colocar o Tempo como commodity é que a definição clássica espera que um commodity tenha um preço quase tabelado ao redor do Globo, não importando sua origem ou sua história. Quer dizer: Um saco de milho do Brasil não tem muito motivo para ser 2x mais caro, melhor, mais milho, ou 2x mais barato, pior, ou menos milho do que um saco desse commodity vindo dos EUA. Claro que há todo o problema tarifário, tecnológico, de infraestrutura, mas ei… Não é disso que quero falar… A teoria pura das commodities diz que esses materiais básicos para a produção são 100% fungíveis e têm preços muito semelhantes quando feitos por competidores do mesmo tamanho. Isso porque por serem matérias-primas e, portanto, não refinadas, nem trabalhadas para serem o produto final, o valor agregado é o menor possível. Daí a pasteurização pecuniária.

Não é bem assim com o Tempo… Como Marx propõe no capítulo I do livro “O Capital”, percebemos que o Tempo de um empregado hábil, com ferramentas, tecnologia, ciência, nunca custará o mesmo que o tempo de um empregado sem essas características. E assim é com a vida:

Uma hora a mais de vida para alguém a beira da morte parece valer qualquer esforço. Para um jovem de 17 anos, as horas são um recurso em sobra e até irritantes: Ele não vê a hora de atingir os 18. Pularia todo aquele ano enfadonho se a opção lhe fosse dada.

Pois bem, já me parece razoável a certeza de que a ideia de que as horas de nossas vidas não custam a mesma coisa está clara para quem lê. Não é a mesma sequer para a mesma pessoa (o jovem que pularia todo o tempo dos 17 para os 18, não cederia um minuto de vida, se assim pudesse evitar, quando chegasse a hora derradeira).
Mas afinal, do que estamos falando por aqui? Na verdade, e sendo bem sincero: De nada. Diferente de outros textos que já escrevi, este aqui só quer conversar contigo. Sem pretensões. Só meus achismos.

Com 32, indo para 33, sinto desejo por algo novo: O tempo é tudo que eu quero. Nem casa na praia, nem carro do ano. Troco tudo isso por mais tempo. Você vai dizer “tá bom… Vamos ver se recusará se alguém bater na sua porta e te der tudo isso”. E aí te direi “você entendeu tudo errado: Claro que vou aceitar. Mas, para poder vender tudo e, com esse dinheiro, comprar mais tempo pra mim”.

Aí que está a teoria de tudo: Tempo é commodity. E commodity é um bem que se compra. Já expliquei isso antes. E daqui, ocorre-me outro desdobramento: A insanidade com a qual convivemos pacificamente é que trabalhamos para comprar de volta o que sempre foi nosso: O Tempo. Vamos perder um tempo (já sentiu o prejuízo, hein?) nessa parte…

O que você vende para a empresa onde trabalha é seu tempo. Se for o dono da empresa, a empresa passa a ser sua razão de existir e, com isso, todo seu tempo é dela. Assim, empregado ou dono, você vende seu tempo de vida para alguém (mesmo que o patrão seja você).

Você recebe, em troca, dinheiro. A quantidade desse dinheiro depende de muitos fatores, alguns até imorais (como o incompetente filho do dono, que tem cargo de diretor). Outros são a expressão máxima da ideia de meritocracia, como a faculdade com bom nome, o histórico com notas altas, a pós-graduação, os idiomas, as especializações… Por aí vai.

Porém, embora você, engenheiro, médico, advogado ( = chavões) venda suas ~8h de forma mais cara do que o desqualificado, não necessariamente você vive mais (ou melhor) do que ele. Senão vejamos:

Um gerente de empresas tem um salário – bem – maior do que o estagiário. Mas quando as férias escolares chegam, é o estagiário que vai para a balada e, depois, transa mais que funileiro gaúcho (piada interna, perdão), enquanto o gerente pode estar fazendo turnos de 10 a 12 horas diárias, chegando em casa quando os filhos já dormem e a mulher já saiu do clima de festinha, se é que me entende… Parece exagerado, eu sei. Quem dera o fosse. Não é.

Eu trabalho com as maiores corporações do país, graças ao emprego que tenho (em uma das 5 companhias mais valiosas do mundo). Eu lido rotineiramente com líderes de equipe, quando não com diretores e, em geral, todos sofreram um bocado para estarem onde estão. E o que vejo e ouço na vivência com eles me garante: Eles não são mais livres ou vivem mais que o analista júnior. Comparar com o estagiário é até mancada. Não o farei mais.

Alguém vai me derrubar “do devaneio” que estou construindo. Vão me dizer “Tá bom… Mas o gerente passa as férias nas Bahamas e vai ao Aeroporto de Mercedes. Seu analista júnior não pode comer bife todos os dias da semana, ou vai à falência”.
O argumento é cruel; não posso deixar de reconhecer a obviedade de que meus gostos e meus sonhos só podem ser alcançados sendo o Engenheiro e jamais o Estagiário. Mostra o tipo de sociedade consumista em que nos moldamos. “Você é o que você tem e pode mostrar”, a maioria vai dizer. É uma realidade. Mas também é uma mentira. E eu vou tentar provar o erro que me parece existir nessa filosofia.

O primeiro aspecto a considerar é um tanto óbvio, porém, continuamente ignorado. O Estagiário realmente não vai às Bahamas. Não dá. Não com o que ele ganha. Mas eu tenho CERTEZA que ele se encontra “com os parças”, toda semana. E quando o dinheiro do goró (jovens, vocês ainda usam “goró”?) acaba, isso não importa. Um faz “o corre” do outro. E se ninguém tiver, não tem problema 2.0: Sentam na sala da casa da mãe de um deles e jogam conversa fora. O Tang é bom. A conversa, melhor ainda.

O Gerente, o Diretor, realmente vão às Bahamas. A cada quantos anos? Dois? Três? Só quando o casamento está acabando? Quando pegaram a mulher no Tinder, cansada de se deitar sozinha? Vão levar os filhos também, aquelas crianças que eles não sabem nada a respeito, mas que sabem que trouxeram ao mundo. Eles verão e desfrutarão coisas que o Estagiário só pode sonhar. Por 7 ou 15 dias a cada 2 ou 3 anos.

Não consigo me decidir de quem tenho mais dó.

Não sou hipócrita: Tenho sonhos, gostos e hobbies caros. Tenho um padrão de vida que não pode ser adquirido com sorriso no rosto e vida bucólica. Conheci os EUA em várias partes, o Chile, a África do Sul de Sul a Norte. Não dá para fazer o que faço com mil e duzentos reais por mês. Simplesmente não dá.

Mas eu jamais me permito esquecer: A única coisa que faz valer a pena sair da cama para perder 10 ou 12 horas do meu dia enriquecendo acionistas não é o dinheiro em si. É o que ele me permite fazer.

Daqui, decorrem mais alguns fatos para você analisar – como eu faço agora: Ninguém sobrevive num emprego como o que tenho, trabalhando 8h por dia. Ninguém. Podem lhe contar a mentira que quiserem. Não dá. Os mais “pé no freio”, como eu, fazem 10h. Os gerentes fazem 12h. Os alucinados, esses já não sabem mais dizer ao certo. Outro fato é que, realmente, é mentira se alguém lhe disser que a empresa nos obriga a isso. Ela não obriga. Você apenas não tem condições de entregar o que o cliente final contratou e ainda se manter em dia com as obrigações como funcionário dela. A armadilha está montada. Ela não te pede isso. Apenas é impossível ser um profissional bom sem fazer isso. E os profissionais não-bons, não-duram (com o perdão do “trocadilho gráfico”).

Eu trabalho para viver ou vivo para trabalhar? Tem horas que a diferença é impossível de se ver a olho nu. Porém, é só se lembrar de algo doloroso de se encarar: Você nasceu em uma família e cresceu com amigos. A carreira só veio bem depois na sua vida, lá pelos 16 ou até mesmo 20 anos. E você quer voluntariamente passar mais tempo com a última em preterição aos 2 grupos primeiros?
Que você não se engane: Ninguém aqui está vendendo sonhos. Só pode descansar no galho alto da árvore quem se deu ao trabalho de subir até lá. E se você nasceu pobre como eu, em uma periferia que nem asfalto tinha, a subida é uma merda, eu sei. Só que aqui mora o truque supremo do Diabo: Para que (e não por que) você quer ir até o galho mais alto? A maioria das pessoas com quem falei não soube responder com grande clareza. Algumas ensaiam um “é pela vista”. Ao que retruco “e quem vai subir com você até lá para discutir aquilo tudo que se vê e como foi a viagem até ali?”. A maioria desisti aqui. Alguns são o exército de um homem só: “Quem não aguentar a subida não é digno do que nos aguarda lá no alto”. Ok, Rambo… É seu direito pensar assim. O mundo só pode ser separado em vencedores e perdedores, você me diz. Respeito. É tosco pra mim. Mas respeito que funcione pra você.

Do meu lado, está bem claro: Não faz o menor sentido ter o melhor vinho de 2018 na minha adega para abri-lo sozinho e tomá-lo inteiro, sem ninguém para comentar todos aqueles aromas e sensações. Isso [de tomar uma garrafa, solo] é coisa de alcoólatra; não quero ser um.

Cada um sabe qual é o seu WLB (Work-Life Balance, sigla da nave-mãe onde vendo minha vida), é bem verdade. Para mim, WLB é ter a ajuda do meu gerente para estar na faculdade, por mais 4 anos no mínimo, das 19h às 22h, segunda a sexta, no período tipicamente letivo do Brasil. Para outros colegas, WLB é ter milhas infinitas para viajar de graça. Nenhum dos dois está errado. É só cada um correndo atrás do que quer. Só que tem uma coisa: Eu já passei tempo demais em saguão de aeroporto, hall de hotel e dentro de carros para saber que essas horas não voltam. Nenhuma delas, não importa como você as empregue, voltam, na verdade.

10 horas numa festa com os amigos, ou 10 horas dormindo. Ou ainda, 10 horas em uma UTI de hospital. Já passei por todas. São 10 horas. E nenhuma delas tem o mesmo preço. Marx all over again

Eu vou te contar o melhor que ocorreu em 2018, comigo: Eu passei 4 dias com minha segunda família. Aquela feita pelas amizades que forjei no caminho que já percorri. Nem todos estavam lá, verdade. A vida não deixa que nada seja pleno, perfeito ou eterno. É parte da ironia que nos maltrata e que também a deixa tão bonita. Não foi de graça, claro. Pagar metade de um salário-mínimo é um luxo, num país com 13 milhões de desempregados. Não sou idiota e entendo como eu pude fazer isso.

Mas quer saber?

Somos nós que criamos as prisões em que nos trancafiamos. Nós dizemos qual é o preço. Nós dizemos que para ver os amigos, rir, falar besteira, aos 33 anos de idade, precisa custar X vezes mais do que custava quando éramos todos estudantes pobres em uma escola pública por aí. Novamente, não sou idiota: Eu quero estar com eles, tomar boa cerveja, comer carne na brasa, ter café da manhã com todos os requintes que desejo. E tudo isso custa dinheiro… Mas esse não é o problema… O problema vem abaixo.

Estamos, todos nós, morrendo, o tempo todo. Nesse exato minuto, você e eu estamos mais perto da morte. E ninguém sobrevive a ela. Eu garanto. Só que o sistema que criamos (e se não criamos, no mínimo, sustentamos com cada escolha que fazemos) diz que a única forma de viver com conforto, corretamente, dignamente – use o adjetivo preferido – é vendo o cliente 40 ou 60 horas por semana, e vendo os amigos 3 horas por mês, ou indo com a mulher para as Bahamas a cada 2 anos, por 15 míseros dias. Seu filho deu o primeiro passo e você estava fazendo hora-extra. E você diz “é por ele”. Bem, só tome o cuidado de não pôr tudo na conta dele. Não se assuste se um dia você chegar em casa e ele estiver com barba. A escolha foi sua, nunca dele. Se você for um completo estranho para aquele cara com 15 anos que ainda ontem você trocava fraldas, não diga que foi tudo por ele. Me parece um pouco covarde ou desonesto. Foi por você. Como meus hobbies são por mim. Se eu preciso ter uma adega com 30 garrafas dentro, não é pela adega. Não é pela minha noiva, nem pela minha mãe. É por mim. E tem um preço. O preço é medido em dias da minha vida. Dias e horas que não me pertencem, porque eu os vendo. Se vendo por um preço justo, a história que fiz e faço dirá.

Para todo o apaixonado pelo vil metal, pelo contracheque, pelos zeros que se acumulam na conta… Fica só uma sugestão: Tome cuidado para não gastar tudo que acumulou, sozinho e/ou numa cama de hospital. Ter um milhão é legal, claro. Olhar pro lado e saber que você não poderia estar melhor acompanhado (família, amor, amigos, cachorro, whatever) é muito melhor. Se você conseguiu os dois, te parabenizo e te invejo. Quem sabe um dia. Mas te garanto que conhecer a Savana africana com 30 é melhor do que conhecer com 60 ou 70, quando as costas já não aguentam mais a dor da estrada de terra. O tempo do garoto não custa o mesmo do velho, lembre-se disso sempre.

Toda vez que você vende barato o que não tem preço (a.k.a. seu tempo nesse mundo), você está sempre dizendo que é pelos outros, ou pelo futuro, ou sabe lá em nome do que. Enquanto isso, o que escorre pelas suas mãos é a vida. A única que você terá aqui. Se houver outra, só tem um jeito de saber, e é um preço caro demais para se pagar e confirmar.

Eu disse que não ia vender sonhos. E continuo dizendo: Semana que vem eu vou estar no trabalho. Os boletos continuam chegando. Da faculdade, do aluguel, do vinho. Eu quero tudo isso. Mas as prioridades têm de ser claras para mim. Eu não vou vender o tempo que sempre foi meu para conseguir mais dinheiro, para guardar mais, para ter mais bens que não vou utilizar (porque estarei fazendo hora-extra em algum lugar, para enriquecer alguém que não sou eu), para um dia, quem sabe, se a loucura do hospício que é o mundo adulto não tiver me roubado toda a saúde, eu, enfim, aproveitar isso tudo. Lembrando o que eu já disse: Miami com 30 anos é bem melhor que Miami com 60. E com 20, é melhor que com 30. A disposição, a aventura, a doçura das memórias; essas coisas não podem ser compradas.

Estamos todos em rota de colisão com o fim. A vida é agora. Longe de mim entrar na onda idiota do “Carpe Diem”, lema romano usado no fim do império, já na decadência, para justificar abusos e inconsequências. Quem me conhece sabe muito bem que esse não sou eu.

Mas, 2019 será um ano que dedicarei a viver com menos. Eu vou enxugar os gastos, reduzir o que puder, sem tornar a vida enfadonha, sem tornar o emprego insuportável (eu vou para lá por tudo o que ele me permite fazer fora de lá; nunca me esqueço dessa ordem) e, então, eu vou saber de quanto preciso para manter a roda girando. E em 2020, a meta é trabalhar menos.

O homem planeja e Deus ri, é verdade. Só estou compartilhando um plano. Planos mudam. Nem por isso devemos deixar de fazê-los… Eles nos dão Norte para seguir nas horas mais escuras.

Mas eu sei o que faz a vida valer a pena. E não tem nada a ver com meu cargo, meu e-mail, ou meu currículo. Não que essas coisas sejam ruins. Pelo contrário: É o melhor lugar em que já trabalhei em toda a minha vida. O melhor gerente, a melhor equipe. Mas houve um tempo em que todas as horas da minha vida eram minhas, e como o estagiário, eu via constantemente as pessoas que fazem o mundo ser um lugar que vale a pena estar. É isso que eu quero. O caixão não terá cofre. Só vão lembrar de mim as pessoas com quem eu me relacionei humanamente. Nenhuma empresa em que troquei o servidor de e-mails fará uma homenagem quando eu partir.

Agora, eu vendo minhas horas por um preço que não atinge 13% do valor que elas geram para minha companhia. Detalhe sórdido: Fiz a conta com o salário bruto, como se não houvessem impostos. E alguns dos meus colegas estão determinados a não ver os amigos, não ver os filhos, perder a mulher para o encanador… Alguns porque tem um plano e o sacrifício é valido, com começo, meio e fim. Eles têm minha admiração, no entanto ela valha de nada. Porém, outros tantos o fazem porque disseram para si que “não há outra forma”. Pois, minha meta será achar outra forma. Porque estou morrendo. Todos estamos.

Memento mori, diziam os sábios antigos.

Eu me lembro. Eu realmente me lembro…

Uma pizza interminável, amarga e indigesta…

Brasília humilha São Paulo, quando o assunto é Pizza…

No Brasil, estima-se que são consumidas entre 1 e 1.5 milhão de pizzas diariamente, nas mais de 36 mil pizzarias do país.
Só em SP, são 1 milhão de pizzas por dia…

É claro… Pelos números, essa pesquisa não incluiu Brasília…

A charge mostra Senado e Câmara, em Brasília, como um forno de pizza.
Infelizmente, não achei os dados do autor da Charge, para o devido crédito. A imagem, contudo, não poderia ser melhor para ilustrar o respeito que as casas legislativas inspiram…

Este é um post expresso: Não tenho o tempo necessário para pesquisar e redigir e, talvez, não devesse escrever se não posso fazê-lo do jeito certo. Aliás, este é o principal motivo de se passar tanto tempo sem coisas novas por aqui. Mas, tem horas que você precisa dizer algo, ainda que não seja o melhor que pode dizer.

E, mais uma vez, o Legislativo (com letra maiúscula, para representar o tamanho esperado de um poder democrático) brasileiro fez o que faz de melhor: Manchou qualquer espaço que ainda resistia branco, com o molho da pizza que faz tão bem desde o fim da Ditadura.

De Dilma para cá, o que mudou?

Ainda que diante de toda a nojeira que vemos em Temer, Aécio, PMDB e PSDB… Eu continuo acreditando que o impeachment de Dilma era necessário.

O país estava congelado no meio do impasse político que Dilma e sua linha autoritária gerava com os demais Poderes; a economia naufragava – com os investidores internacionais fugindo aos montes – nos planos que só a Presidente e seu alto escalão acreditavam; a casa legislativa não funcionava com ela (e o Executivo precisa do Legislativo para mudar qualquer coisa no país…) e, no fim das contas, a relação Dilma/Poder estava completamente disfuncional.
Ela era delirante nas declarações finais de seu governo e expunha o Brasil, enquanto nação, ao ridículo nos fóruns econômicos e políticos, mundo à fora.

Tá certo: Tenho que confessar saudades das pérolas que só ela sabia fazer… O vento ensacado, o dia das crianças-animais, saudando a mandioca, a aritmética complexa do preço do gás… Enfim…

Mas, quem apostava que o problema era o Partido dos Trabalhadores, tem que reconhecer o óbvio “ululante” (porque essa palavra eleva a seriedade do que escrevo):
No aspecto moral, nada melhorou, realmente, desde que Dilma se foi. De certa forma, a coisa ficou pior:
Com Dilma, os ratos se atacavam e se destruíam, num espetáculo horroroso, mas fundamental para mostrar ao brasileiro comum, desligado do dia-a-dia de Brasília, a triste dureza da realidade política dos Poderes que guiam o destino desta nação e, em última instância, de cada um dos seres que tiveram a sorte (boa ou ruim) de nascer aqui. Foi uma época de muita efervescência social.
Sem Dilma, os ratos “fecharam” com as ratazanas. Estão unidos na missão de estancar não só a desonestidade, o crime, a safadeza… Mas, tudo e todos que possam combater seu estilo de vida. Estilo criminoso, sujo e imoral de vida; cabe acrescentar.

Ontem, só mais um capítulo pra uns; mas, eu não vi assim: Quando Aécio sai pela porta da frente de uma grave acusação apreciada no STF – porta negada a Delcídio, então Senador, em situação parecidíssima – eu vejo que o Mal (com letra maiúscula) voltou a se organizar em Brasília.

E quem vota contra, não necessariamente o faz pelo melhor futuro ao país: Faz para se vingar, faz para dar o troco, e que se dane o certo, o moral, e etc. Há quem falte à sessão por motivos legítimos, ou só para se livrar da responsabilidade…

Sempre foi podre:

Desde a retomada democrática, pós-diretas, com Sarney (sim, há mais de 30 anos, ele já era raposa velha nesse galinheiro e, ainda hoje, dá as cartas aqui e ali), depois com Collor que não chegou a ver o fim do seu mandato.

Depois, com Itamar e FHC que estabeleceram as bases do “modus-operandi” atual do grande balcão de negócios que Brasília se tornou. Não tinha Lava-a-Jato, mas não faltou escândalo, do mesmo modo:

Teve Proer, teve privatização com muita propina na Telebras e Vale do Rio Doce, teve Precatórios. Recentemente, FHC admitiu que conhecia as irregularidades da Petrobras que foram levadas ao extremo no governo seguinte… Enfim… Pode até não ter havido barulho, mas não faltou motivos para ter. Faltou Poderes Públicos sérios (MPF, PF, STF), faltou imprensa ativa e, principalmente, faltou sociedade ativa.

Depois vem Lula e Dilma, e todos se lembram muito bem de tudo o que deu errado.
Para além de todos os esquemas, dou foco ao Mensalão que literalmente comprava os votos de cada parlamentar para manobrar o legislativo ao gosto do Presidente e de seu partido.
Dou foco porque se o esquema não impressiona em cifras (diante do que a Lava-a-Jato nos mostrou), impressiona na meta: Acabar com a Democracia. Os “fazedores de lei” votavam de acordo com o que eram pagos, e o governo de Lula/PT conseguia o que quisesse(dentro de certos padrões), quando quisesse. Sem discussão de ideias, sem filosofia partidária, sem oposição real.

Para além do mar de escândalos, foi com Lula que acabamos por sedimentar o tal “governo de coalizão”. Esse modelo é o que sacramenta o “balcão”.
Ninguém faz nada em Brasília sem ter certeza do que vai ganhar com isso. “Quer meu apoio? Ótimo, qual cargo seu governo vai disponibilizar para mim/meu partido?”

É CLARO que política, mesmo no idealismo de uma sociedade perfeita, se faz na conversa, na negociação e na concessão. É claro que não é crime abrir espaço para pessoas e organizações (partidos) que pensam política como você e seu governo, ou que pensam diferente, mas complementam e somam ao seu ideal .
Mas, quando isso é condição sine qua non para TUDO que você vai fazer através do Poder que lhe foi concedido pelo voto de cada coitado que acreditou em você… Nada de bom pode vir disto.

E aqui não é teoria: Basta olhar para o retrato atual da Política brasileira. Ele é um retrato construído muito por conta desse balcão onde uma criança só deixa de beber água do esgoto se alguém ganhar um Ministério.
Exemplo extremado, concordo, mas, te fiz entender o problema, eu acho.

Ano que vem, vamos às urnas. Quem sabe, o Brasil cicatriza toda a rachadura social causada por tanta convulsão entre Tucanalhas e Petralhas, Defensores e Detratores, Coxinhas e Mortadelas…
Mas, não há nenhuma garantia: Sem material humano; sem candidato que consiga unificar os desejos de ambos os lados, de forma viável, e representando uma terceira via aos caminhos já trilhados; nada impede que a cisão entre nós cresça até um ponto insuportável.

O brasileiro tem vocação para gostar de histórias felizes e a maioria acaba achando que, no fim, tudo vai melhorar e se pacificar por si só; mas, talvez, tenhamos entrado num movimento sócio-político inexorável.
Talvez, só nos reste dividir o país em 2 ou 3, como querem os Catalães na Espanha; não exatamente pelos mesmos motivos e precedentes, é verdade…

O que tenho certeza é que independentemente da existência dessa “terceira via”, diferente de PSDB e PT (com o PMDB SEMPRE no bastidor do Poder), nós brasileiros, que nos dizemos conscientes da necessidade de transcender o crime, a desonestidade e a sujeira como o único meio de governar o Brasil, não temos o direito moral de votar em candidatos do PSDB, PT, ou PMDB (especialmente, deste último, que esteve no poder desde o fim da Ditadura, e joga para o lado que lhe dá Poder, acima de qualquer filosofia), para manter o mínimo da coerência.

Você que acha que o socialismo é o caminho e, independentemente do que penso disto, você precisa votar no candidato do PSOL, do PSTU, do PCO… Arranje algo novo.

Você que acha que o que resolve é a linha dura, o capital livre e etc.: Bem, você vai sofrer mais pra votar. Não existem partidos de Direita no Brasil, por excelência, com cartas de intenção comprometidas com os valores típicos da Direita e etc… Mas existem candidatos. Vai lá ver a lista do PSC, do PEN e, com muito cuidado para não votar em mais “mais do mesmo”, olhe para “outsiders” (termo pop na política) no DEM.

A mensagem final é que, haja o que hajar… Nós não temos o direito de votar em PT, PSDB e PMDB (reforço: o último sempre esteve no poder, desde Sarney em meados de 80) e, depois, falar em “renovação da Política”, ou que estamos “cansados” do baralho de cartas marcadas de Brasília.
ORAS… Se somos nós que pegamos “as cartas” sempre do mesmo baralho… Do que estamos reclamando???

Ou, pra fechar com a analogia de abertura: O forno está lá e, do forno, sai o que se bota pra cozinhar ali…
Mas, não há como se falar em pizza pior ou melhor, mantendo os pizzaiolos de sempre.
E nós insistimos neles (e tem MUITA GENTE querendo insistir mais), por tempo demais.

Bom, pra um post improvisado, já falei por tempo demais. Só quero acrescentar que as ratazanas estão organizadas e a hora já passou e voltou para que a sociedade civil se organize e tire todas elas de lá.

“Ah, mas, e se tiramos o rato e colocamos algo pior?”.
Que seja: É melhor errar tentando algo novo (novo, de verdade, não só no slogan), do que apostar no que, mais uma vez, se prova o mais absoluto erro continuado – estendido e repetido – de escolha de um dado povo.


Votaram para devolver mandato a Aécio:

Airton Sandoval (PMDB-SP)
Antonio Anastasia (PSDB-MG)
Ataídes Oliveira (PSDB-TO)
Benedito de Lira (PP-AL)
Cássio Cunha Lima (PSDB-PB)
Cidinho Santos (PR-MT)
Ciro Nogueira (PP-PI)
Dalirio Beber (PSDB-SC)
Dário Berger (PMDB-SC)
Davi Alcolumbre (DEM-AP)
Edison Lobão (PMDB-MA)
Eduardo Amorim (PSDB-SE)
Eduardo Braga (PMDB-AM)
Eduardo Lopes (PRB-RJ)
Elmano Férrer (PMDB-PI)
Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE)
Fernando Collor (PTC-AL)
Flexa Ribeira (PSDB-PA)
Garibaldi Alves (PMDB-RN)
Hélio José (Pros-DF)
Ivo Cassol (PP-RO)
Jader Barbalho (PMDB-PA)
João Alberto Souza (PMDB-MA)
José Agripino (DEM-RN)
José Maranhão (PMDB-PB)
José Serra (PSDB-SP)
Maria do Carmo Alves (DEM-SE)
Marta Suplicy (PMDB-SP)
Omar Aziz (PSD-AM)
Paulo Bauer (PSDB-SC)
Pedro Chaves (PSC-MS)
Raimundo Lira (PMDB-PB)
Renan Calheiros (PMDB-AL)
Roberto Rocha (PSDB-MA)
Romero Jucá (PMDB-RR)
Simone Tebet (PMDB-MS)
Tasso Jereissati (PSDB-CE)
Telmário Mota (PTB-RR)
Valdir Raupp (PMDB-RO)
Vicentinho Alves (PR-TO)
Waldemir Moka (PMDB-MS)
Wellington Fagundes (PR-MT)
Wilder Morais (PP-GO)
Zeze Perrella (PMDB-MG)

Votaram para manter afastamento de Aécio (26)

Acir Gurgacz (PDT-RO)
Alvaro Dias (Podemos-PR)
Ana Amélia (PP-RS)
Ângela Portela (PDT-RR)
Antonio Carlos Valadares (PSB-SE)
Fátima Bezerra (PT-RN)
Humberto Costa (PT-PE)
João Capiberibe (PSB-AP)
José Medeiros (Podemos-MT)
José Pimentel (PT-CE)
Kátia Abreu (PMDB-TO)
Lasier Martins (PSD-RS)
Lídice da Mata (PSB-BA)
Lindbergh Farias (PT-RJ)
Lúcia Vânia (PSB-GO)
Magno Malta (PR-ES)
Otto Alencar (PSD-BA)
Paulo Paim (PT-RS)
Paulo Rocha (PT-PA)
Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
Regina Sousa (PT-PI)
Reguffe (sem partido-DF)
Roberto Requião (PMDB-PR)
Romário (Podemos-RJ)
Ronaldo Caiado (DEM-GO)
Walter Pinheiro (sem partido-BA)

Não votou (1)

Eunicio Oliveira (PMDB-CE) – porque é presidente do Senado

Faltaram à sessão (10)

Aécio Neves (PSDB-MG) – Estava afastado por decisão do STF

Armando Monteiro (PTB-PE)
Cristóvam Buarque (PPS-DF)
Gleisi Hoffmann (PT-PR)
Jorge Viana (PT-AC)
Gladson Camelli (PP-AC)
Sérgio Petecão (PSD-AC)
Ricardo Ferraço (PSDB-ES)
Rose de Freitas (PMDB-ES)
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM)

Fonte da lista de votação: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/10/17/estes-senadores-votaram-contra-decisao-do-stf-que-afastou-aecio-do-senado.htm

Quando se é refém em casa.

Esse é um post feito com raiva e desesperança.

Ele ocorre à partir das 3h da manhã do Sábado para Domingo, e ele só ocorre porque tive meu direito Constitucional de não ser submetido à tortura (art. 5, inc. III), violado, mais uma vez.

Sou refém. Refém da minha própria residência, não tenho outro lugar para ir, e é aqui mesmo onde sou torturado e submetido a tratamento desumano e degradante.

Às 3h da manhã, acordei ao som alto do que alguns chamam de “música”. Claro, não era Beethoven, mas algum “MC”. Em geral, alguém medíocre, sem nenhum talento, idolatrado e seguido por pessoas igualmente, ou ainda mais medíocres.
Na verdade, é ridículo discutir o que era: Ainda que fosse a melhor peça da música clássica, às 3h da manhã e em volume suficiente para me acordar, seria tortura da mesma forma. Exótica (se fosse Beethoven), concordo, mas ainda assim, tortura, degradante e desumana.

O mais insano quanto a narrar este fato cotidiano para muitos é que a maioria das pessoas que lerem vão supor que moro perto de alguma “comunidade” (um nome ridículo, ao qual me oponho sempre, apoiado por gente que gosta do politicamente correto para fazer um lugar desumano e indigno de qualquer cidadão honesto – a favela – parecer melhor e mais digno; já que desistimos, enquanto nação, de tentar resolver esse problema social de décadas, damos um nome que “ofenda menos” – e deixamos as pessoas seguirem vivendo no meio do esgoto, da violência e da precariedade).

O chocante é que não, não moro perto de uma “comunidade” (ou favela, como deve ser dito) mas em uma região recheada de condomínios e apenas um minúsculo cortiço com uma meia dúzia de casas amontoadas por perto. E é este cortiço que aterroriza uma vizinhança inteira.

Vou pegar emprestado do Google.com, um mapa aéreo para que as pessoas possam ter noção do quão surreal é o que passo, vira e mexe:

vizinhanca
No primeiro balão à direita, onde eu resido. No balão do meio, o “T” onde meia-duzia inferniza a vizinhança inteira. No balão mais à esquerda, em cima, uma casa de repouso para idosos funciona ali…Pergunta: Como temos a falta de vergonha de deixar tão poucos afetarem centenas de pessoas?

Primeiro, peço que note a densidade de prédios e condomínios na área. Depois, perceba que 99% das casas tem dimensões e aparências típicas. Por fim, embora a imagem não coopere, veja que o “T” é a única área de construções irregulares, sem telhado ou acabamento, com lonas cobrindo o teto e etc.

Pois bem: É esse grupo de 6~10 casas/barracos que, regularmente, proíbe uma vizinhança composta por não menos do que centenas de famílias de ter paz (não perdi tempo levantando o número afetado mas, fique a vontade para extrapolar: Só o prédio em que moro, com 2 torres de 20 andares e 3 apartamentos cada, já garante 120 famílias atormentadas por um punhado de gente; todos os prédios ao redor do quarteirão são incomodados pelos infelizes que promovem verdadeiros “pancadões”).
Torturam com som alto, música de péssimo gosto (seria muito ruim até com música boa, repito – só é “mais péssimo” com o que eles ouvem), gritaria, quando “a festa” não acaba em violência entre os próprios participantes, o que não é raro.
Não ligaria se matassem uns aos outros, mas a violência só serve para fazer as mulheres, envolvidas no “evento”, gritarem escandalosamente, acordando mais uma vez a todos.

Eu faço tudo, e tão somente o que posso: Abro o site da Policia Militar, cadastro ocorrência por barulho (o famigerado Charlie-1*), e espero uma viatura que nunca veio, nas 2 vezes em que eu decidi acionar a força policial. E adianto o que penso:
É constrangedor remover policiais do verdadeiro serviço policial que deveria ser evitar crimes e ocorrências hediondas, para mediar uma conversa entre alguém torturado psicologicamente e uma porção de bêbados sem nenhum grau de educação ou civilidade.
Se fossem pessoas equilibradas, eu não precisaria da Polícia como salvaguarda para a conversa ocorrer. Mas, inferno, se fossem pessoas equilibradas, eu nem precisaria da conversa, em primeiro lugar.

Mas, por mais constrangido que eu esteja em tirá-los da verdadeira missão deles, isso é tudo e somente tudo o que posso fazer dentro da legalidade.
E a Polícia não vem. Outra vez.
Podem estar realmente ocupados impedindo que pessoas percam o patrimônio ou até mesmo a vida, e eu prefiro pensar assim, mesmo que sinceramente e conhecendo como a Força Policial encara esse tipo de ocorrência, eu saiba que eles não costumam vir por não ter nenhuma vontade de lidar com gente alcoolizada, e que pode ser perigosa (a famosa “desinteligência” [onde o policial é ferido em meio à uma briga] é comum nos C-1*) para, no fim, preencherem mais papel na delegacia do que o dito cujo responsável pelo inferno na Terra…
No país em que o traficante (exceto no flagrante) sai pela porta da frente do DP, após assinar um termo, e antes do policial que faz um boletim civil e outro militar (2 papeladas), o que você acha que acontece com o sujeito que faz um pancadão?
É uma humilhação para eles, os policiais, mas também para mim, que tenho que ir até a delegacia para registrar a queixa, enquanto sou provocado pelo fulaninho que diz que “antes, até ia parar cedo mas agora, vai tocar até às 8h da manhã”…

Depois de toda tortura a qual eles submetem todos nós, os mais temerários desejos e delírios sobre como “resolver” a crise surgem: Às 5h da manhã, morrendo de cansaço, mas, profundamente irritado e com o ruído ainda em curso, não posso deixar de narrar como seria prazeroso tratá-los via a única língua que eles respeitam: O tapa forte na orelha, o cano da pistola na cara, a pesada no equipamento de som pago em 100 vezes na Casas Bahia e vê-lo se quebrar em cem partes, enquanto solta fumaça do tipo que já diz: “Este, nunca mais”…
O horror.
Censuro-me ferozmente, logo após idealizar essa busca por vingança.
O simples fato de eu conceber a cena, já merece reprimenda.
Mas que não se empolguem os falsos moralistas de plantão: Merece bronca, mas não por eles, porque quero mesmo que eles invertam os fios do aparelho e descubram uma propriedade oculta e catastrófica das bobinas dos alto-falantes onde elas atingem massa crítica e detonam como TNT, mandando tudo pelos ares.
O que fazem comigo e com minha família e com todas as outras famílias que moram no mesmo lugar, não me deixa um único milimetro de compaixão ou empatia.
Insisto: Não é por eles que me censuro. Não é porque eles merecem tratamento melhor. Até porque, riem de quem tenta tratá-los respeitosamente. Já vi destratarem o senhor que foi lá, sem reforço policial, exigir o respeito à sua paz.
Mas é por mim que me proíbo. É porque, embora profundamente irritado e raivoso por não ter o direito ao sono; embora exposto à tortura da privação do sono que eles me impõem, eu sei que eu sou melhor do que tudo isso que vocifero em pensamento contra eles.

Eu, quase que em um delírio solitário, brigando por valores superiores que visivelmente não são compartilhados pela sociedade em que vivo, sigo insistindo na quase caduca luta pelo Contrato Social; repúdio a volta do Direito Natural, da superioridade do mais forte, do retorno ao homem primordial e animalesco. Faço isso em toda oportunidade em que alguém quer “resolver no braço” alguma questão…
E como posso discutir isso e pregar isso, quando quero pegar a pistola, a toca ninja, e “resolver as coisas” eu mesmo? (Sinceramente, e com o pingo de frieza que bate entre a raiva e o sono; ao analisar o que escrevo, penso em quanto eu teria que me sujar pelo momento tosco da realização… Um conselho para todos (eu, incluso): Nunca saque uma arma se você não tem a intenção absoluta de usá-la, ou você pode morrer via sua própria munição)…

E lendo os últimos 3 parágrafos, eu vejo de maneira desoladora e pesarosa: Eles venceram.
Sou mais parecido com eles, em meio a fúria que me causam, do que quero que eles sejam parecidos comigo, pela imposição da lei, com uso da força policial se preciso for etc…
Estou proporcionalmente mais perto de desrespeitar o direito deles, como eles fazem comigo, do que conseguir que eles se curvem à lei e respeitem o direito de todos pela via legal e moral.
Tragédia.

Como podemos chegar tão baixo enquanto sociedade? Por que tão poucos tornam reféns, centenas?

Conversei com o porteiro, com quase 20 anos de condomínio e perguntei “Desculpe, mas, eu sou o único que reclama do comportamento deles?”. E o porteiro fez cara de sarro e disse “Vixi… Todo mundo reclama… Mas o pessoal tem medo de ir lá com a Polícia e ficar com inimizade… Aí depois pra sair na rua é complicado”…
Fico pensando “Como é que é? São 6 casas, não a favela da Rocinha! É gente mal educada, e sem respeito aos limites, mas nenhum deles é o Fernandinho Beira-mar!!!”…

Fica claro: A meia-duzia segue vencendo porque é fiel apóstola da teoria que “os incomodados que se mudem”.

Não pagam IPTU, nem compraram o terreno, mas, se fazem mais donos do pedaço do que todos os condomínios e todas as casas, às centenas, juntas. Porque, embora todos se incomodem, a maioria teme as consequências de defender o direito legitimo à paz e ao descanso.
E todos dizem pra si mesmos “alguém tem que resolver isso”, complementando, “contanto que não seja eu”…
Isso explica o Brasil em que vivemos numa centena de outras situações: Ninguém quer o trabalho (às vezes, imenso e cercado de dor de cabeça) de resolver, e todos esperam que alguém (outro) resolva.

Meu martírio está perto do fim: Primeiro porque o Sol já vem, e os vagabundos que assaltam a paz do bairro também se cansam.
Impuseram-me, mais uma vez, o amargo gosto da derrota de só poder dormir quando eles deixaram.
Segundo porque, em alguns meses, meu contrato expira, e vou me mudar. A vantagem suprema de alugar acaba residindo na capacidade de não se ver condenado à convivência com bichos que não podem ser chamados de “cidadãos”.

Não o são, de fato. A Cidadania pressupõe a mínima observância à lei, e eles são incapazes disto.
Muitos tolos vão vir argumentar que eles foram marginalizados e, por isto, não podem dar o que não tiveram. Ao que respondo: E o que meu direito ao sono e à paz tem a ver com isso? Posso eu, tolido de uma das necessidades mais absolutamente básicas – que é o descanso – abdicar da minha obrigação de cumprir a lei e “ir lá resolver”??? Não posso.

De mais a mais, essa é a mentira suprema que torna tantos e tantos reféns de tão poucos: Que porque eles não tiveram apoio A ou B da família, da sociedade, do governo, ganham algum tipo de liberdade poética para não respeitarem o Contrato Social e o mínimo de regras para o convívio com outros indivíduos. Piada de extremo mau gosto.

Não importa o que eles não têm, ou deixam de ter: Enquanto dois erros não valerem um acerto, eles são os vilões e eu sou a vitima. Pouco importa se moram mal e eu moro no condomínio. Não os coloquei nessa situação e nunca desrespeitei uma lei contra eles. Tudo o que espero é a reciprocidade. Em vão.

Há algo profunda e alarmantemente quebrado na Sociedade brasileira. Mas, se não posso dar um diagnóstico completo, uma coisa eu adianto: O ditado “os incomodados que se mudem” é um câncer no coração do nosso povo.

Os incomodados – em todos os aspectos – têm que começar a reagir – por todos os meios necessários – e parar de se mudar.
É, ironicamente, a única forma de mudar o país: O justo parar de se mudar e exigir que mude o outro.

(PS: A zona parou por volta das 6h… Vou deitar, mas o texto só sai às 8h30)….

*obrigado pela correção, Guilherme!