
Começar o texto com uma pergunta que não pode ser respondida – ao menos, não com “‘A’ resposta certa” – não é a jogada mais inteligente…
Por outro lado, fazê-la, parece-me inevitável: Afinal: Mas por que, de novo, a França?
É preciso lembrar tudo o que já ocorreu – de ruim – no território onde os Gauleses viveram, e fazer menções à alguns aspectos que, talvez, e só talvez, possam explicar o porquê do Terror ter escolhido a França como seu novo alvo predileto.
O número de ataques à França não é pequeno. É o país desenvolvido, mais atacado pelo DAESH (ou ISIS, como preferir…), em todo o mundo ocidental, desde o começo da escalada do novo emissário do Terror.
O primeiro ataque da organização à França, ocorreu entre 7 e 9 de Janeiro de 2015, quando a sede parisiense da revista “Charlie Hebdo” foi alvo de 2 atiradores, os irmãos Kuachi, franco-argelinos, com pouco mais de 30 anos. Na mesma série, outro atirador na mesma faixa de idade, Amedy Coulibaly, tomou um comércio de donos Judeus. Ao todo, 17 pessoas foram mortas durante 3 dias em que a França ficou acuada e trancada, dentro de casa, enquanto as autoridades tentavam achar os terroristas.
Depois, em Fevereiro de 2015, um homem de 30 anos, esfaqueia 3 soldados que protegiam uma rádio Judaica em Nice. Sim, a mesma do lunático motorista do Caminhão da última quinta-feira.
Intrigantemente, o agressor tem o mesmo sobrenome do terceiro atirador da primeira onda de Terror. Não há divulgação concreta sob o parentesco dos 2 (mas, no caso da Charlie Hedbo, sabe-se que eram irmãos e nacionais descendentes de argelinos).
Sendo o primeiro terrorista capturado vivo (os 3 primeiros morreram), Moussa declara, em depoimento, “ódio à França, ao Militares, ao Governo, e aos Judeus e Infiéis”.
Após essas duas ocorrências, em Abril, outro Argelino, Sid Ahmed Ghlam, com visto de estudante, é detido em Paris, sobre suspeita de homicídio, e de estar preparando um atentado contra os trens da cidade, onde o objetivo seria “matar 150 infiéis, ou mais”. O alvo secundário era a Basílica Sacré-Coeur.
Mais tarde, em Junho de 2015, um homem é decapitado em Lyon, dentro de uma fábrica de combustíveis. O autor é o seu funcionário, Yassin Salhi, de 35 anos. Ele é nascido na França, com pai argelino e mãe marroquina. Depois da decapitação, envolto em bandeiras com símbolos do Islã, ele tenta explodir toda a planta, mas, sem sucesso. Foi capturado pelas forças policiais.
O ponto mais assustador é atingido em Novembro de 2015, quando Paris sofre uma série de ataques coordenados, com o pior ocorrendo na casa de Shows “Bataclan”. 130 pessoas foram mortas, e 350 ficaram feridas.
Salah Abdeslam, o único envolvido com o atentado a sobreviver nas buscas e confrontos policiais, se nega a comentar qualquer questão relacionada ao caso, após ter sido extraditado para a França, tendo sido capturado depois de uma longa operação no território belga. Com 26 anos, e de origem Belga, é o terrorista mais novo da lista, até agora. Com pais de origem Argelina, ele engrossa a lista de ligações com aquele país, e os atentados na França.
No mais recente episódio de Terror na Gália, o motorista Mohamed Bouhlel, tunisiano de 31 anos, atropelou e matou 84 pessoas (mais dezenas de feridos, em estado crítico), ao longo de 2 quilômetros, percorridos com um caminhão-baú, na Promenade des Anglais (Passeio dos Ingleses), onde a cidade de Nice comemorava a data histórica da Queda da Bastilha (14 de Julho) que é fundamental na história da Revolução Francesa.
O DAESH assumiu a autoria do ataque, mas, tudo ainda soa incerto. As fontes, versões e fatos vão se desdobrando, e os órgãos de inteligência ainda não sabem com quem Mohamed se relacionava, seus contatos no celular e no computador, e detalhes que ajudem a compreender a dimensão de seu ato.
Por ora, apenas um casal de Albaneses que ajudaram Mohamed com acesso à armamento, foram detidos, por SMS com conteúdo incriminador, trocado entre o marido e o Mohamed.
Entre a chance de blefe do DAESH, as alegações de algumas fontes de que trata-se de um ato de um desequilibrado mental que foi indevidamente capitalizado pelo grupo terrorista, nenhuma hipótese pode ser totalmente descartada, ainda.
Não vamos falar sobre os ataques em Orlando, San Bernardino, e Boston (EUA), Bélgica, Iraque e Turquia, pois, falar da França já rende assunto o bastante. No entanto, parece evidente a escalada da violência do grupo terrorista e, não somente, algo pontual e localizado.
Alguns analistas apontam que, embora o DAESH mire em todo o ocidente, a França, por ser simbolo das Revoluções que pavimentaram o Iluminismo, a forte crença de seu povo em valores como Democracia, República, e Laicismo, é um contraponto absoluto à tudo que o DAESH prega e deve ser destruída, como prova maior da determinação dos terroristas.
De maneira mais objetiva (ou menos simbólica), podemos citar o tratado de 1916, Sykes-Picot, assinado entre França e Reino Unido, que acabou com o império Otomano, criando fronteiras artificiais (de onde surgiram, por exemplo, Síria e Iraque), destruindo a base do sonho de muitos radicais, sobre um Califado que dominasse todo o Oriente Médio, por vezes, referido como Oumma (Comunidade de crentes).
Todos esses motivos podem ser a real causa do porquê Abu Mohamed Al-Adnani, porta-voz oficial do DAESH, disse, em 2014, “Mate com pedras, facas, ou seu carro (…) em especial, os sujos e desprezíveis franceses”.
Jovens, homens, 30 anos, nacionais, com descendência islâmica.
Não se trata de profiling (preconceito), mas, como eu identifiquei, ao longo da história recente dos ataques à França, existe sim, um padrão de “recrutamento”.
A esmagadora maioria dos agressores tem a origem na Argélia.
A Argélia é um país entre o Norte da África e o Saara, e já foi colônia francesa. A colonização não foi nada pacífica (a França invade a Argélia em 1830, mas só toma o território, por completo, no meio do século XX), e, para não chegar às 8000 palavras, eu vou resumir dizendo que houve um “mini-apartheid” aos moldes dos colonizadores holandeses, na África do Sul.
Só ao fim de vários conflitos é que a França estendeu direitos de cidadania aos Argelinos muçulmanos (por anos, eles não eram considerados cidadãos, e os índices de analfabetismo – por exemplo – eram agressivos para essa parte da sociedade).
A independência Argelina só ocorre no fim do século XX, e é pavimentada através de muito terrorismo. A guerra civil é uma realidade entre tropas francesas, a FLN (Frente de Libertação Nacional), e a OAS (Organização do Exército Secreto).
A FLN representa parte da sociedade reprimida pelas décadas de opressão dos colonizadores, e o OAS é um braço radical do Exército Argelino, guiado por um general Islâmico, sendo que o terrorismo é a arma de ambos. Depois, OAS e FLN se enfrentam, com mais terrorismo.
Em 1962, Charles de Gaulle, presidente francês, se vê forçado a assinar armísticio com essas organizações, onde reconhece a independência da Argélia, e garantia de direitos aos franceses, ainda residentes na Argélia.
Ao fim do processo, apenas 1% de Cristãos restam no território e, o novo governo, formado pela FLN, edita decreto que restringe o culto ao Cristianismo, e a perseguição aos Cristãos começa. Terrorismo, como se percebe, é o triste meio pelo qual a Argélia é constituída, ao longo de sua história recente.
E a França está no epicentro disso tudo, por todos os seus atos e medidas com sua ex-colônia.
Mais que isso, o processo, em larga escala, contínuo, de imigração da região do Maghreb (o noroeste do continente Africano) para a França, e a criação de “ghettos” ao redor de Paris, onde essa população é “estocada” – na falta de palavra melhor – só aprofunda a gigantesca cisão com o sentimento de pertencimento desses indivíduos, dentro do território francês. Antes de supor a culpa dessas pessoas, é bom lembrar que a França bancou e patrocinou essa imigração, para fins de reconstruir a nação no pós-guerra, onde o país encontrava-se devastado pela ocupação alemã, e demais desdobramentos históricos.
A França é mais vulnerável ao terrorismo?
Difícil de responder (comparado à quem?), embora tudo indique que não.
A França é a quinta maior economia do mundo (PIB nominal), sendo a segunda maior, dentro da Europa.
A França também tem o terceiro maior orçamento militar do mundo. Mas, em contrapartida (para compreender o risco à que está exposta), também é o país mais visitado por turistas, no mundo todo. Por ano, são 82 milhões deles. Para ter uma idéia do que isso representa, a população regular da França é da ordem de ~65 milhões. Significa que, praticamente, “outra França + 1/3” entra e sai das fronteiras do país, todos os anos.
Como líder mundial, a França pode se orgulhar de ser uma das nações fundadoras da União Europeia, além de possuir a maior área e a segunda maior economia do bloco. Também ajudou a fundar a Organização das Nações Unidas, além de pertencer ao G8, ao G20, à OTAN, à OCDE, e à OMC.
Acredito que, diante do exposto, fica difícil supor que a França não invista valor considerável na manutenção de sua Segurança Nacional, ou que seja imatura em lidar com imigração, controle de fronteiras, e etc. Ela investe muito (o 2º maior investimento), e ela lida com um volume de estrangeiros, sem igual (sua própria população + 1/3).
Mas… O terrorismo nas fronteiras francesas, não é aquele “terrorismo regular”, hollywoodiano, que tanto nos acostumamos a imaginar com os filmes da década de 80 e 90.
Como o perfil dos agressores bem demonstra, a gritante maioria é de franceses (e não de estrangeiros, viajando com a missão de perpetrar os ataques, furando barreiras e controles de imigração…), descendentes de pais com outra nacionalidade (em especial, argelinos). Portanto, a guerra travada contra o terrorismo, não consegue gerar um “escudo protetor” no país, porque seus inimigos nasceram e estão lá dentro, desde sempre. Não há barreira ou proteção a ser superada.
Na minha opinião, a recente política externa da França, com fulcro na relação às suas colônias, começa a cobrar um alto preço. Especialmente, a forma como esses imigrantes foram tratados – renegados aos ghettos parisienses – parece gerar a condição perfeita de mágoa, não-pertencimento, frustração, segregação, e ausência de identificação com os valores nacionais, tornando esses indivíduos, alvos perfeitos para o recrutamento da organização terrorista, o DAESH.
O que pode ser feito?
Cansativo fazer um texto para o qual as respostas são vagas, ou imprecisas, e onde não há consenso.
O que a grande maioria dos cientistas políticos e professores de Lei vão dizer (não sem oposição respeitável e considerável) é o seguinte:
- A guerra ao DAESH precisa ser feita e levada, em seus territórios de domínio. Se colocar homens em solo, talvez (e só talvez, já que pode não haver real alternativa), venha a ser má idéia (como outras forças de ocupação já demonstraram ser, antes), continuar lançando bombas teleguiadas, não fará nenhum efeito na força do grupo terrorista. Não funcionou, até agora.
A guerra precisará ocorrer porque, atualmente, o poder físico e territorial do DAESH mantém o grupo armado, alimentado, organizado, com moral e poderoso. A idéia de que o DAESH estava acabado, com os recuos no território Iraquiano, foi enganosa e descolada da realidade. Na verdade, a aceleração dos eventos de Terror, e o número de ataques, sugerem exatamente o contrário: O DAESH tem ficado cada vez mais poderoso e tem células em diversos países. Estima-se que, atualmente, o DAESH está atuando em 50 países, seja por meio de territórios dominados, ou países alvos de ataques. - A guerra ao DAESH não se resume à ação militar. O DAESH criou um novo tipo de Terror, onde o agressor não atravessa fronteiras, mas, para desespero das autoridades, nasce e vive, desde o princípio, no seu alvo. Essa capacidade mobilizante, e de propaganda que atinge, principalmente, homens jovens, por volta dos 30 anos, residentes nos países-alvo, e com descendência de famílias de fé Islâmica, precisa ser estancada e combatida. O discurso e a retórica do DAESH precisa deixar de ser tão contundente nos corações e mentes dessas populações. E se é tão efetivo, é sinal de que essas populações estão desassistidas e isoladas da sociedade desses países; motivo pelo qual à mensagem é tão efetiva.
De um ponto de vista histórico, o radicalismo islâmico tem sido sustentado, muito por conta do abismo no desenvolvimento social desses povos. A miséria do indivíduo é justificada como fruto do seu distanciamento da lei de Allah.
A distorção do Corão – não obstante o fato que seu texto seja, por vezes, patrocinador da guerra abençoada (embora, ela possa ser interpretada, de forma light, como uma “guerra” só no campo da fé e das idéias) – para justificar a Jihad, tem o poder de arrebatar aqueles que estão completamente descrentes de uma chance de vida digna.
Vale dizer, também, que tal radicalismo não é exclusivo do Corão. A Bíblia do Cristianismo, em seu Velho Testamento, justifica atrocidades não muito distantes do que pregam os radicais do Islã.
A diferença é que o ocidente continuou seguindo em frente, e chegou no século XXI (com seus defeitos e qualidades, cabe enfatizar).
As sociedades do Oriente Médio, no entanto, parecem ter parado no século XI, e ainda vivem os dilemas e valores das épocas das Cruzadas européias: Sociedades com castas claras e intransponíveis, hierarquias familiares, e dogmas inquestionáveis, a submissão da mulher ao status de objeto e propriedade e, por fim; o triste conceito de que, em nome da fé, não há limite, nem ato que possa ser execrado, diante da aprovação de uma deidade – que, curiosamente, só pode ser ouvida por alguns indivíduos que nunca se matam, mas mandam outros para a morte.
Como fica a Rio 2016?
Quantas vezes já citei esse evento? Bem, pode parecer sensacionalismo, mas, não é brilhante, nem exige uma mente maligna e genial, perceber que o evento que concatena dezenas de países, será um alvo muito tentador ao DAESH e outras organizações que propagam sua ideologia pelo Terror (exempli gratia: Al-Qaeda).
Para se ter uma idéia, vamos à breve análise:
A Copa de 2014, no Brasil, teve ~350 mil pedidos de credenciamento, entre autoridades, delegações, jornalistas, profissionais envolvidos com os jogos, e etc.
A Olimpíada de Londres, em 2012, teve ~420 mil.
A Olimpíada do Rio, já tem 460 mil pedidos de credenciamento. Destes, 11 mil foram indeferidos.
E já sabemos: Nesse mar de gente, 4 deles estão, comprovadamente, envolvidos com o terrorismo internacional.
Não quer dizer que um ataque ao Rio é inevitável. Mas, quer, sim, dizer que o alvo interessa.