Doria, o piche, e o estranho “Instituto do Direito Colateral” brasileiro…

Existe essa idéia, muito louca e onipresente, entre meus compatriotas de que a ausência de alguns direitos, leva a outros “direitos colaterais” sem nenhuma ligação ou equivalência. País algum pode ser bom, com um pensamento assim…

Antes de qualquer discussão, peço que assistam ao vídeo, abaixo:

Bem, metade da nossa discussão gira em torno desse vídeo e outra metade, sobre parte da argumentação contra as medidas (e, em especial, o combate à pichação) do novo prefeito da cidade de São Paulo.

Doria completou o primeiro mês de sua gestão no último sábado, dia 4 de fevereiro.

Em apenas um mês, já conseguiu alguns avanços significativos para seu plano de governo, e polêmicas dignas de alguém com muito mais tempo no cargo.

Ao meu ver, bem ou mal, Doria parece estar cumprindo parte do que foi sua promessa de campanha, e em pouco tempo.
E aqui, faço a primeira advertência para quem insiste em brincar de futebol na política: Você não pode cobrar algo que ele não prometeu como candidato, e isso vale para os demais candidatos. É óbvio que surgem novas prioridades, e é óbvio que as demandas mudam ao longo de 4 anos de gestão.

Mas, até aqui, ele parece estar com uma boa memória do que foi sua campanha, e quem votou nele deve estar satisfeito de vê-lo cumprido um bom punhado das metas que propagandeou na corrida pela prefeitura de SP, já “na largada”.

Outra coisa cômica do “Corinthians vs. Palmeiras” que é a política por aqui, especialmente na maior cidade do Brasil, é que enquanto Doria é chamado, pejorativamente, de playboy, “armário da Ralph Lauren” e etc, Fernando Haddad nunca foi criticado por sua classe social, sua riqueza, e o fato de ser professor em importantes universidades e viver em um bairro de alto padrão da cidade.
Claro: Como isto é uma briga de torcidas, não é difícil ver o tipo de elogio feito a Doria, não surgir para as boas ações (e foram mais do que uma só) da gestão anterior. É pitoresco. Mas é, também, triste. Delata o tamanho da vergonha que deveríamos ter quanto ao nosso nível de evolução cultural e consciência política.

Bem, esse não é o centro da minha argumentação de hoje. O centro é:

Por que alguém teria o direito de pichar propriedade alheia?

Vi uma porção de movimentos historicamente mais ligados a discursos socialistas e outras vertentes do pensamento da Esquerda política, criticando fortemente a ação de limpeza do corredor Norte-Sul que, entre outras vias, inclui a Avenida 23 de Maio; historicamente também, um local repleto de grafites, além de pichações.

Uma das matérias mais reveladoras sobre o assunto foi veiculada na Globo News, no programa “Entre Aspas” com o arquiteto e urbanista, Martin Corullon e, também, o atual secretário da Cultura da gestão Doria, André Sturm.

Um dos pontos-chave da argumentação de Martin é que “a pichação não pode ser combatida com tinta, mas, as raízes e os porquês do pichador têm de ser entendidos, primeiro. Eles não têm acesso a lazer, à cultura” e, bem… Como de costume, “o grito dos excluídos” surgiu, de novo. “Grito dos Excluídos” é o nome real de um movimento que tem importância e representatividade, mas também é como eu, sarcasticamente, chamo esse tipo de argumentação que justifica toda e qualquer ação a partir da inexistência de um fato ou premissa que o argumentador julgava necessária ou indispensável para que o autor da ação questionada, não a fizesse.

Para o azar de Martin, dá pra ver que o pichador do “Profissão Repórter” não tem nenhuma pichação na casa dele… Afinal, “em casa é o descanso, o lar, a tranquilidade… Só na mente e no coração”… HAHAHA… Difícil não rir alto… Especialmente, depois de ver a argumentação de Martin de que “o pichador está gritando suas verdades, e angustias, de tudo que ele foi privado pela sociedade”, e etc. e etc…

O nome técnico do “grito” seria “Instituto do Direito Colateral”…

Em Direito, durante a faculdade, os alunos se deparam, aqui e ali, com “Institutos”. O Instituto do Habeas Corpus; o Instituto da Prescrição; o Instituto da Presunção de Inocência (que, em termos técnicos é sempre explicado erroneamente. Não existe “Presunção de Inocência”, mas sim, o “Princípio da Presunção de Não-culpabilidade” [parece a mesma coisa, eu sei, mas acredite: Nos meandros da execução penal, não é!]).

Enfim, um “Instituto”, no Direito, é um conjunto de idéias e mecanismos legais e para além da norma (como os costumes, as aplicações e os casos práticos) que formam um conceito sólido do Direito como ele o é, e fundamentam tanto peças de defesa, como “dão munição” às denúncias do Ministério Público, e daí por diante.

Pois bem: Eu ainda não posso fazê-lo, e espero que ninguém roube minha idéia até lá, mas, meu mestrado em Direito será sobre “o Instituto do Direito Colateral Brasileiro“.

Talvez você até consiga achar o termo “direito colateral” por aí, mas o Instituto… Ah, esse é de meu próprio cunho. Inédito. E será meu caminho para o Stricto Sensu.

Tal instituto é arraigado e está na cabeça de quase todo brasileiro (o que torna minha tese ainda melhor e mais forte, já que “o costume gera lei”) da seguinte forma:

  • Na ausência de um dado direito, ainda que ele seja só uma expectativa de direito, outros direitos e garantias surgem.
  • Como nada explica melhor do que exemplos:
    • “Como meus pais não se preocuparam com meu ensino, e o Estado não tinha escolas excelentes, é meu direito roubar o carro que nunca terei trabalhando”.
    • “Como minha mulher me chifrou, após ter me jurado fidelidade na frente de um Juiz de Paz, ou do Padre/Pastor, é meu direito meter a mão na cara dela”.
    • “Lá perto de casa não há parques. Logo, tenho o direito de pichar nos bairros chiques da cidade”.

Como deve ter sido suficiente, vou parar por aqui.

O “Instituto do Direito Colateral” surge sempre que você, individuo, cidadão ou não, entende que a ausência, supressão, falha, ou qualquer outro problema com um dado direito seu, lhe concede outros tipos de direito que, na verdade, você não tem.

No estudo do Direito, uma das máximas é “Dois erros nunca farão um acerto”.

Como toda lei e regra que se preze, é preciso ter algum tipo de exceção para lidar com a realidade, e essa idéia de “dois erros” também tem exceções. Nós as conhecemos como “Excludentes de Ilicitude”.
Talvez existam outros exemplos de exceção, mas, as Excludentes são um capítulo interessante e demonstram como o Direito lida com a excepcionalidade da vida.

A definição teórica de “Crime” é de que há necessidade de conduta humana positiva (ação) ou negativa (omissão) e, ainda, que essa conduta seja típica, ou seja, que a mesma esteja descrita em lei como infração penal/crime. Também, o fato precisa ser anti-jurídico, ou seja, contrário ao Direito, sem condição que exclua sua injuridicidade. A tudo isso, damos o nome de divisão tripartida (culpabilidade, tipicidade, antijuricidade) que transforma “Fato” em “Crime”.

E é no critéiro central, a Antijuridicidade, que as Excludentes atuam. Elas são reguladas pelo artigo 23 do CP (Código Penal) e são 4, ao todo:  O estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito. (grifos e negritos para facilitar a identificação/separação).
Através dessas 4 situações, o Direito permite que um fato tipificado na lei como transgressão/infração/crime, seja considerado Juridicamente perfeito, e portanto, “não-criminoso”.

Não vou detalhar um por um, já que isso de nada acrescenta ao assunto central, mas vejamos o que essas Excludentes demandam, e como um individuo se enquadra (ou não), nelas.

O estado de necessidade é uma condição onde há iminente ou atual perigo a um direito, perigo este, não provocado pelo agente, e para proteger tal direito, outro direito será preterido/desrespeitado. É o estado de necessidade que torna o furto famélico um “não crime”. O furto famélico é aquele em que o individuo, para proteger a vida (sua ou de outrem), ameaçada pela inanição corrente ou iminente, furta alimentos para manutenção de sua vida ou da vida de alguém por quem ele é responsável.

  • De cara, algumas coisas devem ser ditas: O estado de necessidade não pode ser forçado pelo agente que, mais tarde, o alegará como excludente de ilicitude. Se você queimar todo  seu dinheiro em apostas, e der todos os seus alimentos para doação, você causou a inanição que, agora, tenta combater.
  • Também, o Estado de necessidade é estrito em dizer que os direitos não podem ser equivalentes. Por este motivo, não existe “roubo famélico”. Se você tinha dinheiro para ter uma arma (ou o fato de ter um bem [a arma]) por que não a trocou por dinheiro para cessar sua fome? Da mesma forma, se sua vida está em risco, você não pode ameaçar a minha para manter a sua (nesse caso, inclusive, eu passo a ter a próxima excludente ao meu favor). Toda vida tem o mesmo valor.

Sobre a legitima defesa, nem preciso explicar muito, exceto por 2 ou 3 pontos que as pessoas costumam ignorar ou ter a explicação errada:

  • O primeiro ponto é que a legitima defesa pode ser minha ou de outrem: Ao ver um vizinho ou vizinha, ou mesmo um transeunte na via pública sendo agredido por um terceiro, eu posso, com o uso progressivo e moderado da força, proteger os direitos dessas pessoas. A legitima defesa não me limita a proteger somente a mim, e o entendimento contraditório é um equivoco comum.
  • O segundo ponto é que, não cabe legitima defesa somente pela minha vida. Posso, sem problemas, defender qualquer direito meu, ou de outrem, que está sendo ameaçado. Como, por exemplo, um carro que está sendo furtado. Ou, um muro sendo pichado… Cabe acrescentar que a Doutrina costuma tender à legitimação da legitima defesa de terceiros somente para bens indisponíveis (vida, liberdade, etc.), mas eu posso defender bens disponíveis, com o consentimento do ofendido, ainda que seja consentimento presumível, e sustentar esse consentimento como de interesse do ofendido (exceto se o ofendido negar tal consentimento).
  • O terceiro ponto é que, de modo geral, o uso moderado e progressivo da força é esperado como ponto central para a validação da autoridade quanto à essa excludente. Logo, eu não devo atirar com uma bazooka contra um ladrão de galinhas, mas eu não preciso efetuar um disparo para cima, e outro no ladrão, e torcer para ele parar a agressão com um único tiro.
    Se preciso for, posso acabar com as 17 munições no carregador da minha pistola, caso a agressão não cesse com “apenas” 16.

O estrito cumprimento do dever legal é o que o nome já sugere: Um agente, que tem o DEVER (e não apenas o direito), de fazer ou não fazer algo, pode em função desse dever, cometer ato típico, que deixa de ser antijurídico, por conta de tal excludente.

  • Também cabe a observação do uso progressivo da força, e das medidas estritamente necessárias para a manutenção do cumprimento do dever, sob pena de responder por abusos e excessos.

Por fim, o exercício regular do direito, talvez seja o mais estranho/incomum das excludentes para explicar (embora ocorra O TEMPO TODO), mas, basicamente, é a lei garantindo que, se você está simplesmente exercitando um DIREITO seu, dentro de todos os limites e obrigações que a lei demanda, mesmo que gerando fato tipificado, você estará livre de sofrer sanção cível, penal, e etc.

  • Imagine que seu vizinho, indevidamente, constrói muro em seu terreno, devidamente demarcado junto ao órgão regulador, com documentação em dia, impostos recolhidos e etc.
    • SEM CAUSAR DANO FÍSICO (esqueça o uso de explosivos, portanto) a ninguém, é vosso direito destruir o muro que está dentro da propriedade que lhe pertence, e embora destruição de patrimônio (o muro, o cimento) alheio, seja ato típico, não é crime aqui, pois, a lei lhe garante o uso de vosso terreno regulamentado e pago, da forma como lhe convir, dentro dos limites legais, obviamente.
  • Outro exemplo, muito prático, é o do pai que põe seu filho de castigo, para educar-lhe por algum excesso que o menor comete. Não fosse um direito garantido ao pai (e alguns dirão que é dever, embora isso esteja meio perdido em nossa sociedade), ele poderia ser preso por carcere privado, ao fechar o filho no banheiro. Aqui, fica evidenciado que a razoabilidade também é avaliada: Um castigo de uma hora é algo razoável. Um castigo de 30 dias trancado é, sem dúvidas, um abuso de direito e será punível, afastando qualquer chance de alegação de tal excludente.

“Ok, Rodrigo. Entendi. E o que isso tudo tem a ver com a pichação?”

“A parede externa de uma propriedade, pública ou privada, é meu quadro em branco, e eu faço nela o que eu quiser, com ou sem consentimento de seus proprietários”…

Então, esse é o mote do movimento “pró-pichação”? E é por isso que Doria está errado?

E o mote se justifica porque… Porque… Por que?

Olhando para as Excludentes de Ilicitude, não vejo UM único enquadramento que diga que a depredação e vandalismo de patrimônio alheio seja justificada em caso de o agente ter algum de seus direitos negados.

Não há uma justificativa sequer, valida, que torne a conduta tipificada anteriormente no artigo 163 do Código Penal e, mais tarde, alçada ao status de crime ambiental (artigo 65 da Lei 9.605/98), em algo “razoável, artístico, aceitável”, ou qualquer outro valor positivo.

O grafite, por outro lado, envolve algum grau de competência técnica e artística e, se autorizado, acaba sendo parte integral da paisagem urbana de grandes centros, como é o caso de São Paulo. Como foi dito no programa “Entre Aspas”, alguns grafites também foram cobertos, seja porque o painel estava deteriorado, pichado, ou descaracterizado, seja porque não tinha autorização para ter sido feito. A escolha da cor cinza (que também foi alvo de críticas (por pessoas que não se deram ao trabalho de pesquisar) também tem motivos técnicos, como explica o secretário.

Este é um país com uma sociedade MUITO atrasada para assuntos de convivência e socialização. Se algo não é legal, e se há previsão na lei que criminaliza a conduta, e se nada justifica sua prática, então, por que diabos alguém que faz a lei ser cumprida, é considerado “reprovável”, mas não o criminoso?
Se ele é um adversário para alguém, até o momento, é um adversário de criminosos. Alguma dúvida? Favor, compartilhar para que debatamos.

Peço, encarecidamente, que me elucidem como o prefeito se torna “pobre-fóbico”, “separatista”, ou seja lá qual adjetivo utilizaram por fazer a lei ser cumprida – ao menos, neste caso.

Doria é um marketeiro de natureza e de formação. Veio da TV, e tem uma empresa de grande porte. Alguns até arriscaram compará-lo com o temerário Donald Trump, o que me parece, em qualquer escala, uma grande bobagem.

Mas, até aqui, só estou vendo ele fazer a lei ser cumprida, e se preocupar com estado decadente de ruas e avenidas importantes da nossa cidade.

Quem tenta justificar que “a opressão, exclusão” ou qualquer outro “grito dos excluídos” é a justificativa para o “direito” à pichação, precisa, em primeiro lugar, ver o vídeo onde o pichador explica que “na casa dele, não” e, depois, tem que pensar que ainda que exista um pichador oprimido e excluído, em algum lugar da cidade, e que picha a própria casa, quarto e etc.; ainda assim, ele não tem nenhum elemento jurídico que o permita cometer esse crime ambiental, sem enfrentar as consequências de cometer ato típico, antijurídico, e de ação positiva (dolosa) por parte do autor: Um criminoso.

Querem criticar Doria? Tenho certeza que, cedo ou tarde, motivos reais e fundados surgirão, porque essa é a sina do Brasil: Ter políticos que nos envergonham.

Mas, até aqui, só crítica a ação de Doria pela restauração dos muros quem deseja que alguns vivam na sujeira visual, com muros públicos e privados com “letras” irreconhecíveis e despidas de QUALQUER aspecto artístico, enquanto os autores “ficam com a mente e o coração” limpos, em casa.

Pura e inequívoca hipocrisia.

Autor: Rodrigo30Horas

Com 30 e tantos anos de Pindorama - e, para os mais moderninhos, Ilha de Vera Cruz - Rodrigo é apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior (Guarulhos-SP) ... Com total compromisso com a clareza e transparência, é preciso que você, meu/minha caro(a) leitor(a), saiba: Eu sou um Zé Ninguém. Como formações acadêmicas, sou formado em T.I. e Direito, mas quem não é, não é mesmo? Quando falo de medicina, não sou médico, de economia, não sou economista. Você tem de se lembrar disso o tempo todo. Por uma questão de clareza e separação de papéis, preciso que você saiba que eu trabalho na Microsoft. Minha empregadora e meus superiores não têm conhecimento do conteúdo que veiculo por aqui e nunca me pediram ou me autorizaram para escrever nada, pró ou contra qualquer coisa. "O trabalho mais importante e mais difícil não é encontrar a resposta correta, mas fazer a pergunta certa." - Peter Drucker

Comente!